Dois irmãos, de 28 e 31 anos, e um amigo deles, de 35 anos, ocupam o banco de réus do Tribunal do Júri de Campo Grande, nesta quinta-feira (15), por tentar matar o síndico de um condomínio no bairro Nova Campo Grande, em julho de 2017. A vítima sobreviveu ao atentado, contudo, perdeu o movimento de um dos braços.

Os três réus respondem por tentativa de homicídio qualificado por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima. Conforme a denúncia do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), o crime teria ocorrido após o síndico repreender os acusados por usarem droga nas dependências do condomínio.

Segundo a acusação, o amigo Helder da Silva Franco segurou a vítima para que os irmãos Daniel e Manuel Ferreira de Lima desferissem as facadas. O síndico ficou cerca de 40 dias internado e em coma e vive com as sequelas do crime. Ele foi o primeiro a depor, mas pediu para os réus deixarem a sala. “Não quero olhar para cara desse pessoal depois do que aconteceu comigo. Fiquei deficiente”, afirma.

Vítima foi a primeira a ser ouvida – (Foto: Nathalia Alcântara)

A vítima conta que a discussão e as agressões ocorreram de maneira muito rápida. Ele se recorda de parar o carro do lado de fora do residencial, por volta das 21h do dia 8 de julho de 2017, e ir até onde os irmãos e o amigo estavam. “Pedi para que eles parassem de usar drogas na área comum, porque temos muitas crianças aqui”, explica.

O síndico imaginou que estivesse tudo resolvido e se virou para voltar ao carro e guardá-lo no condomínio. Contudo, foi seguido pelos autores. “Helder me segurou e o Daniel e o Manuel me esfaquearam. Vi apenas uma faca, mas algumas pessoas ali no local contaram serem duas”, afirma.

As agressões só teriam cessado após a intervenção de dois moradores. “O Laudislei [um dos moradores] ficou na mira da faca, mas conseguiu tirar eles de cima de mim”. A vítima foi socorrida por ele e mais um condômino, que o colocaram no próprio carro e o levaram para unidade de saúde.

Acusados negam

Dos três acusados, apenas Helder e Manuel optaram por dar suas versões. Daniel foi diagnosticado com esquizofrenia após o crime e diz não se recordar, mas não há ligação entre a doença e a motivação do crime.

No relato de Helder, o primeiro dos réus a dar depoimento, foi a vítima quem chegou ‘caçando confusão’. “Estava no bloco da minha tia. Ele era o síndico e estava ‘arrodeando’ desde tarde. Eu fui avisar eles que o Paulo estava caçando confusão com todo mundo, para eles não ficarem por ali, que eles estavam conversando”, relata.

O réu disse que a vítima teria se irritado com ele e o chamado para ‘conversar fora do condomínio’. Ele diz que aceitou, porque havia câmeras no local, mas disse que foi recebido com um soco partido do síndico. “O Daniel e o Manuel vieram atrás e começaram a brigar com ele. Não vi que eram facadas, porque não dava para ver. Só me afastei dali”, relata.

(Foto: Nathalia Alcântara)

Segundo o réu, ninguém entrou no meio da briga entre o síndico, Manuel e Daniel e que, após as agressões cessarem, foi até a vítima perguntar porque ela tinha o agredido. “Depois que vi que estava sangrando”. Ele saiu do local, mas afirma que foi para casa avisar a mãe e a tia.

Já na versão de Manuel, o síndico começou a brigar primeiro com os irmãos e Helder se meteu na briga. “Ele parou o carro e começou uma discussão ali. Nesse momento o Helder sai de um corredor, um bloco, não sei muito bem, e entrou na discussão”.

Ainda, afirma que o síndico chamou Helder para o lado de fora do condomínio e os irmãos foram atrás. “Lá fora começaram a discutir, tudo perto um do outro, momento em que ele acertou o Helder no rosto. Aí também me acertou com um soco. Tirei a faca do bolso num momento de ação e reação”.

Também diz que estava com a faca no bolso porque usava o instrumento para cortar garrafa pet, e que parou com os golpes por conta própria. “Ninguém entrou no meio. Parei por conta própria. Em momento algum queria tirar a vida dele […] Não tinha necessidade, foi no calor do momento”.

O irmão de Manuel, Daniel, desenvolveu depressão após o fato. “Ficou muito abalado, com as ameaças, porque ia gente do PCC nos ameaçar na frente de casa. Aí ele não aguentou também a pressão, perdeu mulher”. Ele não conseguiu depor sobre o ocorrido porque disse não se recordar.

Tia foi ouvida

A tia de Helder, Maria Alice também prestou depoimento. Conforme relato dela, “o síndico estava bastante alterado, porque ele tinha bebido, mas era só bebida. Então ele começou a provocar os guris. Ele sempre ameaçava os moradores, inclusive com arma. Então, ele oprimia a gente dentro do condomínio. Vivemos isso por quatro anos”, diz.

Tia de Helder – (Foto: Nathalia Alcântara)

Ainda, afirma que foi subsíndica junto à vítima, mas que pediu para sair no primeiro mandato. Disse, também, que foi ameaçada pela vítima após o crime, mas que nunca registrou boletim de ocorrência.

Outro fato levantado pela tia é de que o síndico teria demonstrado estar armado. “Ele disse que ia buscar um presente para eles no carro e como ele sempre andava armado”. Contudo, nem a tia, nem os réus viram a suposta arma no dia do crime.

Sequelas permanentes

O síndico ficou mais de 30 dias internado na Santa Casa após o crime. Ele teve que passar por cirurgia e chegou a mostrar as cicatrizes aos jurados. Ao todo, a vítima levou quatro facadas, sendo duas na barriga, uma nas costas e uma no braço.

Vítima não consegue mais mexer a mão – (Foto: Nathalia Alcântara)

O golpe no membro superior resultou na perda dos movimentos. “Não consigo abrir mais a mão nem mexer o braço”, conta. A vítima também teve que deixar o trabalho de pedreiro e agora vive de auxílio. “Aconteceu isso, eu fiquei em coma, quase 40 dias internado e não apareceu uma viatura da polícia no condomínio, ninguém foi ao hospital”, relata.