Prefeitura descumpre transparência desde a gestão de Marquinhos, aponta TCE sobre ‘folha secreta’

Detalhamento de benefícios como jetons só aparecem no holerite do servidor, mas não na página da prefeitura

Adriel Mattos – 04/04/2023 – 16:41

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Adriane Lopes era vice-prefeita de Marquinhos Trad. (Foto: Divulgação/PMCG)

A inspeção do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) sobre as contas da prefeitura de Campo Grande de 2022 constatou que a legislação de transparência não está sendo cumprida. O Portal da Transparência da Capital não revelaria todas as informações sobre os gastos com pessoal.

No documento, ao qual o Jornal Midiamax teve acesso, ficou constatada divergência de R$ 386,1 milhões entre as folhas apresentadas e o executado no orçamento, ou seja, não declarados no Portal da Transparência, nos últimos anos da gestão de Marquinhos Trad (PSD). 

Relator da inspeção, o conselheiro Osmar Jeronymo deu 20 dias úteis para a atual prefeita, Adriane Lopes (Patriota), se manifestar sobre a situação apresentada. Atualmente, o município está com 57,02% da receita comprometida com a folha de pagamento. 

Os técnicos do TCE-MS compararam holerites de servidores com o que está no portal e notaram que os pagamentos não foram devidamente detalhados.

Prefeitura cumpre parcialmente legislação no Portal da Transparência

Para fazer esse levantamento, a equipe de fiscalização levou em conta os princípios da publicidade e da moralidade, previstos na Constituição Federal, e a LAI (Lei de Acesso à Informação). Assim, os servidores da corte levaram em conta os seguintes critérios para essa análise:

  • Relação nominal dos servidores;
  • Indicação de cargo e/ou função desempenhada por servidor;
  • Indicação de lotação por servidor;
  • Indicação da remuneração nominal de cada servidor;
  • Tabela com o padrão remuneratório dos cargos e funções (pode ser extraída da legislação atualizada que disciplina a remuneração dos servidores).

Com isso, ficou demonstrado que a prefeitura “atende parcialmente à legislação incidente à espécie, visto que a indicação da remuneração nominal de cada servidor não segue um padrão de divulgação e/ou não apresenta o total da remuneração do servidor de forma clara e detalhada, inclusive não constando algumas verbas remuneratórias, prejudicando o principal objetivo do Portal da Transparência”.

Foi assim que os técnicos encontraram quatro “inconsistências ou omissões” no Portal da Transparência:

  1. A composição do total de remuneração do servidor apresentada no Portal, não está detalhada; 
  2. Os encargos especiais e jetons recebidos pelos servidores (conforme folha de pagamento), não estão incluídos no total da remuneração disponível para controle do cidadão no Portal; 
  3. As verbas de representação e gratificação de dedicação exclusiva em alguns casos estão detalhados em outros não. 
  4. O Portal deve permitir a emissão de relatórios e gerar no padrão dados abertos (Ex. XML), entretanto, embora o site traga a lista em tela, ela não gera todas as informações que estão apresentadas na tela, e os detalhamentos.

Para exemplificar, a equipe de fiscalização apresentou o caso de dois servidores. O primeiro é um professor. No Portal, aparece apenas que ele teve salário bruto, em abril de 2022, de R$ 16,8 mil, sem detalhamento.

Ao consultar o holerite de outro professor é que os técnicos descobriram como o servidor tem um vencimento bruto de R$ 29,9 mil. O rendimento base é de apenas R$ 5 mil.

Como exerce carga horária de 40 horas semanais, ele tem direito a mais R$ 5 mil. O docente ainda exerce a função de supervisor executivo na Semed (Secretaria Municipal de Educação), pela qual tem direito a R$ 6,2 mil. 

Além disso, o professor ainda ganha mais R$ 6 mil por encargos especiais, outros R$ 7 mil por jetons, R$ 254,02 por adicional por tempo de serviço e R$ 210,81 a título de complementação salarial. Isso resulta num vencimento bruto de R$ 29,9 mil, que com os descontos de R$ 10 mil, levou ao pagamento de R$ 19,8 mil.

TCE só descobriu detalhamento de salário consultando holerite. (Foto: Reprodução/TCE-MS)

Esses pagamentos de encargos e jetons é outro exemplo dos técnicos, que apontaram que esses benefícios não aparecem no Portal da Transparência. O que fica disponível para o cidadão é apenas o valor bruto ou uma descrição simples.

“Não basta simplesmente exteriorizar as informações no Portal da Transparência, se essas não condizem com a realidade ou não estão devidamente completas, posto que dados parcialmente públicos não servem para o cumprimento das legislações que regulamentam a matéria”, concluem no relatório.

Quando foi questionado sobre a “folha secreta”, Marquinhos Trad se limitou a informar que o Portal da Transparência fosse consultado. Ao que parece, a página não está completa, como relatou o TCE.

Folha secreta

Durante audiência pública de prestação de contas para exposição de Relatório de Gestão Fiscal, o advogado dos sindicatos da Guarda Civil Metropolitana, dos Médicos e dos Profissionais de Enfermagem, Márcio Almeida, questionou a atual secretária municipal de Finanças e Orçamento, Márcia Helena Hokama, sobre a possível existência do que ele denomina de “folha secreta”.

Hokama assumiu a pasta depois que Pedro Pedrossian Neto (PSD), titular das finanças na gestão de Marquinhos Trad, saiu para se candidatar a deputado estadual.

Uma das suspeitas, inclusive, é de que o inchaço nos pagamentos de pessoal na prefeitura de Campo Grande tenha a ver com a campanha do PSD nas últimas eleições de 2022 em Mato Grosso do Sul.

Trad renunciou ao cargo para concorrer ao Governo do Estado, mas acabou em sexto lugar após ser implicado em escândalo de assédio sexual. Ele virou réu por assédio sexual contra 7 mulheres e o caso continua na Justiça.

Penduricalhos: manobra para ‘engordar’ ganhos de aliados

Segundo o advogado, as possíveis causas para o crescimento do valor da folha do Poder Executivo, para além dos eventos legislativos, seriam contratos temporários, planos de trabalho (Gratificação por Encargos Especiais), jetons e acréscimos não informados no Portal da Transparência.

Segundo ele, praticamente não houve crescimento vegetativo da folha, “tendo em vista que os quinquênios, ascensões e progressões estão represados há muito tempo”.

O advogado pontuou diversas situações enfrentadas pelos servidores: falta de aumento real há anos, professores e profissionais da enfermagem fazendo greve, auditores e procuradores com salários limitados pelo teto remuneratório.

No entanto, a atual secretária informou que cabe à Seges (Secretaria Municipal de Gestão) informar sobre a folha municipal.