Todo mês cerca de R$ 1,5 milhão sai dos cofres públicos para a empresa Compnet Tecnologia Eireli fornecer o sistema SIGO (Sistema Integrado de Gestão Operacional) para as forças de segurança de Mato Grosso do Sul. O total do contrato é de R$ 59 milhões. No entanto, desde que implantou a tecnologia, o Estado já gastou R$ 105 milhões com um sistema policial próprio nos últimos dez anos.

No entanto, o Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça, disponibiliza, gratuitamente, a ferramenta Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas), que exerce a mesma função do SIGO.

O sistema atende a todos os principais pontos elencados pelo contrato para justificar a contratação da Compnet, que foi feita por inexigibilidade de licitação e é alvo de ação de improbidade administrativa movida pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul). Nesta semana, a empresa foi multada em R$ 11,3 milhões pela CGE (Controladoria-Geral do Estado), que detectou fraude no contrato.

Entre eles estão a integração das forças policiais, penitenciárias e de trânsito, estatísticas, sistema de CAD (regulação de chamadas via números de emergência). Além disso, trata-se de um sistema 100% utilizado via internet (com uso de navegadores) e possui ferramentas para trabalhos com gráficos estatísticos e análises georreferenciadas. Também, ainda segundo o Ministério da Justiça, possui suporte técnico 24 horas.

A afirmação derruba a tese apresentada pelo Governo do Estado no processo. Isso porque, o governo alegou na Justiça que o sistema SIGO passou a padronizar e conectar as unidades policiais do Estado, que antes não possuíam interconexão de dados ou conhecimento.

Conforme a descrição do Sinesp, a ferramenta do governo federal “tem por objetivo armazenar, tratar e integrar dados e informações para auxiliar na formulação, implementação, execução, acompanhamento e avaliação das políticas relacionadas à segurança pública, sistema prisional, execução penal e enfrentamento do tráfico de drogas, procedendo à coleta, análise, sistematização e interpretação desses dados e informações, e disponibilizando-os em estudos, estatísticas e indicadores ou outras informações”.

Sinesp destaca que seu sistema tem custo zero para estados que aderirem (Reprodução, Sinesp)

Controladoria multa Compnet em R$ 11,3 milhões

Na segunda-feira (29), a CGE-MS (Controladoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul) aplicou multa de R$ 11.382.146,67 à Compnet Tecnologia Ltda. (CNPJ 14.164.094/0001-49) após detectar fraudes no contrato.

Conforme apurado pelo Jornal Midiamax, a CGE-MS teria identificado irregularidades na composição dos preços pagos pelo Estado em relação aos serviços prestados pela Compnet.

Agora, a empresa tem 15 dias para entrar com recurso. A multa deve ser paga até 30 dias após o trânsito em julgado – quando não couber mais recursos.

O processo administrativo foi aberto após o MPMS (Ministério Público de MS) enviar denúncia à CGE-MS. O contrato da Compnet com o governo de MS é alvo de ação de improbidade administrativa na Justiça.

‘Sistema eficaz e gratuito’, confirma Roraima

Diversos estados do país se recusam a gastar milhões para contratar uma empresa para manter um sistema pelo qual poderiam os mesmos serem desenvolvidos por suas equipes de tecnologia ou até mesmo utilizar uma ferramenta que desempenha o mesmo papel e é disponibilizado gratuitamente pelo Ministério da Justiça.

Um deles é Roraima, que celebrou um termo de adesão em 2018 com o Ministério da Justiça para utilizar o sistema.

Procurada pela reportagem, a assessoria de Roraima afirmou que o sistema cumpre o papel de gerenciar as operações e informações das forças de segurança do estado. “No caso do Estado de Roraima, o sistema mostra-se eficaz e supre a demanda de atendimento e despacho de viaturas”, pontuou o governo em nota enviada ao Jornal Midiamax.

“Em Roraima, é utilizado o Sinesp CAD, que integra  a Secretaria de Segurança Pública, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, e também o Sinesp PPe, utilizado pela Polícia Civil na confecção de boletins de ocorrência”, afirma o estado de Roraima.

Para se ter uma ideia da abrangência do Sinesp, o estado de Roraima destacou pontos principais da ferramenta como procedimentos policiais eletrônicos, central de atendimento e despacho, integração de soluções de tecnologia da informação, pesquisa inteligente de acesso restrito (indivíduos, veículos e armas), pesquisa de dados públicos, monitoramento dos gabinetes de gestão integrada, análise de dados e informações (tabelas, gráficos, mapas e painéis) e rede de comunicação e integração entre profissionais de segurança pública.

