Policial recebia propina para fornecer dados sigilosos a grupo que usava viaturas para transportar cocaína
Policial checava o nome do líder da organização no sistema de ocorrências para averiguar a existência de investigações em andamento
Lívia Bezerra, Thatiana Melo –
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Policial civil, de 27 anos, investigado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) na segunda fase da Operação Snow recebia propina para fornecer dados sigilosos ao grupo criminoso que usava viaturas para transportar cocaína.
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A deflagração da segunda fase da operação aconteceu no último dia 15 deste mês em Campo Grande, Dourados, Ponta Porã e Piratininga, no estado de São Paulo. E nessa quarta-feira (22), o Jornal Midiamax teve acesso à denúncia do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), por meio do Gaeco.
Foram 19 investigados denunciados, apontados como especialistas no tráfico de drogas. Isso porque a organização contava com uma extensa rede logística de transporte com base na Capital sul-mato-grossense e escoava a droga de Ponta Porã para outros estados do Brasil, especialmente São Paulo.
Foi apontado pelo MPMS, por meio do Gaeco, que um dos advogados da organização criminosa estaria se valendo de policiais para ter acesso ao sistema de ocorrências. O sistema é de uso restrito e, por isso, o advogado conseguia dados sigilosos em prol da organização criminosa, através do policial.
Durante a análise no aparelho celular de Joesley, foram encontradas capturas de telas de consultas feitas no Sigo (Sistema Integrado de Gestão Operacional), plataforma de uso restrito, onde se concentram dados de ocorrências, registros criminais, entre outras informações sigilosas.
Uma das capturas de tela mostra que foi checado o nome de Joesley no sistema, mas que não foi encontrado nenhum mandado. Na imagem, diz: “mandado de prisão não tem, ‘tá’ tranquilo”.
Assim, durante as investigações, o Gaeco analisou a auditoria do sistema para saber quem teria feito a checagem em nome de Joesley. Logo, foi observado que o único servidor que checou o nome do líder da organização foi o policial alvo da operação. O intuito era monitorar a existência de investigações em andamento para que Joesley pudesse ficar tranquilo.
Apesar do advogado ter apagado as mensagens, o repositório de imagens do aparelho celular de Joesley revelou a checagem. Em seguida, Joesley responde ao advogado: “alívio” e o profissional informa: “vou apagar blz”.
“O Escrivão de Polícia Judiciária fez uso de sua credencial, com login e senha exclusivos, para municiar a organização criminosa com dados sensíveis e sigilosos”, diz trecho da denúncia.
Porém, a denúncia diz que o envolvimento do policial com organizações criminosas não é um fato isolado. “Em março de 2024, foi alvo da Operação Juramento Quebrado, deflagrada pela DHPP (Delegacia Especializada de Homicídios e de Proteção à Pessoa), por estar vinculado a grupo de extermínio que atuava no bairro Moreninhas, em Campo Grande/MS”, argumenta a denúncia.
Com isso, foi feita busca domiciliar e determinada pela Justiça a suspensão do exercício da função pública do escrivão.
“Os denunciados, além de outras pessoas que figuram no polo passivo da ação penal, todos agindo de forma livre e consciente e cada qual a seu modo, integraram pessoalmente organização criminosa, estruturalmente ordenados e com divisão, ainda que informal, de tarefas, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagens pecuniárias, mediante a prática de infrações penais diversas, dentre as quais crimes de lavagem de capitais e, especialmente, de tráfico de drogas.
Depreende-se, ainda, que a organização criminosa composta pelos denunciados contava com o apoio de policiais civis, os quais, no exercício e em razão de sua função pública, repassavam a outros integrantes do grupo informações obtidas em bancos de dados de acesso restrito (SIGO/MS), além de utilizarem viaturas oficiais da Polícia Civil para transportar substâncias entorpecentes do grupo criminoso”, diz trecho da denúncia.
Mulheres atuavam como ‘laranjas’ para ajudar maridos em organização criminosa
Mulheres investigadas pelo Gaeco na segunda fase da Operação Snow atuavam como ‘laranjas’ para ajudar seus maridos Rodney Gonçalves Medina e Joesley da Rosa na organização criminosa.
Segundo a denúncia, a esposa de Joesley, a companheira de Rodney e a irmã de Luiz Paulo da Silva recebiam e realizavam transações bancárias de valores do tráfico de drogas em suas contas particulares para auxiliar nas atividades do grupo.
