Acidente de trânsito se transformou em briga. Luta corporal, desacato, voz de prisão e até ameaça do uso de arma de fogo para conter os moradores ele enfrentou.

Era apenas mais um chamado de acidente de trânsito, comum para os bombeiros que atendem centenas de vítimas todos os dias. Mas, além de salvar os feridos, o sargento jamais imaginava conter uma multidão que, ensandecida, quis linchar o condutor de um veículo Corolla na noite de quarta-feira (1), bairro Buriti, em Campo Grande.

Até luta corporal, desacato, voz de prisão e a ameaça do uso de arma de fogo para conter os moradores ele enfrentou. Segundo testemunhas, por volta das 21h, o condutor do Corolla, V. dos S.S., seguia pela avenida Antônio Bandeiras e o motociclista A.F. da S., 20 anos, estava na rua Camélia, com a esposa na garupa. O primeiro, em alta velocidade, não teria respeitado o sinal de Pare no cruzamento e aí ocorreu a colisão.

O Corpo de Bombeiros foi acionado. Eles constataram que o piloto da moto estava com hemorragia externa na região do abdômen e uma perfuração no pulmão, em estado mais grave. A esposa também foi colocada na UR (Unidade de Resgate) e levada para a Santa Casa. Já o condutor do Corolla saiu ileso do acidente.

Como muitas pessoas se aglomeraram ao redor e ainda revoltados com a infração do condutor do carro, de acordo com o sargento, a guarnição dividiu as tarefas. Quatro cuidavam das duas vítimas, enquanto um organizava o trânsito e o sexto ficou com a tarefa de conter a multidão, até a chegada da PM (Polícia Militar).

“A família do motociclista morava nas imediações e muitos foram ao local. Mãe, primos e amigos começaram a ficar bastante alterados e a informação de testemunhas é que inclusive algumas pessoas estavam alcoolizadas. A revolta maior acredito que seja por conta do condutor ter cruzado uma placa de Pare e, no calor da ocorrência, muitos quiseram agredir o motorista”, afirma ao Midiamax o sargento de 35 anos.

Este motorista estava em pé, entre o seu veículo e a UR. Foi neste momento que teve início uma gritaria, já que o condutor saiu andando e, quando o bombeiro avistou, ele estava chegando à esquina. “Ele tentou fugir e as pessoas falavam pega, pega. Corri em sua direção, principalmente quando um homem estava grudado no pescoço dele, além de outros com pedaços de pau na mão e teve início uma briga”, relembra o sargento.

Surpreso com o que um acidente de trânsito se tornara, o bombeiro diz que pensou em utilizar a arma, com um tiro para o alto na intenção de dispersar a multidão. “Mas infelizmente o que tive de fazer é ficar de frente para o motorista e informar um dos agressores para não encostar, ou ele receberia um tiro. Aos poucos, ainda enfrentando os mais corajosos, fui descendo a rua até colocar o condutor em seu carro. Dei a ordem para ele não descer de lá em momento algum”, conta o sargento.

Já dentro do veículo, o trabalho foi outro: dispersar os vândalos que queriam quebrar o carro. E o alívio veio com a chegada dos policiais táticos e a Ciptran (Companhia Independente de Policiamento de Trânsito). “Há tempos não vivia nada como aquilo. O carro teve de ser retirado do local sob escolta e, acredito que se a guarnição não estivesse lá, o condutor já estaria morto”, ressalta o sargento.

Nas casas próximas ao local do acidente, onde a reportagem esteve o assunto é o mesmo. O condutor que se salvou graças ao ‘herói bombeiro’. “As pessoas estão elogiando muito o trabalho dele, que protegeu o local do acidente e as vítimas até a chegada da PM, no meio do clima tenso. Depois de tudo, concluímos mesmo é a necessidade de um semáforo neste cruzamento”, diz o borracheiro Leopolido Almada, 58 anos, que há 30 mora na região.

Já o bombeiro ainda parece estar com os ânimos aflorados, ao relembrar a história, incomum nos seus 16 anos de profissão. E como grande parte deles, que anonimamente salvam vidas todos os dias, ele prefere não se identificar.