Decreto de Reinaldo e Verruck ‘driblou’ a lei para liberar devastação do Pantanal, aponta CGU
Relatório da CGU e AGU revela ilegalidade no decreto de 2015 que abriu porteira para desmatamento e pode ser revisado com urgência
Dândara Genelhú –
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O Ministério do Meio Ambiente, por meio do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), pediu a revisão das legislações de Mato Grosso do Sul que regulam a preservação do Pantanal. A recomendação foi publicada após parecer técnico da CGU (Controladoria-Geral da União) e AGU (Advocacia-Geral da União) que aponta irregularidades em decretos assinados pelo ex-governador Reinaldo Azambuja (PSDB) e pelo secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação de MS, Jaime Verruck, que permitiram o desmatamento de mais de 400 mil hectares do bioma pantaneiro.
Documento sobre o Impacto Regulatório do Pantanal, publicado nesta quinta-feira (3), traz duas alternativas viáveis para tentativa de preservação do bioma. A primeira delas é a criação de uma resolução do Conama, para basear a exploração de recursos naturais do Pantanal em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
O estudo de impacto foi baseado em um parecer técnico da CGU e AGU, que apontou irregularidades nas normas ambientais publicadas pelo Governo de Mato Grosso do Sul desde 2015. O relatório detalha que análise da consultoria jurídica dos órgãos concluiu que o decreto estadual de 2015 “deve ser revisado com urgência”.
Com base no relatório, o Conselho se adiantou e disse que MS e MT poderiam não seguir as orientações nas recomendações técnicas sobre o assunto. Assim, a outra alternativa trata sobre a revisão da legislação dos estados.
Esta opção foi escolhida pelo Conama, que destacou que necessitará de “uma ampla articulação com essas unidades da federação para sensibilizá-las e convencê-las sobre a necessidade de alteração de seus marcos normativos”.
Previsto para discussão nesta quarta-feira (2), o processo dos critérios técnicos para exploração dos recursos naturais do Pantanal foi retirado de pauta. Assim, os conselheiros poderão analisar o Impacto Regulatório, para nova reunião do Cipam (Comitê de Integração de Políticas Ambientais) em 14 de agosto.
Vale lembrar que em 21 de julho o Ministério já havia emitido alerta para Mato Grosso do Sul sobre as regulamentações sobre a preservação do bioma pantaneiro.
Pico do desmatamento
No decorrer do estudo, o Ministério destaca duas medidas assinadas pelo titular da pasta, Jaime Verruck: Decreto Estadual nº 14.273/2015, que também foi assinado pelo então governador Reinaldo Azambuja (PSDB) e Resolução SEMADESC nº 015 do Mato Grosso do Sul, de 08 de março de 2023.
A primeira é uma espécie de regulação estadual para uma lei federal que trata da exploração ecologicamente sustentável das áreas de uso restrito nos pantanais e planícies pantaneiras. Segundo o Conama, a publicação foi assinada “não prevendo regras para a necessária proteção dos planaltos da Bacia do Alto Paraguai”.
Então, o Ministério pontua que o reflexo das normas são dados do Ipea (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que evidenciam o crescimento do desmatamento do Pantanal em MS.
“O incremento médio do desmatamento no Pantanal sul-mato-grossense testemunhou um avanço de 37.465 hectares, entre 2009 e 2015, para 48.264 hectares entre 2016 e 2021 (alta de 28,8%), com o maior valor da série histórica sendo registrado em 2021, quando atingiu 74.765 hectares e representou 90,7% do desmatamento ocorrido no bioma”
Longo percurso
Contudo, o Conselho do Ministério afirma que a alternativa implicará “um grande decurso de tempo, com a continuidade dos impactos negativos já observados sobre o bioma, pode levar”. Logo, aponta que em caso de negativa do Estado nas mudanças da legislação, haverá ‘judicialização da questão e desgaste da relação federativa’.
Se MS acatar a alternativa proposta e reformular as legislações sobre o Pantanal, terá a proposta analisada pelo Cipam. Para garantir que a nova legislação atende aos estudos e princípios de preservação da região pantaneira, o rito de análise da proposta de MS será longo.
Em caso de aprovação, passará por apreciação pela Câmara Técnica pertinente e, por fim, enviada ao plenário do Ministério para votação. O rito começa na Secretaria-Executiva do Conama, que solicitará a manifestação dos órgãos competentes do MMA sobre a proposta de resolução.