Inclusive, as análises no aparelho celular de Joesley apontam que de fevereiro a maio de 2022, foram realizadas 38 transações com a esposa dele. Além disso, a mulher era responsável por registrar em seu nome os veículos usados pela organização criminosa.
Em fevereiro de 2023, ela transferiu um veículo para uma empresa de comércio e transportes. Porém, antes do veículo pertencer à esposa de Joesley, o automóvel era de Jucimar Galvan – preso na primeira fase da operação.
Funções dos investigados na organização criminosa
Entre os denunciados pelo MPMS após a segunda fase da Operação Snow, está um rapaz de 28 anos, que atuava no operacional da organização criminosa. O investigado levava os caminhões aos depósitos, providenciava a obtenção de veículos usados no transporte de drogas e participava da captação de motoristas para atuar na empreitada criminosa.
Já outro preso, de 34 anos, trabalha como coordenador de logística em uma empresa terceirizada dos Correios. Com isso, ele ficava responsável por organizar o transporte dos entorpecentes.
Ainda conforme a denúncia, um homem de 52 anos que trabalhava com técnica em rastreadores era responsável por desativar os aparelhos das companhias de transporte nos caminhões. Como os aparelhos emitem sinais de geolocalização, a ideia era impedir que o veículo fosse rastreado durante o transporte da droga. O criminoso também instalava GPS nos veículos para que o líder da organização pudesse acompanhar o trajeto.
Já o empresário Emerson e outro integrante de 35 anos atuavam como facilitadores. Emerson, inclusive, foi apontado como ‘financiador’ do tráfico. As investigações indicam que a dupla investiu altos valores em dinheiro para custear as cargas de drogas.
Enquanto isso, os dois advogados blindavam os integrantes da organização, de acordo com o MPMS. Além da prestação de serviços jurídicos, a dupla atuava na corrupção de agentes públicos para a obtenção de informações privilegiadas e monitoramento das cargas. Os advogados também eram conselheiros de outros assuntos sensíveis do grupo criminoso.
Por fim, os motoristas da organização criminosa eram seis, entre eles, o comerciante que foi preso na última quarta-feira (15) em casa no Portal Caiobá. Além de transportar os entorpecentes nos veículos, eles também atuavam como batedores.
Operação Snow
E em março do ano passado, foi deflagrada a primeira fase da Operação Snow para que os mandados fossem cumpridos. Na ocasião, Rodney Gonçalves Medina, Ademar Almeida Ribas e Joesley da Rosa foram presos.
Após a prisão de 21 investigados na primeira fase da Operação Snow, foi feita uma análise dos dados extraídos dos aparelhos celulares de Joesley e Rodney.
Com a análise, ficou demonstrado que o grupo é especializado no tráfico de drogas e integrado por 19 pessoas, as quais foram denunciadas após a segunda fase da operação.
Trio de quadrilha que transportava cocaína em viaturas da polícia teve liberdade negada
O trio Rodney Gonçalves Medina, Ademar Almeida Ribas e Adriano Diogo Veríssimo teve a liberdade negada pela Justiça, em outubro do ano passado. O pedido foi negado pelo desembargador Luiz Cláudio Bonassini da Silva, tendo sua publicação no Diário da Justiça do dia 14 de outubro.
“Embora a defesa tenha argumentado sobre o tempo excessivo, a complexidade do caso, que envolve múltiplos réus e diversas investigações, justifica a continuidade da prisão preventiva”, diz parte da decisão.
Os advogados de defesa do trio alegaram constrangimento ilegal devido ao excesso de prazo na instrução criminal.
Viaturas eram alugadas por R$ 80 mil para o transporte da cocaína
As cargas de cocaína que eram transportadas pelos policiais civis Hugo César Benites e Anderson César dos Santos Gomes, de Ponta Porã para Campo Grande, eram desviadas de apreensões feitas pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) e da Polícia Civil. Cada investigador chegava a receber cerca de R$ 80 mil por transporte do entorpecente.
Hugo César Benites estava no Paraguai quando foi deflagrada a Operação Snow, no dia 26 de março de 2024. O investigador se entregou para não ser expulso do país vizinho. Anderson César já estava preso depois de ser flagrado transportando cocaína para o grupo, que, segundo o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), é altamente articulado e estruturado com logística sofisticada e divisão de tarefas delineadas.
Os policiais cooptados pela organização criminosa chegaram a receber, em 21 meses de ‘trabalhos’ para o grupo, o valor de R$ 960 mil, sendo R$ 480 mil para cada um. Ou seja, por transporte, eles chegavam a receber R$ 80 mil.
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