Após denúncias de que o gabinete do ministro Alexandre de Moraes no STF (Supremo Tribunal Federal) tivesse utilizado uma estrutura do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para produzir relatórios contra pelo menos 20 Bolsonaristas, o ministro afirmou que “não há nada a esconder”, e que as investigações correm pela Polícia Federal. As declarações foram feitas durante coletiva na tarde desta quarta-feira (15).

“Talvez se tivesse uma consulta ao gabinete, teria ficado claro, nenhuma das matérias me preocupa, ou preocupa meu gabinete na lisura dos procedimentos, todos os procedimentos foram realizados com base em investigações já existentes. Esses inquéritos das Fake News e Milícias Digitais apuram diversas condutas, como da PF e Procuradoria Geral da República. Várias vezes surgia que aqueles investigados estavam reiterando as condutas ilícitas realizadas nas redes sociais”, explicou.

Moraes disse, ainda, que as afirmações não passam de conteúdos para descredibilizar a corte, já que há a necessidade de preservação do conteúdo para que não fossem apagados, já que depois não poderiam ser recuperados.

Segundo ele, o que ocorreu foi um procedimento que segue o rito investigativo. “Esses procedimentos poderiam se dar de duas formas: por uma requisição da minha parte que a Polícia Federal realizasse, poderia ser ao TSE para que ele fornecesse os relatórios como muito bem sinalizados, que eram informações públicas. O caminho mais eficiente naquele momento era o TSE, uma vez que a PF lamentavelmente pouco colaborava com as investigações, retirando o apoio do delegado na época”, enfatizou Moraes.

“E seria esquizofrênico eu me auto-oficiar. Hoje eu oficiaria a ministra Carmem porque a presidência é dela. E eu, como presidente, determinava que a assessoria realizasse os relatórios, eles ficavam no arquivo do TSE, eram enviados ao Supremo e eram enviados e protocolados à investigação, dado à Procuradoria Superior Eleitoral da República e dado às continuidades das investigações”, justificou.

O ministro reiterou, ainda, que quando se constatava materialidade da permanência da atividade ilícita nos documentos, eles eram compartilhados do TSE com o Supremo. “Todos eles diziam sobre gabinete de ódio e fraude nas urnas, chamamento sobre o que ocorreu em 12 de dezembro, a glorificação a tentativa de bomba às vésperas do natal, à posse do presidente e novos fatos foram sendo agregados e isso resultou na tentativa de golpe de 1 de janeiro”, detalhou, justificando a troca de informações.

Moraes pediu relatórios

Nesta terça-feira, 13, a Folha revelou que a equipe de Moraes pediu constantemente a um setor responsável pela investigação de desinformações do TSE a produção de relatórios para embasar relatórios contra bolsonaristas que estão sendo investigados no inquérito das fake news e no das milícias digitais. Há um fluxo fora do rito, com a Corte Eleitoral sendo utilizada para nutrir o STF.

O jornal diz ter obtido o material com fontes que tiveram acesso a um aparelho telefônico que contém as mensagens. São mais de seis gigabytes de mensagens via WhatsApp trocados por funcionários do gabinete de Alexandre de Moraes entre agosto de 2022 e maio de 2023.

Moraes pediu documentos probatórios sobre bolsonaristas que postaram ataques ao sistema eletrônico de votação, aos ministros do STF e que incitaram os membros das forças armadas que incitaram militares contra o resultado das eleições de 2022.

Em áudios trocados por Airton Vieira e Eduardo Tagliaferro revelados pela Folha, o juiz instrutor destaca que é preciso que o pedido de produção do relatório tenha como origem o TSE e não o STF, mesmo com os pedidos de Moraes via WhatsApp.

Em um documento, Tagliaferro envia um relatório sobre um grupo chamado “Brasil Conservador” com o timbre do STF. Em dois áudios, Airton pede a mudança da autoria para o nome do TSE.

“Atualmente, o ministro passa por uma fase difícil, qualquer detalhe, qualquer peninha pode virar amanhã ou depois mais um objeto de dor de cabeça para ele. (…) Para todos os fins, fica de ordem dele, do Dr. Marco (Antônio Martins Vargas, juiz auxiliar de Moraes no TSE), que ele manda enviar pra gente e aí, tudo bem. Ninguém vai poder questionar nada, etcetera, falar de onde surgiu isso, caiu do céu, a pedido de quem, etcetera”, afirma Airton.

Em outro áudio, Airton diz a Tagliaferro que pensou em colocar o nome dele na autoria do relatório. Porém, ele disse que desistiu da ideia porque ficaria “estranho”.

“Em um primeiro momento pensei em colocar o meu nome, de ordem do juiz Airton Vieira, etc e etc. Mas, pensando melhor, fica estranho. Porque eu não tenho como mandar para você, que é lotado no TSE, um ofício ou pedir alguma coisa e você me atender sem mais nem menos”, afirma o juiz no áudio revelado pela Folha.

O juiz auxiliar cita que o rito correto, que não foi seguido pelo gabinete de Moraes, seria solicitar relatórios e monitoramentos para o setor de Tagliaferro. Vieira diz ainda que “ficaria chato” se descobrissem a forma em que eles estavam atuando para embasar investigações contra bolsonaristas.

“Embora saibamos que entre nós as coisas são muito mais fáceis justamente porque temos um mínimo múltiplo comum na pessoa do ministro, mas eu não tenho como, formalmente… Se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim”, diz o juiz instrutor.

Segundo a Folha, em todos às vezes em que Vieira pediu a elaboração de relatórios por parte de Tagliaferro, o perito seguiu as ordens do juiz instrutor e encaminhou os documentos com o timbre do TSE, como se tivessem sido produzidos a pedido do juiz auxiliar Marco Antônio Vargas.

Em outra conversa, Airton cita cobrança de Moraes por relatório contra bolsonaristas

Em uma das conversas reveladas, Airton Vieira envia “um pedido de Moraes para fazer relatórios a partir de publicações das redes” para o perito Eduardo Tagliaferro, que comandava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED).

As redes sociais em questão eram a do blogueiro Paulo Figueiredo Filho e o comentarista político Rodrigo Constantino. Os dois são conhecidos por apoiarem o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Na troca de mensagens, Tagliaferro envia para Vieira uma primeira versão de relatório. O juiz instrutor responde o perito com outras publicações e explica que o pedido de incrementação partiu do próprio ministro do STF.

“Quem mandou isso aí, exatamente agora, foi o ministro e mandou dizendo: ‘vocês querem que eu faça o laudo?’ Ele tá assim, ele cismou com isso aí. Como ele está esses dias sem sessão, ele está com tempo para ficar procurando”, afirma Vieira em um áudio.

Um servidor do TSE respondeu Vieira declarando que o conteúdo do primeiro relatório já era suficiente, mas que as alterações solicitadas por Moraes seriam feitas.

“Concordo com você, Eduardo. Se for ficar procurando (publicações), vai encontrar, evidente. Mas como você disse, o que já tem é suficiente. Mas não adianta, ele (Alexandre de Moraes) cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”, diz a mensagem revelada pelo jornal.

O jornal diz que o relatório da AEED originou duas decisões de Moraes contra Figueiredo Filho e Rodrigo Constantino. O magistrado ordenou a quebra de sigilo bancário, bloqueio de redes sociais, intimações para depoimento na Polícia Federal (PF) e o bloqueio das redes sociais.

Leia a nota do gabinete de Moraes na íntegra

O gabinete do ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das investigações do Inquérito (INQ) 4781 (Fake News) e do INQ 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições. Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais.

Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República. Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República.