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Política

Papy defende Consórcio Guaicurus enquanto Câmara tem laudo que flagrou 20 ‘crimes’ no contrato

Documento fundamenta uma ação civil pública que pede meio bilhão de reais ao Consórcio Guaicurus por descumprimento de contrato
Thalya Godoy, Evelin Cáceres - Publicado em
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Papy (PSDB) | (Nathalia Alcântara, Midiamax)

Enquanto repete velho jogo de cena pela abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre os abusos do Consórcio Guaicurus, a Câmara Municipal de Campo Grande mantém escondido na gaveta um laudo completo sobre os problemas no contrato do transporte coletivo de Campo Grande.

Desde 2020, os vereadores campo-grandenses têm à disposição um laudo técnico pericial que lista mais de 20 irregularidades. Além disso, quem bancou os R$ 100 mil pagos pelo estudo que resultou no documento foi a própria Câmara Municipal.

Mesmo assim, a atual legislatura, que assumiu no começo do ano, repete a ladainha comum aos vereadores desde 2012, quando, nos últimos dias do mandato que se encerrava naquele ano, o Consórcio ganhou uma licitação para assumir o bilionário transporte coletivo.

Por último, o novo presidente da casa, vereador Papy (PSDB), além de travar qualquer ação contra o reajuste aprovado pelos vereadores da última legislatura, chegou a defender em entrevista ao Jornal Midiamax que a Prefeitura dê ainda mais dinheiro para os empresários.

A postura extremamente ‘conciliadora’ faz parte da história recente da Câmara quando o assunto é o contrato do Consórcio Guaicurus. Oficialmente, a Casa de Leis já tem, desde fevereiro de 2022, uma Comissão Permanente de Mobilidade Urbana.

A comissão foi criada justamente como ‘alternativa’ à instauração de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar as empresas de ônibus. Só nos últimos 10 anos, outros sete pedidos de investigação foram enterrados pelos vereadores eleitos pelos campo-grandenses.

De lá para cá o serviço só piorou, espantando os passageiros com ônibus sucateados, e linhas cada vez mais demoradas e escassas. Órgão que deveria fiscalizar o serviço, a Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos) acabou envolvida em suspeitas de inércia, acobertamento e favorecimento.

Assim, o clima de ‘blindagem’ nos órgãos reguladores e na Câmara Municipal sempre protege os interesses dos empresários e mantém os termos do contrato de concessão pública.

Agereg e Vereadores parados: caminho livre para ganhar no ‘tapetão’

A omissão de quem deveria investigar o cumprimento do contrato e cobrar melhorias no serviço prestado à população campo-grandense abre caminho para os empresários repetirem tática que tem funcionado: correm para a Justiça e conseguem, com ordens judiciais, agir como querem.

Foi assim que, recentemente, saiu do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) mais uma sentença favorável aos empresários. Dessa vez, a Decisão da 4ª Câmara Cível confirmou a anulação de 269 multas da prefeitura de Campo Grande contra o Consórcio Guaicurus.

O relator, desembargador Sideni Soncini Pimentel, votou a favor do Consórcio. O então presidente da 4ª Câmara Cível, desembargador Alexandre Aguiar Bastos e a desembargadora Elisabeth Baisch acompanharam o voto.

Dos três, Sideni Pimentel e Alexandre Bastos estão atualmente afastados, implicados em investigações do STJ contra suposto esquema de venda de sentenças no TJMS.

As multas ‘derrubadas’ só haviam chegado a ser cobradas após reportagens do Midiamax expondo como a Agereg passou anos ‘engavetando’ e cancelando as infrações sem cobrar.

A maioria foi aplicada por irregularidades como descumprimento na tabela de horários dos ônibus. O problema é considerado corriqueiro pelos passageiros, que apontam veículos sucateados e vencidos ou reduções nas ‘tabelas’, com menos ônibus nas ruas, como mais graves.

Até multas de trânsito cometidas pelos motoristas do Consórcio eram ‘seguradas’ quando chegavam na Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito).

Conforme denúncia feita pelo Jornal Midiamax e confirmada por funcionários do Consórcio e servidores das próprias agências municipais, os donos das empresas de ônibus chegaram a acumular, em 2019, mais de 3 mil multas de trânsito ‘enroladas’ que nunca haviam sido cobradas.

Após as reportagens, o MPMS entrou no caso e o promotor Humberto Lapa Ferri, da 31ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, após confirmar a ilegalidade, optou por fazer uma recomendação para Agereg e Agetran pararem de fazer corpo mole e para a Prefeitura colocar o Consórcio na dívida ativa, como faz com qualquer outro contribuinte.

Entre os pontos listados estavam ônibus vencidos em circulação, problemas na prestação de contas sobre publicidades busindoor e diversos outros problemas que penitenciam diariamente a população de Campo Grande, que é obrigada a usar o serviço caro e sucateado.

Mesmo assim, até hoje, nenhuma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) foi instaurada na Casa.

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‘Falta de requisitos’ para enterrar CPI e 20 crimes documentados

Apesar do documento ter quase 400 páginas, a Câmara sequer conseguiu, em 2019, ter assinaturas suficientes para abrir uma CPI. Posteriormente, qualquer tentativa de instauração de Comissão tinha como resposta a alegação de ‘falta de requisitos’, fator que, de acordo com o apurado pelo Jornal Midiamax, é a fórmula ideal para se enterrar uma CPI.