Será incluído o parecer de consultoria jurídica, entidades vinculadas e outras instituições. Então, se a proposta abordar “normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida”, será analisada pelo Ibama.
A proposta de normativas passará por áreas do Cipam e posteriormente encaminhada para a CTBio (Câmara Técnica de Biodiversidade, Áreas Protegidas, Florestas e Educação Ambiental). Após a finalização dos trabalhos na Câmara Técnica, conselheiros do Conama terão prazo para manifestação sobre o projeto de MS.
Por fim, passará novamente pela consultoria jurídica. Finalmente, se aprovado no plenário do Ministério do Meio Ambiente, a proposta será publicada no Diário Oficial da União.
O Jornal Midiamax acionou a Semadesc, pasta em que Verruck está à frente, desde a quarta-feira (2) . No entanto, não houve resposta até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para posicionamento.
Desmatamento desordenado
Outro ponto destacado pelo documento do Conama é o desmatamento atrelado à prática de criação de gado. “A expansão desordenada das atividades agropecuárias, em especial nos planaltos da Bacia do Alto Paraguai, tem contribuído para a degradação dos ambientes pantaneiros”, afirma o Conselho.
Também pontua que a prática da agropecuária intensifica a erosão laminar, o assoreamento dos rios, a perda da fauna e da flora regionais.
Vale lembrar que o Jornal Midiamax publicou série de reportagens com denúncias de desmatamento no Pantanal, causado em áreas privadas.
Desmatamento em fazenda de ‘Patrola’ e obras sem licenças ambientais
Após ser contratado para executar a obra da rodovia MS-228, no Pantanal, o empreiteiro André Luiz dos Santos, o Patrola, ainda desmatou 1,3 mil hectares de fazenda na Nhecolândia, uma das regiões mais preservadas do bioma.
Reportagem do Jornal Midiamax mostrou que o empreiteiro dono de contratos milionários com o governo de MS conseguiu a licença para desmatar. Porém, o Imasul, órgão responsável pelas autorizações, afirma que seria para ‘só para 998 hectares’.
Vizinhos relataram à reportagem a rapidez com que a permissão para devastar área equivalente a 1.300 campos de futebol foi concedida. Após a constatação de destruição de 40% além do permitido, órgãos passaram a investigar o caso.
O superintendente do Imasul, André Borges Barros de Araújo, ressaltou que foi lavrado o auto de infração no valor de R$ 1,3 milhão e que a empresa do dono da fazenda está com a área embargada.
Também, a 2ª Promotoria de Justiça de Corumbá registrou notícia de fato para apurar o desmatamento desenfreado na fazenda Chatelodo, do empreiteiro.
A situação fica ainda pior, pois, mesmo com a licença em mãos, Patrola teria desmatado 73,98 hectares de área de preservação permanente, 25,31 de área de reserva legal e 36,78 de área declarada como remanescente de vegetação nativa.
A defesa do empreiteiro alegou que a documentação e laudo técnico indicariam que a constatação do Imasul se deu de forma equivocada, já que não foi feita de forma presencial, mas baseada em imagens de satélite.
Diante dos escândalos apontados em série de reportagens do Jornal Midiamax, o TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) mandou parar todas as obras em execução no Pantanal. Atualmente, 9 obras de rodovias estão paradas, pois estavam sendo executadas sem a licença ambiental.
Valas e ‘erro’ de Verruck
O titular da Semadesc, Jaime Verruck, também é o responsável por assinar a resolução o nº 15/2023, que libera abertura de valas de drenagem no Pantanal de MS.
O texto liberava o uso de drenagens na planície para beneficiar agricultores e evitar que plantios, principalmente de soja e milho, fossem colocados em risco, em razão das chuvas que atingiam o bioma.
Porém, a medida gerou indignação em ambientalistas, pois incluía áreas protegidas. Na época, o presidente do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), o coronel reformado da PMA (Polícia Militar Ambiental), Ângelo Rabelo, avaliou que há falta de diálogo entre Estado e iniciativa privada para aliar preservação e produção.
“É um assunto que é importante construir a médio e longo prazo. Não há uma estratégia alinhada de preservação de recursos hídricos, e aí há uma ação isolada relacionada apenas ao agronegócio”, asseverou.
No dia seguinte, Verruck republicou a medida, retirando as áreas protegidas localizadas no bioma e alegou ‘erro de redação’.
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