A Justiça Federal do Rio Grande do Sul condenou o Inep a indenizar em R$ 10 mil um cadeirante gaúcho por fazer o Enem 2011 num local de prova com condições inadequadas de acessibilidade. O candidato Mauricio Borges Zortea, então com 28 anos, precisou ser carregado no colo numa escada para ser conduzido à sala do exame numa escola em Passo Fundo. Além disso, as cabines do banheiro eram apertadas, impossibilitando o acesso com a cadeira de rodas, o que fez com que ele se urinasse. O caso agora poderá ir ao STF (Supremo Tribunal Federal) e abrir precedentes para ações semelhantes.

Em entrevista, Maurício disse que se sentiu humilhado com o episódio, o que teria comprometido seu desempenho no exame. Ele tentou ainda usar a nota final da prova para conseguir bolsa no Prouni ou Fies, mas não conseguiu:

“É uma situação que é impossível não haver abalo psicológico e moral. Fiquei em total desvantagem em relação aos outros candidatos que não tiveram que passar pelo mesmo problema que eu passei para a realização das provas”, disse Maurício.

Segundo a decisão do juiz federal Andrei Pitten Velloso, o Inep promoveu a inscrição do autor para a realização do Enem levando em conta sua característica de portador de necessidades especiais. O magistrado argumentou que que no cartão de confirmação de inscrição há expressa referência, no campo ‘auxílio e/ou atendimento diferenciado/específico para realização do exame, de acordo com solicitação e deferimento’ à situação de ‘deficiência física com séria dificuldade de locomoção/mesa para cadeira de rodas’.

“Está claro, assim, que o Inep tomou ciência da condição especial do aluno, sem ter providenciado, porém, como lhe cabia, estrutura adequada. Além disso, são verossímeis as afirmações do autor, registradas no termo de audiência, especialmente a de sua necessidade de utilizar o banheiro a cada quatro horas (…) o autor foi vítima de uma ilicitude, constituindo o fato de ter sido impedido de usar o banheiro e passado pela humilhação de ter que continuar fazendo sua prova mesmo após urinar-se, evento extraordinário que justifica a condenação do INEP ao dano moral”, diz a sentença.

O Inep chegou a recorrer da decisão sob a alegação do INEP de que a prova é de grandes dimensões e envolve uma logística complexa no tocante à seleção e distribuição dos locais para a realização das provas. O relator do caso negou o recurso dizendo que é fato notório que a prova não foi realizada apenas em um único local específico. “As alegações do Inep, por outro lado, carecem de qualquer razoabilidade”, diz outro trecho.

O candidato Mauricio Zortea também recorreu da indenização inicial, fixada em R$ 6.780, e a 5ª Turma Recursal ampliou a quantia para R$ 10 mil. Atualmente, Maurício tem 31 anos, cursa o 8º período de Direito na Universidade de Passo Fundo e é sócio em uma produtora de música. Ele perdeu os movimentos das pernas em um acidente de trânsito há 14 anos.

Apesar da ampliação da indenização após decisão da 5ª Turma Recursal, Maurício disse que o novo valor ainda seria insuficiente para conscientizar o Inep de expandir a acessibilidade do Enem.

“Esse tipo de decisão só tem real validade, se cumprir com a função pedagógica da não reincidência do fato danoso. Os valores da indenização, tanto em 1º grau como no recurso são insignificantes e servem como incentivo ao não cumprimento, visto que, o custo da montagem da logística para o adequado atendimento a todos os portadores de algum tipo de deficiência é muito maior que o valor alcançado na ação judicial.”

O Inep informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que foi notificado no início desta semana e irá recorrer da decisão “com informações do consórcio aplicador de que todas as assistências foram prestadas”. Por ser um recurso proveniente de uma turma recursal, o caso poderá ir direto ao STF.

Bruno Zortea, advogado e irmão de Maurício, afirmou que não pretende mais recorrer, apesar de o valor da indenização não ser ainda o ideal:

“Decidi não recorrer. A intenção não era o valor da indenização, o importante foi o fato de o Judiciário reconhecer a responsabilidade do ente público pela omissão na garantia dos direitos dos portadores de necessidade”, explicou.

De acordo com Maurício, a falta de acessibilidade faz parte de seu cotidiano e não se restringe à prova do Enem. Em sua cidade, por exemplo, o cadeirante já procurou o Ministério Público e até vereador para chamar atenção para o problema, mas até o momento nada teria saído do papel. Ainda está sem desfecho também uma ação movida por Maurício há cerca de três anos contra a própria universidade para que ela adeque o prédio e a biblioteca às necessidades de deficientes:

“Poucos são os prédios que seguem as normas de acessibilidade aqui. Já protocolei denúncia no Ministério Público em 2011, e até hoje, sequer fui chamado para prestar maiores esclarecimentos. Além disso, fiz uma reclamação a um dos vereadores e denunciei que a Prefeitura estava expedindo, irregularmente, licenças para novas construções que não cumprem o que a legislação determina, mas mesmo assim, nada mudou”, lamenta.

76 mil requisitaram atendimento especial em 2014

Cerca de 2% dos mais de 8,7 milhões de pessoas que farão o Enem de 2014 terão atendimento especializado, de acordo com o último balanço divulgado pelo MEC (Ministério da Educação). Dos mais de 169 mil candidatos, 76.676 requisitaram atendimento especial, e outros 92.972, atendimento específico.

O atendimento especializado é oferecido aos participantes com baixa visão, cegueira, deficiência física, deficiência auditiva, surdez, deficiência intelectual, surdo-cegueira, dislexia, déficit de atenção, autismo, discalculia (dificuldade ao calcular) ou outra condição especial. No momento da inscrição, eles pediram esse tipo de atendimento. Contarão, portanto, entre outros recursos, com sala de mais fácil acesso (para 15.115 participantes), prova superampliada (6.768) e auxílio para transcrição (6.328).