MPMS admite ter decretado sigilo em investigação após pedido de Patrola

Processo de investigação sobre desmatamento no Pantanal caminha para acordo

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André Luiz dos Santos, o Patrola, esteve no MPMS para tratar acordo (Alicce Rodrigues, Midiamax)

O MPMS (Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul) admitiu ter decretado sigilo no inquérito civil que investiga desmatamento no Pantanal após pedido do empreiteiro André Luiz dos Santos, o Patrola. O processo corria com acesso público e foi fechado no fim da manhã de segunda-feira (23), após o Jornal Midiamax flagrar o investigado em reunião com o Ministério, a fim de acertar o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), que enterra a possibilidade de instaurar ação judicial contra Patrola.

“Em razão de pedido do advogado da parte representada no Inquérito Civil n. 06.2023.0001006-2, a Promotora de Justiça Ana Rachel Borges de Figueiredo, com fundamento no art. 30 da Resolução nº 015/2007-PGJ, de 27 de novembro 2007, entendeu por bem decretar o sigilo do referido procedimento, posto que demonstrado que a publicidade ocorrida no último dia 23.10.23 pode acarretar prejuízo às investigações”, justificou o MPMS, um dia após questionamento da reportagem.

A promotora de Justiça Ana Rachel Borges Figueiredo Nina (Divulgação)

No entanto, conforme informações repassadas ao Jornal Midiamax, a investigação que apura supressão vegetal de 223 hectares em área de preservação pantaneira já caminhava para acordo menos de um mês após a instauração do inquérito civil.

Após celebração do TAC, que é mais vantajoso por assumir determinadas obrigações do que responder a um processo e correr o risco de ser apenado e usado em infração de menor potencial ofensivo, a investigação é enterrada até que os acordos sejam cumpridos.

Reunião no MPMS

Na segunda-feira (23), o empreiteiro esteve no MPMS junto com o advogado, Hildebrando Campestrini, para acertar os termos do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) sobre o desmatamento. O acordo já estava encaminhado com o órgão público, já que nos autos consta que André Luiz e a defesa solicitaram a reunião para ‘apresentar maiores explicações sobre questões acerca do TAC’.

A tratativa acontece apenas dois meses após abertura do inquérito civil que investiga desmatamento ilegal de APP (Área de Preservação Permanente) na Fazenda Alegria, em Corumbá.

Conduzida pela promotora Ana Rachel Nina, da 2ª Promotoria de Justiça de Corumbá, a investigação caminha para acordo e pode ‘enterrar’ a investigação sobre desmatamento no Pantanal.

Cronologia da investigação

Instaurado em 25 de agosto, o Inquérito Civil 06.2023.00001006-2 analisa “supressão de 223,06 hectares de vegetação nativa (89,34 ha em Área de Preservação Permanente, 29,48 ha em área de Reserva Legal e 102,66 ha em área de Remanescente de Vegetação Nativa), no período de 22/03/2022 a 27/11/2022, no interior do imóvel rural ‘Fazenda Alegria’, matrícula n.º 29.368, CARMS0076563, no Município de Corumbá/MS, pertencente a André Luiz dos Santos, em desacordo com a Autorização Ambiental n.º 0228/2021 e, portanto, contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes”.

Após a instauração da investigação, foi apresentado pedido de dilação de prazo por 15 dias, em 13 de setembro, já para apresentar resposta sobre o Termo de Ajustamento de Conduta.

Em 15 de setembro, a promotora Ana Rachel Nina deferiu o pedido. Ou seja, menos de um mês após a instauração do inquérito, já havia tentativa de acordo.

Em 5 de outubro, Patrola enviou documento sobre o TAC em anexo por e-mail e a defesa solicitou reunião para ‘apresentar maiores explicações sobre questões acerca do TAC’. Em 9 de outubro, uma técnica do MPMS recebeu a documentação de André Luiz e encaminhou para análise da promotora Ana Rachel.

Caso seja firmado, o acordo enterra, neste inquérito, a possibilidade do MPMS instaurar ação para questionar as ações de desmatamento do empreiteiro na Justiça.

André Luiz dos Santos, o Patrola, e o advogado (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Laranja de políticos

Flagrado no prédio das promotorias de Campo Grande pela reportagem do Jornal Midiamax nesta segunda-feira (23) e questionado se seria laranja de políticos, Patrola disse que não responderia às perguntas e solicitou para a reportagem fazer os questionamentos ao advogado dele. Hildebrando Campestrini estava ao lado do empreiteiro na recepção, aguardando a reunião.

O advogado tentou impedir o acesso da reportagem ao local, que é público. Campestrini está constituído como representante legal de Patrola no inquérito, aberto para consulta pública.

Neste momento, um policial militar que faz a segurança do prédio questionou se a reportagem tinha autorização para estar no local. Ao ouvir que a reportagem estava no saguão de um prédio público e que, portanto, não necessitava de autorização, o policial discordou e chamou um colega para reforçar a segurança do investigado e do advogado.

Após fazer uma ligação, o policial permitiu que a reportagem permanecesse no local e voltou a se sentar. A reunião acontece entre o empreiteiro, empresário e a promotora de Justiça Ana Rachel Nina, da 2ª Promotoria de Justiça de Corumbá. A reunião foi consentida pela promotora para acontecer na sede da 2ª Promotoria de Justiça de Ribas do Rio Pardo, onde também atua, que fica no prédio das promotorias da Capital.

A reportagem aguarda posicionamento do MPMS acerca da reunião, bem como sobre o TAC a ser firmado com o investigado dois meses após o início do inquérito.