“Essa é uma desculpa usada pelos legisladores quando eles têm medo, quando têm parcerias com as empresas e quando simplesmente não querem tocar pra frente algum assunto cabeludo”, comentou um assessor parlamentar ouvido pela reportagem.

De acordo com pareceres da procuradoria da Casa, um outro pedido, de 2020, “não preencheu os requisitos formais e legais para a abertura da CPI”, como “fato certo e determinado” e “prazo determinado”.

No entanto, o documento fundamentou uma ação civil pública ajuizada em 2020 pela Associação Pátria Brasil, fundada pelo ex-vereador de Campo Grande, Vinicius Siqueira (MDB).

O Consórcio Guaicurus briga na Justiça para anular a ação alegando ilegitimidade da associação e, consequentemente, do processo. Por um tempo, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) chegou a ficar responsável pela autoria, mas o STJ (Superior Tribunal de Justiça) reconheceu a legitimidade da associação, que voltou a ser a autora em 2024. 

Siqueira foi o responsável por contratar o pHD em engenharia do transporte formado na USP (Universidade de São Paulo) que elaborou o laudo, em 2020, atestando que o Consórcio Guaicurus descumpre o contrato com lucros milionários. 

O ex-vereador explica que, na época, pagou a construção do relatório parcelada com a verba indenizatória de gabinete, ou seja, o valor foi pago pela Câmara de Vereadores de Campo Grande.

“São 20 crimes que o Consórcio [Guaicurus] cometeu, 20 irregularidades entre frota vencida, fraude em valor de diesel, tem um negócio de quilometragem morta, fraude na publicidade da traseira dos ônibus”, lista Vinicius Siqueira.

Na época, o então vereador tentou emplacar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Casa de Leis, mas não obteve apoio da maioria e o requerimento foi enterrado como diversos outros ao longo dos últimos anos. 

“A ação já está lá, tem uma indenização monstra, quebra de contrato. A Câmara precisa pressionar o judiciário para julgar a ação”, opina o ex-vereador. 

CPIs enterradas

Ônibus quebrado no meio do trajeto atrasou rotina de passageiros. (Foto: Reprodução/Fala Povo)

Levantamento do Midiamax mostrou que o Consórcio Guaicurus ‘escapou’ de sete CPIs na Câmara de Campo Grande ao longo dos últimos dez anos. Série de pedidos de investigação das empresas fracassou no Legislativo da Capital. 

Com 29 vereadores, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) precisa de 10 apoiadores para instauração da investigação na Casa de Leis de Campo Grande. Em algumas proposições, o número mínimo foi superado. No entanto, o resultado foi o mesmo: ‘engavetamento’.

A desculpa para não investigar, em alguns dos casos, foi que o objeto da CPI, ou seja, o que seria investigado, era genérico. Até uma Comissão Permanente de Mobilidade Urbana foi criada em fevereiro de 2022, mas mesmo assim a investigação nunca saiu do papel. 

Neste início de 2025, a Câmara se movimenta para que um oitavo requerimento seja apresentado na semana que vem, quando retornam os trabalhos no legislativo municipal, após aumento da passagem e protestos de insatisfação dos passageiros.  

Diferente de anos anteriores, a esperança da população, que diariamente sofre com o serviço de péssima qualidade, é que o trabalho “não termine em pizza” como em outros anos.

Segundo a vereadora Luiza Ribeiro (PT), o Consórcio Guaicurus lucra enquanto presta um serviço péssimo. “Cresce o subsídio, cresce a isenção tributária e cresce o valor da tarifa pelo reajustamento. Do ponto de vista de preço, temos o equilíbrio. Mas o que é que está faltando para esse serviço ser efetivo na prática”, aponta.

A veterana na Casa de Leis reconhece que há dificuldade para instaurar CPIs. Conforme a vereadora, a falta de clareza gera dificuldade na instauração da investigação. “Nessa questão do transporte coletivo urbano aqui de Campo Grande, a gente tem muita dificuldade de instaurar uma comissão aqui pelas razões já vistas dos anos anteriores”, pontuou.

Ação civil pública

A ação civil pública ajuizada pede uma indenização de meio bilhão de reais pelo péssimo serviço prestado à população de Campo Grande. 

No processo, a entidade também questiona o fato de, além de ser uma concessionária com contrato de R$ 3,4 bilhões, o Consórcio Guaicurus ainda fatura com publicidade nos ônibus.

Recentemente, o Jornal Midiamax revelou que somente este tipo de receita soma cerca de R$ 324 mil em um ano.

Outro ponto questionado na ação é sobre a inconsistência no cálculo de formação das tarifas, apontando suposto enriquecimento ilícito do Consórcio Guaicurus.

Para isso, a associação anexou laudo técnico mostrando que detalhes omissos nas planilhas apresentadas pelo Consórcio superfaturam a tarifa, deixando-a em valor acima do que realmente deveria ser.

A frota composta por ônibus velhos também é apontada na ação como má prestação de serviço, já que, conforme noticiado até mesmo pelo Jornal Midiamax, o Consórcio Guaicurus descumpre contrato de concessão ao manter veículos com idade acima da estipulada.

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