TRF3 mantém decisão que mandou Justiça Estadual julgar filho de Reinaldo por corrupção no Detran-MS

Investigações da Operação Motor de Lama apontaram a suposta participação de Rodrigo Souza e Silva em esquema na autarquia

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar

A 5ª Turma do TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) rejeitou recurso do MPF (Ministério Público Federal) e manteve decisão que mandou a Justiça Estadual processar e julgar o suposto envolvimento do filho do governador Reinaldo Azambuja (PSDB), Rodrigo Souza e Silva, em um esquema de fraude em licitação, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo recursos do Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito). O julgamento foi realizado ontem (31).

O MPF recorria de acórdão firmado no início de abril deste ano, pela mesma 5ª Turma, que acatou habeas corpus de Rodrigo e entendeu pela incompetência da Justiça Federal em julgar o suposto envolvimento do advogado no caso – investigado pela Polícia Federal no âmbito da Operação Motor de Lama, sétima fase da Lama Asfáltica. Conforme a sentença, a representação policial não trouxe “elementos que configurem ofensa a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas”.

Em embargos declaratórios, o MPF justificou que o inquérito apura a prática de crime contra o Sistema Financeiro Nacional e aponta possibilidade de conexão interna a outros delitos da organização criminosa.

Mas o relator do feito, desembargador Paulo Fontes, afirmou em seu voto que o recurso do MPF “pretende rediscutir teses e provas”, o que não encontra respaldo no Código de Processo Civil e na jurisprudência do tribunal. A posição do relator foi acompanhada por unanimidade pelos demais integrantes do colegiado.

O acórdão publicado na noite desta segunda-feira (31) reforçou que manter o inquérito policial relativo a Rodrigo na Justiça Federal por uma suposta evasão de divisas por parte de outros investigados “seria  indevida exacerbação do mecanismo da conexão”. O trecho se refere aos indícios de que o dinheiro desviado do Detran-MS era enviado ao Paraguai por meio de uma rede de doleiros, em operações financeiras semelhantes ao método conhecido como “dólar-cabo”.

O “rebaixamento” das investigações à Justiça Estadual seguiu estendido pelo TRF3 a Antônio Ignácio de Jesus Filho, sócio da Ice Cartões Especiais Ltda e também alvo da Motor de Lama.

Justiça Federal mandou quase todo inquérito da Motor de Lama ao TJMS

No início de maio, a 3ª Vara Federal de Campo Grande resolveu mandar praticamente toda a investigação da Motor de Lama para a Justiça Estadual. Ficou mantido sob a alçada do TRF3 apenas a apuração acerca do crime de evasão de divisas, imputado aos empresários Antônio Celso Cortez, Antônio Celso Cortez Júnior e João Roberto Baird.

O trio, bem como o também empresário João Alberto Krampe Amorim dos Santos, foi alvo de pedido de prisão preventiva pelo MPF – substituída por medidas cautelares – quando da deflagração da Motor de Lama.

Além da evasão de divisas, a operação apura crimes licitatórios, corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.

O juízo da 3ª Vara Federal tomou a medida com base em habeas corpus concedidos antes, como o que beneficiou Rodrigo Souza e Silva. Na mesma sentença, a Justiça se absteve de julgar pedidos do filho do governador de Mato Grosso do Sul para restituição dos bens apreendidos e declaração da nulidade das diligências de busca e apreensão – recursos que agora cabem ao TJMS.

Investigação implica filho de Reinaldo na transição do esquema

Rodrigo Souza e Silva foi alvo de mandados de busca e apreensão cumpridos pela Polícia Federal na Motor de Lama, deflagrada em novembro de 2020. Investigações preliminares apontaram a suposta participação do advogado na transição e continuidade do esquema.

As irregularidades consistem no suposto favorecimento da Ice Cartões Especiais Ltda em licitação para emissão de CNHs (Carteiras Nacionais de Habilitação), rastreamento e monitoramento de lacres de segurança em placas veiculares. Em contrapartida, a empresa pagava propina correspondente a até 10% sobre o valor recebido pelos serviços prestados. O repasse seria feito via empresas de tecnologia e informática ligadas a Antonio Celso Cortez e João Roberto Baird.