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Área desmatada em uma fazenda no Pantanal. (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

Desmatamento no Pantanal

O inquérito civil foi instaurado a partir da notícia de fato nº 01.2023.00005405-0, registrada pela 2ª Promotoria de Justiça de Corumbá no final de junho. Na época, a promotoria anexou uma matéria do Midiamax nos autos. Publicada um dia antes do registro da notícia de fato, a reportagem retrata a supressão de vegetação em áreas de preservação ambiental.

Com a investigação, o MPMS alterou o objeto da notícia, que agora apura a “regularidade da implantação/prolongamento da estrada/rodovia MS-228, em processo de construção pela empresa ALS Logística e Transportes [CNPJ 05.370.728/0001-29], no Município de Corumbá”.

Além disso, a promotora Ana Rachel Nina pediu para anexar os documentos enviados pelo Governo do Estado sobre as obras na região do Pantanal à notícia de fato nº 01.2023.00007140-5. Entre eles, o extrato do termo de paralisação das obras de revestimento primário no acesso à ponte do Taquari na MS-214 em Corumbá.

Assim como a paralisação das obras na MS-228, o termo da MS-214 foi paralisado retroativamente. Publicado em 21 de junho no DOE (Diário Oficial do Estado), o documento foi assinado em 18 de maio de 2023.

Licenças ambientais

O processo de licenciamento ambiental de obras no Pantanal, solicitado pelo TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul), foi iniciado pela Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos de Mato Grosso do Sul), e serão concluídos até o fim do ano, após o órgão de contas constatar que sequer havia licença ambiental nas obras do empreiteiro.

TCE-MS definiu o prazo de quatro meses em decisão assinada pelo presidente da Corte, Jerson Domingos. Na mesma publicação, o Tribunal derrubou as medidas cautelares que suspenderam a implantação de revestimento primário em estradas do Pantanal. A ação do TCE-MS permite reparos emergenciais em obras da região pantaneira antes que o período de cheia comece.

“Temos um compromisso inalienável com o desenvolvimento sustentável. É preciso pavimentar o caminho social aliado ao respeito com o meio ambiente”, destacou o presidente do TCE-MS.

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André Luiz dos Santos, o Patrola (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Operação Cascalhos de Areia

André Luiz dos Santos, empreiteiro conhecido como Patrola, também seria sócio do ex-prefeito Marquinhos Trad (PSD), de acordo com investigações que culminaram na Operação Cascalhos de Areia, que investiga cascalhamento inexistente em ruas de Campo Grande. Segundo PIC (Procedimento Investigativo Criminal) que deu origem às investigações nessa semana, Patrola seria aliado do ex-prefeito em supostos esquemas de corrupção.

De acordo com a denúncia, Patrola venceria licitações de cascalhamento de vias não asfaltadas, “para evitar fiscalização na execução dos trabalhos”, já que seria mais difícil de medir o serviço que sequer havia sido realizado.

A denúncia aponta ainda que o fiscal apenas tirava uma foto de uma única pá carregadeira no local como ‘prova’ da medição do serviço. Com o dinheiro das licitações vencidas por Patrola, Marquinhos compraria imóveis, que seriam gerenciados pela esposa do empreiteiro, em Campo Grande.

servidor aponta na denúncia que esquema semelhante é realizado em Corumbá, na licitação de maquinários alugados e limpeza de ruas, e o valor da licitação ganha foi utilizado para a compra de uma fazenda em Corguinho.

Por fim, o servidor desabafa. “Estamos cansados de nos submeter a esse sujeito na Prefeitura Municipal, pois nos obrigam a fraudar licitação, já que a ordem vem de cima”.

A partir dessa investigação, os promotores Adriano Lobo e Humberto Lapa Ferri, da 29ª e 31ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público de Campo Grande, começaram a analisar os contratos de aluguel de maquinários e cascalhamento na Prefeitura, que culminaram na operação deflagrada.

Acionado pela reportagem, Marquinhos Trad afirmou não ter nenhum tipo de negócio com André Luís dos Santos, o Patrola, mas admitiu que o conhece ‘como amigo’.

Questionado se acompanhava a execução dos contratos de cascalhamento em bairros sem asfalto enquanto prefeito, Marquinhos desconversa. “Tudo pregão eletrônico. Não existe. Se você ler de fato a denúncia anônima de 8 linhas eles falam da execução, não da licitação. Além disso, faz o levantamento dos valores de contrato que ele tem ou teve durante meus 5 anos e o que ele tem no Governo do Estado. Por que vocês não fazem isso?”, questionou.

No entanto, o Jornal Midiamax divulgou desde o primeiro dia da operação que além dos R$ 24.705.391,35 em contratos com a administração municipal para serviços de cascalhamento na região do Prosa, Patrola mantém atualmente, R$ 195,8 milhões em obras públicas na região do Pantanal.

A reportagem apontou inclusive que os valores pagos a outros fornecedores por quilômetro quadrado no interior do Estado são menores. Há menos de dois anos, um empreiteiro recebeu R$ 27,2 milhões para cascalhar 59,2 quilômetros de uma rodovia pantaneira.

Ou seja, a empresa fechou a licitação por R$ 459,6 mil o quilômetro de cascalhamento. Já a ALS Construtora recebeu R$ 1,3 milhão por quilômetro, R$ 922,4 mil a mais por quilômetro de cascalho que o outro empreiteiro, para realizar exatamente o mesmo serviço em trecho semelhante da mesma rodovia.

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