Desde que teve sua prisão preventiva decretada, em maio de 2008, o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá já teve 13 habeas corpus negados pela Justiça. Acusados pelo assassinato da menina Isabella Nardoni —filha de Alexandre e enteada de Anna Carolina—, os dois aguardam presos há quase dois anos o julgamento que acontece nessa segunda-feira e definirá se eles são culpados ou inocentes pelo crime.

A argumentação da defesa de que ambos eram réus primários, não possuíam histórico de violência e nem tentaram atrapalhar as investigações não convenceu o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e nem mesmo o STF (Supremo Tribunal Federal). Além do pedido de liberdade, o casal também não conseguiu o adiamento do júri popular e a anulação do processo por terem alterado a cena do crime.

Os três tribunais mantiveram a decisão do juiz Maurício Fossen, da 2ª Vara do Júri do Fórum de Santana, que aceitou a denúncia do Ministério Público e usou como um dos argumentos para determinar a prisão “a necessidade de preservação do prestígio da Justiça e o clamor público” que envolveu o caso. Ao manter a decisão de Fossen, o TJ-SP foi mais longe ao afirmar que “a Justiça Penal não pode ficar indiferente na prestação que lhe cobra o reclamo de toda uma Nação”.

Previsto pelo CPP (Código de Processo Penal), o uso da garantia da ordem pública para justificar prisões cautelares é polêmico e costuma dividir opiniões no meio jurídico, especialmente em casos de grande repercussão, como o do casal Nardoni.

“Essa prisão preventiva visou muito mais aplacar o clamor público que se ergueu diante dos fatos do que atender à real necessidade de proteção à ordem pública”, diz o criminalista Alberto Zacharias Toron. Para ele, não há justificativa para que o casal esteja preso até agora.

“Por que eles não poderiam ficar em liberdade aguardando o julgamento?”, questiona Toron. “Eles não atrapalharam as investigações, não amedrontaram nenhuma testemunha, permaneceram o tempo inteiro na residência deles ou na dos pais”. Segundo o advogado, que atuou como assistente de acusação em outro caso rumoroso, o julgamento de Suzanne Von Richthofen, o fato de o casal ser julgado preso favorece muito a acusação.

Para a advogada Flávia Rahal, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), o apelo à tese da preservação do prestígio da Justiça se tornou um chavão. “A Justiça não existe para dar satisfação pública. Ela existe para julgar de forma imparcial”, ressalta. “A ordem pública tem sido utilizada de forma equivocada para se decretar prisões preventivas e para que elas sejam mantidas”.

Legitimação

Apesar de concordar que a repercussão do caso ajudou a manter o casal preso, o procurador da República Vladmir Aras, observa que o clamor popular, por si só, não justifica a prisão preventiva, mas a legitima quando estão presentes outros elementos, como a gravidade do crime e indícios claros de autoria. “Nesse caso [o julgamento dos Nardoni] me parece que o juiz aplicou bem esses princípios ao decretar a prisão”, afirma.

Aras argumenta que a Justiça deve ter cautela ao soltar suspeitos de crimes violentos que causaram grande comoção popular. “Nós não podemos esquecer que esse tipo de crime bárbaro e a aparente tolerância da Justiça criminal passam um sinal muito negativo para a coletividade”. “É como se disséssemos: Nessa sociedade, por mais grave que seja o crime que se cometa, ainda que haja uma prova cabal, o acusado deve permanecer em liberdade”, afirma.

O procurador, que também é professor de direito penal, cita como exemplo o caso do jornalista Antonio Pimenta Neves, réu confesso da morte da ex-namorada, que mesmo após ser condenado a 18 anos de prisão continua em liberdade. “Qual a mensagem que se passa para os homens que pensam em matar suas ex-mulheres ou namoradas, ou cometer algum tipo de violência doméstica? De que vale a pena correr o risco”, pondera. “Não é apenas a figura do juiz que fica desacreditada, é o sistema como um todo”.

Tendência

Para o promotor André Estefam, a manutenção da prisão do casal Nardoni é exceção a uma tendência que vem se estabelecendo no Judiciário: a restrição do uso da garantia da ordem pública para justificar prisões cautelares. “A interpretação que tem sido dada a esse princípio, sobretudo no Supremo Tribunal Federal, é cada vez mais restrita, no sentido de diminuir ao máximo os casos em que se reconhece o risco de violação da ordem pública”, pontua.

O promotor defende que a Justiça só deve atender ao clamor público em casos excepcionais e afirma que a manutenção da prisão de Alexandre Nardoni e Anna Jatobá pelo STJ e pelo STF demonstra que a decisão da Justiça de São Paulo foi acertada. “Se a decisão foi mantida posteriormente é porque existiram elementos nesse caso específico que justificavam a prisão cautelar”.