Ex-secretário de Segurança é condenado por comprar girocópteros que nunca chegaram a MS

Franklin Masruha e mais quatro pessoas foram denunciadas por adquirir aeronaves sem licitação há duas décadas

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girocóptero
Girocóptero Magni Gyro M16, modelo semelhante ao que o Estado comprou e nunca recebeu. (Foto: Michel Haen/Wikimedia Commons)

O ex-secretário de Estado de Segurança Pública, Franklin Masruha, e mais cinco pessoas foram condenados a pagar R$ 273,2 mil a título de ressarcimento ao Estado de Mato Grosso do Sul por irregularidades em um contrato sem licitação de R$ 693,7 mil para a compra de girocópteros em 2000. 

Naquele ano, a então Secretaria de Estado de Segurança Pública adquiriu cinco girocópteros por R$ 693.750 da empresa Kelymar Sociedad Anônima, com sede no Uruguai. A dispensa de licitação teria sido autorizada por Masruha.

O caso foi investigado pelo MPMS (Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul) a partir de 2005, resultando na propositura da ação civil pública em 2007. Conforme a petição inicial, um representante da Kelymar, Mário Lúcio Costa, apresentou proposta de venda dos girocópteros, e apontou que as aeronaves não estavam disponíveis no Brasil e seriam importadas.

Por sua vez, o diretor administrativo e financeiro da secretaria, Adone Collaço Sottovia, chegou a visitar a montadora das aeronaves, na Itália, antes da compra.

O coordenador de Administração da secretaria, João Carlos Guasso, autorizou a compra em caráter emergencial sem licitação, ato que teve parecer favorável do assessor jurídico da pasta, José Maurício Gouvêa Berni.

O MPMS apontou ainda que a Kelymar teria decretado falência em 1996, quatro anos depois de ter sido contratada pelo Estado, e que uma empresa brasileira vendia modelo similar da aeronave a preço inferior da Kelymar.

Além disso, a secretaria pagou duas parcelas do contrato antes mesmo de receber as aeronaves. Foram pagos US$ 150 mil, que na cotação da época equivalia a R$ 273.202,50.

Os girocópteros – que sequer tinham autorização do então Departamento de Aviação Civil para voar no Brasil – nunca foram entregues e o Estado inseriu a empresa na dívida ativa e a cobrou na Justiça. O contrato foi desfeito em novembro de 2001.

Ex-secretário Franklin Masruha, em 2019. (Foto: Luciana Nassar, Arquivo, Alems)

O que disse a defesa dos réus

A defesa do ex-secretário sustentou que Masruha foi exonerado do cargo ainda em 2000 e a ação só chegou à Justiça em 2007, fora do prazo de cinco anos previsto na Lei de Improbidade Administrativa, e que ele não autorizou a dispensa de licitação.

Adone Collaço Sottovia faleceu antes da propositura da ação, e o espólio da viúva foi denunciado, representado pelos filhos do casal Veronika Botelho Sottovia Gomide, Carla Botelho Sottovia e Luiz Adone Botelho Sottovia.

A defesa dos três filhos de Sottovia alegou que a ação de execução fiscal do Estado, que está trancada e pede o ressarcimento do dano ao erário, não dá o direito de requerer o mesmo da família. Além disso, Adone não teria praticado qualquer ato de improbidade.

Os Sottovia chegaram a indicar como testemunha do pai a então senadora e atual deputada federal Gleisi Hoffmann (PT/PR), que não quis se manifestar na época, em 2018. Gleisi foi secretária de Estado extraordinária de Reestruturação e Ajuste de Mato Grosso do Sul entre 1999 e 2000.

Dono da Kelymar, Mário Lúcio Costa foi intimado a apresentar contestação, mas não se manifestou. A DPGE (Defensoria Pública-Geral do Estado) designou um defensor público para assisti-lo – como está previsto no Código de Processo Civil –, que apontou que o MP perdeu o prazo legal para processar o réu.

Ação mudou de Vara, quase foi anulada, mas voltou a correr

Em 2018, o juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, declinou da ação, alegando que já tinha julgado processo com o mesmo escopo, além de ter prescrito o prazo para processo, e determinou a remessa dos autos a uma das Varas da Fazenda Pública de Campo Grande.

Por sua vez, o juiz Zidiel Infantino Coutinho, da 3ª Vara da Fazenda Pública, decidiu por extinguir a ação devido à prescrição. O MPMS recorreu e a 2ª Câmara Cível do TJMS (Tribunal de Justiça) reverteu a extinção e mandou devolver o processo à 2ª Vara de Direitos Difusos.

Em junho deste ano, o juiz Alexandre Corrêa Leite se tornou o titular da Vara e assumiu a ação.

Juiz inocenta dois e condena ex-secretário e mais quatro por compra de girocópteros nunca entregues

Na decisão, Leite citou depoimento de uma testemunha, um oficial da PMMS (Polícia Militar), que disse ter recomendado ao então secretário que não autorizasse a compra das aeronaves, já que não atenderiam as necessidades da corporação. 

O magistrado concordou com a tese do MPMS de que Sottovia teria fraudado um relatório para justificar a aquisição das aeronaves. A mesma testemunha alegou que era de conhecimento dele e do diretor, que era militar da reserva da Aeronáutica, que havia uma montadora no interior de São Paulo.

“De tudo isso a única conclusão possível é que a dispensa da licitação que redundou na contratação da empresa Kelymar não se encontrava amparada em real inexigibilidade, uma vez que não só o ato não contou com adequada motivação, como havia similar nacional e não se considerou a existência de outros fornecedores estrangeiros. Assim, se presente o dano, indubitável. Isso não sustentaria a justificativa da compra sem licitação, já que essa empresa estava instalada há 27 anos em São José dos Campos (SP)”, ponderou o juiz.

Quanto ao coordenador de Administração da secretaria, João Carlos Guasso; e o assessor jurídico da pasta, José Maurício Gouvêa Berni, Leite observou que as testemunhas apontaram que os dois não tinham poder para barrar a compra, portanto não configura dolo no ato de improbidade. Assim, eles foram absolvidos.

Já em relação a Masruha e Sottovia, o magistrado entendeu que os dois ignoraram as suspeitas sobre a Kelymar e Mário Lúcio Costa, já que a empresa vendia as aeronaves sem certificação legal e sem documentação adequada para importação.

No caso da família Sottovia, o entendimento é de que a Lei de Improbidade responsabiliza o espólio e familiares por danos cometidos pelo parente falecido.

Assim, Leite extinguiu o processo sem resolução de mérito, já que o contrato foi anulado um ano depois pelo Estado. Por outro lado, confirmou a absolvição de Guasso e Berni e condenou Masruha, Costa e os Sottovia a pagar R$ 273,2 mil para ressarcir o Estado. O valor ainda deverá ser atualizado com juros e correção monetária.

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