Realizada sob o argumento de ajudar a população carente, que teve as finanças abaladas com a pandemia do novo coronavírus, a compra de cestas básicas pelo Governo de para distribuição contou com preços de itens até 33% mais caros do que foi oferecido pela fornecedora a outro “cliente” e quase 50% acima do encontrado no varejo de .

Curiosamente, a embalagem para ensacar todos os itens foi a que apresentou maior variação: de R$ 0,10 a unidade em orçamento avulso, foi vendida por R$ 1,02 ao Governo do Estado, ou 10 vezes mais.

A aquisição suspeita de superfaturamento, que custou R$ 5,8 milhões, resultou na , deflagrada na sexta-feira (21) pelo Ministério Público tendo como alvo a Tavares e Soares (Farturão Cesta Básica), que forneceu 60 mil cestas à Sedhast (Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho) na gestão de Reinaldo Azambuja (PSDB). As apurações encontraram indícios fortes de corrupção na Assistência Social do Governo Reinaldo.

As diferenças de preço foram apontadas pelo gabinete do deputado estadual Capitão Contar (sem partido), responsável por denunciar a compra emergencial em meio à pandemia de coronavírus.

O comparativo envolveu 7 itens da , alguns deles variando em relação à marca, mas mantendo as características originais: pacote de macarrão espaguete 500 gramas (duas unidades), leite em pó integral (pacote de 400 gramas, uma unidade), arroz agulha do tipo 1 e qualidade longo fino (dois pacotes de 5 kg cada), açúcar cristal branco (um pacote de 2 kg), feijão carioquinha comum (dois pacotes de 1 kg), óleo de soja refinado (uma embalagem de 900 ml) e sardinha em conserva (uma lata de 125 gramas).

Os preços orçados junto ao Farturão (R$ 81,11) ou adquiridos em uma grande rede supermercadista de Campo Grande (R$ 80,19) foram cerca de 20% mais baratos que os pagos pelo governo na compra emergencial (R$ 101,36). Entre os itens, porém, a diferença fica ainda maior.

É o caso do pacote de açúcar cristal 2 kg. A unidade do produto da marca Sonora foi vendida pelo Farturão ao Governo de Reinaldo Azambuja por R$ 9,50, conforme nota emitida em 4 de maio.

Em orçamento com a mesma empresa, retirado no dia 29 de abril, o gabinete parlamentar obteve o custo de R$ 6,28 pelo pacote de 2 kg do produto da marca Casa Verde (33,8% mais barato). No varejista, o pacote de 2 kg de açúcar Casa Verde foi adquirido por R$ 4,79 em 1º de maio, segundo cupom apresentado pela assessoria (diferença de 49,57%).

O mesmo foi constatado em relação ao óleo de soja, com preço 18,94% mais barato no orçamento e encontrado com custo 33,6% mais baixo no varejista da Capital.

A embalagem de 900 ml da marca Concórdia foi fornecida pelo Farturão ao Governo ao custo de R$ 5,86 a unidade. No orçamento feito pela equipe de Contar, produto da mesma marca e quantidade saiu por R$ 4,75. No supermercado, a embalagem do óleo da marca Liza com 900 ml foi vendida a R$ 3,89.

O pacote de 1 kg do feijão carioquinha (classe cores e tipo 1) saiu a R$ 11,74 na compra do Governo do Estado, da marca Elite Especial, e a R$ 9,96 na cotação pela marca Bem-Te-Vi. O varejista entregou o pacote de feijão carioquinha Sakura de 1 kg por R$ 9,29. O governo poderia ter pago 26,3% mais barato se encontrasse o mesmo preço no atacado.

Orçamento de atacadista foi mais barato que a venda ao Governo Reinaldo

A diferença de preços na compra por atacado e no varejo chama a atenção porque, no primeiro, ao se adquirir produtos em grande quantidade –caso do Governo do Estado–, espera-se que se pague mais barato do que em aquisições menores. É o que qualquer consumidor pode atestar na grande maioria dos itens vendidos nos atacarejos, por exemplo.

Isso é visível no caso do caso do pacote de 400 gramas de leite em pó integral instantâneo que o Farturão repassou ao governo. O produto da marca Danky foi vendido a R$ 14,51 a unidade, mas no orçamento foi oferecido a R$ 10,52, 27,4% mais barato.

No varejista, o leite em pó Ninho de 400 gramas foi comprado a R$ 12,59, acima da cotação, mas ainda assim 13,23% abaixo do produto adquirido pelo Governo Reinaldo.

Isso também se repetiu no fornecimento de pacotes de arroz agulha longo fino do tipo 1. O pacote de 5 kg nas cestas do Governo do Estado saiu a R$ 18,16 a unidade (foram comprados 2 por cesta); mas o próprio Farturão, no orçamento, ofereceu o produto a R$ 14,38 a unidade (20% mais barato). Nos dois casos, o produto era da marca Tio Lautério.

No varejo, o pacote de arroz de 5 kg custou R$ 14,99, mas da marca Tio Urbano.

Da mesma forma, a lata de sardinha em conserva em óleo comestível, de primeira qualidade e em embalagem resistente, com 125 gramas do produto da marca Nautique, custou R$ 4,47 aos cofres de Mato Grosso do Sul, mas foi orçado a R$ 3,42 pelo Farturão na cotação feita pelo deputado (da marca Pescador). O varejista vendeu o item da marca Coqueiro a R$ 3,78.

Apenas um item saiu mais em conta na aquisição emergencial do Governo do Estado: o pacote de macarrão tipo spaghetti de primeira qualidade com 500 gramas. O item da marca Liane saiu a R$ 3,10 a unidade, ante R$ 3,68 na cotação feita pelo deputado e R$ 3,29 no varejo (este da marca Dallas).

Empresa já forneceu produtos ao Governo de Reinaldo antes de operação

A Tavares e Soares assinou em 6 de abril deste ano o contrato para fornecer as 60 mil cestas básicas ao custo de R$ 5,8 milhões (o que deveria deixar o custo das cestas a R$ 97, ainda acima do orçado ou do encontrado no varejo de Campo Grande). Em 15 de maio, aditivo permitiu a distribuição de alimentos também para idosos em regime de abrigamento.

A compra ocorreu sem licitação, o que é permitido diante do estado de emergência decorrente da pandemia de coronavírus –e que tem motivado operações Brasil afora para apurar o mau uso de dinheiro público.

O caso foi inicialmente denunciado à Polícia Federal, mas, como não havia verbas da União nas compras, acabou remetido ao MPMS. A Penúria teve 13 mandados de busca e apreensão cumpridos e 2 pessoas foram presas por porte ilegal de arma de fogo –foram liberadas após pagamento de fiança de R$ 1.045. Um terceiro foi preso, mas informações sobre sua situação estão sob sigilo.

Antes de ser visitada pelo Gecoc, a Tavares e Soares já havia outros negócios com o Governo Reinaldo. Em 2018, foi contratada por R$ 7,79 milhões para fornecer cestas básicas a populações indígenas, em parcelas mensais de R$ 649,1 mil. O contrato foi renovado até 31 de julho de 2021, elevando o valor da contratação a R$ 8,72 milhões.