Com alto valor econômico, os traficantes tentam de tudo para comercializar entorpecentes. Com produção na Bolívia e no Paraguai, o Estado acabou tornando-se a principal rota do tráfico de drogas, principalmente a porta de entrada. 

O Jornal Midiamax mostrou como é a rota que escoa a droga pelas estradas federais, depois como os traficantes tornaram Campo Grande entreposto para então fazer a distribuição Brasil afora e até para o Exterior.

Agora o que já havia antes, mas era pouco falado, é o tráfico de drogas aéreo. A rota em si não muda muito, o que muda é a forma e os perigos desse tipo de ação, já que eles se arriscam fazendo até mesmo o abastecimento da própria aeronave dentro dela e em pleno voo. 

O caminho aéreo, por exemplo, funciona normalmente da seguinte forma: as aeronaves atravessam MS, entrando pelo Paraguai, com destino ao interior paulista, para serem distribuídas por via aquática.

(Arte: Giovana Gabrielle, Jornal Midiamax)

Nesse caso, existem dois tipos de aeronaves mais utilizadas pelos traficantes, que são o monomotor e bimotor. A delegada Ana Cláudia Medina, titular do Dracco (Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado), explica que a escolha pelas aeronaves envolve estrutura e capacidade de voo. “Um bimotor Baron, por exemplo, é conhecido pela capacidade de voo e estrutura, com possibilidade de transporte de 700 kg. Já um monomotor, um 210, por exemplo, é de interesse do narcotráfico pela performance das aeronaves, têm capacidade de meia tonelada, o que facilita”, explicou.

Ainda segundo a delegada, os criminosos se utilizam de diversas artimanhas para tentar seguir com as atividades. Assim, eles acabam, inclusive, fazendo planos de voos para dentro do Brasil na linha da fronteira, em Ponta Porã e Corumbá, por exemplo, e ultrapassam a fronteira de maneira ilegal.

As equipes se capacitam cada vez mais para poder identificar a atividade ilegal, por isso essa expertise é pioneira. “Isso só é possível quando temos o entendimento dessa trajetória aérea, das condições que se dão essas operações, que é usada para atividades regulares também. As aeronaves são de suma importância para nosso Estado, temos um estado fronteiriço, turístico e da pecuária. Temos estudo e conhecimento suficiente para identificar ações irregulares”, detalha Medina.

Quando flagrados, toda a logística é responsabilizada, conforme a polícia, desde o mecânico, pintor, a pessoa que organizou a aeronave, o comandante. “Esse enfrentamento tem que ser de maneira global. A responsabilidade, a descapitalização, se possível a reversão desse patrimônio para que sirva depois para fortalecimento e enfrentamento do narcotráfico, mas trazer esse conhecimento já nos potencializa para fazer esse enfrentamento”, afirma.

Medina também deu como exemplo um caso em que uma aeronave apreendida que ainda não estava voando. Porém, estava sendo ‘preparada’ quando a polícia tomou conhecimento que seria utilizada por uma organização criminosa. 

Durante verificação, foi identificado que a aeronave já estava ‘dissimulada’, visto que o registro era em nome de um pintor, sem condições de possuir um patrimônio desse. Havia também algumas nuances de que se trataria de uma aeronave que seria empregada ao narcotráfico. Na perícia, foi identificado que ela tinha uma série de instalações de instrumentos que lhe davam autonomia e configurações irregulares com abastecimento em voos, instrumentos que poderiam fazer com que voasse em condições noturnas sem que pudesse ser feito.

“Fizemos a apreensão e a responsabilização de toda a cadeia criminosa que estava envolvida nesses trabalhos envolvendo a aeronave. É um trabalho de quase dez anos com mais de 170 aeronaves que já foram periciadas pela equipe Ícaro, do Dracco”.

Início das operações e investigações

Tudo começou em 2015, quando houve a notícia do furto de peças em uma oficina de hélices. Funcionários se aproveitaram do afastamento do proprietário, furtaram e montaram uma oficina aeronáutica clandestina.

Durante a operação para identificar os ladrões e os receptadores, a polícia descobriu 46 aeronaves em condições inseguras. Na ocasião, a oficina clandestina de manutenção foi fechada e foram apreendidas diversas peças aeronáuticas em cumprimento a mandado de busca e apreensão.

“Entendemos que essas atividades clandestinas estavam sim beneficiando o narcotráfico e aprofundamos mais o conhecimento, atuação com qualificação específica”.

Operação Ícaro

A operação foi deflagrada em outubro de 2015 em Mato Grosso do Sul e contou com apoio da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). A ação ocorreu com objetivo de reduzir o número de acidentes na região, verificar as condições de aeronavegabilidade e segurança de voo das aeronaves civis, e recuperar produtos de furto com consequente identificação de autores e receptadores.

Na primeira fase, foram cumpridos seis mandados de busca e apreensão, sendo quatro nas residências dos suspeitos, um em oficina aeronáutica em um bairro da Capital e outro em oficina clandestina em um hangar no aeroporto Santa Maria.

Dessa forma, foi identificada uma aeronave modelo CESSNA 180, que supostamente poderia ser acidentada, com suspeitas de ter peças roubadas em sua composição. 

Na segunda fase, realizada entre os dias 28 de março e 1º de abril de 2016, foram interditadas 46 aeronaves (a maioria de categoria agrícola) e suspensos dois mecânicos de manutenção (MMA).

“Não é só uma questão de furto e receptação, mas a exposição das aeronaves a riscos por operar de maneira irregular e que também beneficiava o narcotráfico”, esclarece Medina.

Abastecimento em pleno voo

Os criminosos fazem o abastecimento em pleno voo, o que além de ilegal é altamente perigoso. Eles utilizam de um sistema residencial e não aeronáutico bombeando o combustível levado em galões dentro do avião para as asas, até que chegue ao local onde está a cocaína. 

Em pleno voo é feito o reabastecimento com o combustível na asa, onde fica o tanque da aeronave. “Totalmente ilegal e perigoso”, afirma o piloto Roberto Medina.

Para chegar ao Peru, na faixa da Colômbia, por exemplo, onde o avião pousa para carregar a cocaína, não há local de reabastecimento, por isso os criminosos levam galões de combustível.

Chegando lá com as asas cheias, o combustível é suficiente para chegar ao Brasil, até Paraguaçu Paulista, que é onde há o descarregamento da cocaína. Vale lembrar que a situação irregular de reabastecimento em voo, por exemplo, interfere em todo painel, o que pode ocasionar panes. Um painel tem avaliação de R$ 1,5 milhão, enquanto uma aeronave, por exemplo, custa em torno de R$ 2 milhões.

Esse tipo de crime ocorre já de longa data, porém atualmente é mais evidente, está mais visível, justamente porque as forças de segurança se especializaram, se capacitaram.

A delegada encerra afirmando que o Dracco, apesar de atuar atendendo todos os sinistros no Estado, para dar respostas também a quem está voando regular, visa fazer o sufocamento dos grupos criminosos que operam dessa maneira.