Um acordo que envolve a venda de terras indígenas, pode resultar em uma indenização milionária à comunidade Ofaié-Xavante, em Brasilândia, distante 364 km de Campo Grande. O MPF (Ministério Público Federal), ajuizou uma ação civil pública contra a União e dez fazendeiros, onde solicita a anulação da compra de cinco propriedades rurais, equivalentes a 1.937 hectares, vendidas de forma irregular a comunidades indígenas.

Para o órgão, a transação ocorreu à margem da lei, o que prejudicou a comunidade, tendo em vista que a área em questão era considerada terra indígena na época do negócio. Diante disso, a ação pede que a União e os proprietários de terra sejam condenados ao pagamento de indenizações no valor total de R$ 3,2 milhões por danos morais e materiais.

Conforme a ação, o acordo foi firmado em 2002, na ocasião, os indígenas foram orientados e de fato pagaram o valor de R$ 1,6 milhão para obterem o direito à posse de terras da região, valor que foi repassado a um conjunto de dez proprietários rurais que detinham cinco fazendas inseridas na terra indígena.

Contudo, o negócio jurídico não poderia ter ocorrido, visto que a Portaria Declaratória nº 264/1992 do Ministério da Justiça, declarou a área como terra indígena.

O que levou a compra de terras?

Conforme levantamento do Ministério Público, a comunidade, estava deslocada de seu território, reservado desde 1924 por decreto do então Estado do Mato Grosso, na época, eles ocupavam terras que foram parcialmente inundadas pelas obras de construção da Usina Hidrelétrica Porto Primavera em 1994, dois anos após a portaria declaratória do Ministério da Justiça.

Para compensar os danos, a Central Elétrica do Sul e São Paulo (Cesp), responsável pela operação da usina, adquiriu uma área de 484 hectares ao lado da área declarada como terra indígena, que foi doada como reserva à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Ainda como medida compensatória, a Cesp pagou à Associação dos Índios Ofaié-Xavante o valor de R$ 1.641.500,00, para aquisição de área rural destinada à implementação de projetos agropecuários visando à subsistência e reprodução do grupo.

Em contrapartida, após o alagamento da área que ocupavam, as terras em que a comunidade indígena foi alocada não atendiam às suas necessidades e ao seu modo de vida. A área não tinha características mínimas para promover a subsistência da comunidade, entre os principais problemas estava a falta de um curso de água natural, para um grupo de tradição coletora e caçadora, que historicamente desenvolveu seu modo de vida nas margens dos rios.

Diante das adversidades, a comunidade decidiu, em posse dos valores, adquirir as terras que eram suas, na região de Brasilândia. Assim, a Associação Ofaié-Xavante foi orientada a firmar o acordo e transferiu o montante aos fazendeiros. O acordo foi assinado em março de 2002, com homologação judicial, e a posse dos imóveis, ‘adquirida’ em 28 de junho de 2002. Contudo, a associação não chegou a ter posse da terra, visto que elas já eram objeto de demarcação.

Contrato nulo

Procuradora da República, Luísa Astarita Sangoi explica que seria impossível uma área de terra considerada como de posse permanente indígena para efeito de demarcação, ser vendida aos seus próprios detentores (indígenas). Além disso, a área não chegou a ser formalmente vendida, pois no acordo consta que apenas estava sendo “cedida a posse” à comunidade.

“Trata-se de verdadeiro negócio jurídico nulo, para dizer o mínimo. Como é possível que um povo indígena compre a propriedade/posse de terra que já lhe é reconhecida como de posse permanente?”, diz a representante do MPF.

Para o MPF, a ilegalidade no contrato reside no fato dos cinco fazendeiros venderem um bem que não lhes pertencia. No momento da alienação a terra já era reconhecida, há cerca de dez anos, como de posse do povo Ofaié-Xavante.

Ainda conforme o MPF, devido a irregularidade do processo, não há, formalmente, um contrato de compra e venda, assim a comunidade indígena não possui o título da terra que ocupa. Como não possui o título da terra, apesar de utilizar as áreas de pastagem para a criação de gado, não há regularização dos animais junto à Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal do MS.

Dano moral

Em nota, o MPF enfatiza que o dano extrapatrimonial sofrido pelos Ofaié-Xavante se caracteriza pelo estado de incertezas que a comunidade têm passando até hoje, pois mesmo após mais de 30 anos da publicação da Portaria nº 264/1992, a área ainda não foi demarcada.

“Não se trata de mero dissabor, mas sim de verdadeiro estado de incerteza e medo constantes. Um povo que já foi expulso do local em que vivia inúmeras vezes, já teve que habitar terras incompatíveis com seu modo de vida. Já teve que, por necessidade, subsistir por anos em função de cestas básicas entregues pelo Poder Público do estado”, ressalta a procuradora.