As investigações conseguiram rastrear ao menos um beneficiário da propina – André Luiz Cance, ex-secretário-adjunto de Estado de Fazenda. Cance operava o esquema e ficava com 1% do que a Ice Cartões recebia pelo contrato.

‘Grampos’ indicam participação de Rodrigo

Rodrigo Souza e Silva foi flagrado em interceptação telefônica, em dezembro de 2014, quando falava com Cance. Àquela altura, seu pai Reinaldo se preparava para assumir o governo estadual.

O diálogo indica a marcação de um encontro com Antonio Ignacio Filho em São Paulo (SP). Rodrigo e André Cance teriam se deslocado até a capital paulista no dia seguinte à ligação, a bordo da aeronave Phenon PP-JJB, de Baird e João Alberto Krampe Amorim dos Santos, o João Amorim. O avião ficou conhecido pelo apelido de “Cheia de Charme” após ser apreendido na segunda fase da Lama Asfáltica, a Operação Fazendas de Lama.

Os investigadores acreditam que Rodrigo e Cance foram até São Paulo para tratar da manutenção e, consequentemente, da transição da negociata com a Ice Cartões no Detran-MS.

A mesma viagem teria sido aproveitada para tratar de outro esquema de pagamentos de propina, desta vez, pelo grupo JBS. O favorecido seria o próprio Reinaldo Azambuja, denunciado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Segundo o MPF (Ministério Público Federal), o tucano recebeu R$ 67,7 milhões em propina da JBS, entre 2014 e 2016, por meio de doações de campanha e emissão de notas fiscais falsas de venda de gado e carne – os “bois de papel”. Em troca, Reinaldo concedeu isenções fiscais ao grupo, que desfalcaram os cofres estaduais em R$ 209,7 milhões.

‘Polaco’ pode ser elo entre negociata no Detran-MS e ‘bois de papel’

Outro elo entre o esquema no Detran-MS e os pagamentos ilícitos da JBS ao governador de Mato Grosso do Sul é o corretor de gado José Ricardo Guitti Guimaro, o “Polaco”. Ele também teve sigilo bancário e fiscal quebrado no bojo da Motor de Lama.

As investigações revelaram transferências que somam R$ 1,930 milhão da conta de Antonio Celso Cortez para a Polaco, em 2015 e 2016. À medida que os repasses para Polaco cresceram, os pagamentos para André Cance diminuíram, o que, para os investigadores, ratifica a transição do esquema.

Polaco é apontado pelo MPF como arrecadador de propina da JBS ao governador Reinaldo Azambuja. Em algumas ocasiões, as remessas de dinheiro recolhidas eram entregues pessoalmente por Polaco a Rodrigo, conforme indicaram as investigações da Operação Vostok.

Operação Motor de Lama

A sétima fase da Operação Lama Asfáltica, batizada como “Motor de Lama”, investiu contra 15 alvos. Investigados em fases anteriores da ofensiva voltaram à mira.

A Polícia Federal, junto com agentes da Receita Federal e da CGU (Controladoria-Geral da União), cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a João Roberto Baird, João Amorim, Antônio Celso Cortez e Antonio Celso Cortez Júnior, André Cance, e Rodrigo Souza e Silva. Além deles, também foram alvos Quirino Piccoli, dono da CQP Transportes Ltda e a Transpiccoli Transporte Ltda, e Alexandre Souza Donatoni, apontado como “testa de ferro” de Baird.

Após o pagamento da propina, o esquema culminava com a evasão de divisas para o Paraguai através de operações financeiras semelhantes ao método de “dólar-cabo”. Neste sistema, os recursos são transferidos de forma eletrônica para o exterior, através de uma rede de doleiros.

As fraudes e propinas pagas a integrantes da organização criminosa levam a um prejuízo de pelo menos R$ 400 milhões, se consideradas as sete fases da operação.

Conteúdos relacionados

polícia civil pc
hangar aditivo