Estados que utilizam os sistemas de registro de B.Os e de gerador de ocorrência via números de emergência (Reprodução, Sinesp)

Uso apenas para consulta

Conforme informações oficiais repassadas pelo Ministério da Justiça, o Estado de Mato Grosso do Sul utiliza apenas o Sinesp Infoseg, que permite a pesquisa inteligente de dados e informações referentes a Indivíduos, Veículos, Armas e outras informações.

Ainda segundo o Ministério da Justiça, apenas a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul utiliza o Sinesp Agente de Campo, que “permite aos profissionais de segurança pública o recebimento de ocorrências e notificações da central de atendimento e despacho, o registro e finalização de ocorrências, consultas de pessoas e veículos as bases do BNMP e Denatran, dentre outros”.

Questionado se Mato Grosso do Sul já solicitou o uso do sistema completo do Sinesp, o MJ informou o seguinte: “Houve solicitações anteriores, que não foram concretizadas por conta de mudanças estratégicas no referido estado”.

A reportagem enviou e-mail aos canais oficiais do governo de Mato Grosso do Sul solicitando posicionamento sobre o não uso do Sinesp. Porém, os questionamentos não foram respondidos até esta publicação. O espaço segue aberto para manifestação.

Sinesp oferece mesmas funcionalidades atendidas pelo SIGO da Compnet (Reprodução, Sinesp)

No entanto, quatro municípios sul-mato-grossenses fazem uso do CAD nas Guardas Municipais, são eles: Dourados, Bonito, Corumbá e Ponta Porã.

Em 10 anos, Governo de MS já pagou R$ 105 milhões por sistema da polícia

O Governo de Mato Grosso do Sul já utilizou mais de R$ 105 milhões para bancar sistema para atender órgãos de segurança pública nos últimos dez anos. Quase todo o valor (R$ 104 milhões) foi destinado para a empresa Compnet Tecnologia Eireli.

O que chama a atenção no histórico de pagamentos do governo para manter um sistema que atenda às forças de segurança é a escalada de valores.

Conforme informações públicas obtidas pelo Portal da Transparência, em 2014, o Estado mantinha contrato com a empresa Sisgraph Ltda no valor de R$ 71.797,92, com pagamentos mensais na casa dos R$ 5 mil, pelo sistema ICAD. O contrato foi celebrado em 1º de outubro de 2014 e vigorou até 2016, quando foi renovado até 2017. Porém, a empresa paulista continuou prestando serviço de fornecimento de sistema para Mato Grosso do Sul até novembro de 2020. Os valores totais recebidos pela empresa durante os seis anos perfazem total de R$ 331.874,64.

Enquanto ainda mantinha contrato para utilizar o sistema ICAD, o governo de MS celebrou o primeiro contrato com a Compnet, para começar a transição para o sistema SIGO pelo valor de R$ 36.480.000,00, que foi atualizado e alcançou a cifra de R$ 45,1 milhões entre setembro de 2016 até junho de 2021.

Após isso, a discrepância de valores só aumentou: foi celebrado um segundo contrato com a Compnet que está em vigor até junho de 2025. No total, a empresa receberá R$ 59,5 milhões.

MS gasta até 42 vezes mais que outros estados por sistema

A maioria dos estados do país mantém contratos com valores bem menores para o mesmo serviço, sendo que alguns desenvolveram o próprio sistema e outros utilizam um sistema disponibilizado gratuitamente pelo Ministério da Justiça. Assim, MS paga até 42 vezes mais para utilizar o SIGO.

A diferença de valores para o mesmo período, de um ano, chega a ser 4253% no comparativo com o estado do Ceará, que gasta R$ 685,6 mil no período, enquanto Mato Grosso do Sul gasta R$ 29.842.386,65 – o contrato é de R$ 59 milhões para 24 meses.

Um exemplo que demonstra o quão caro o contrato com a Compnet sai para o Estado é a comparação com o estado do Rio de Janeiro, que tem 13,3 milhões de habitantes a mais que MS. Nem por isso, o estado carioca paga tão caro por um sistema. Por lá, a secretaria de segurança mantém contrato de R$ 11,8 milhões com a empresa Sisgraph (que atuava em MS antes da Compnet), cujo objetivo é prestar serviço semelhante ao oferecido pela Compnet: “prestação de serviços de implantação e operação assistida das novas licenças e ainda a prestação de serviços de suporte e assistência técnica, incluindo manutenções preventiva, corretiva e evolutiva, suporte técnico (24×7) e treinamento do Sistema de Gestão de Ocorrências Emergenciais (I/CAD)”.

Para se ter uma ideia do volume de ocorrências a mais que o RJ tem em relação a MS, somente em 2023, o estado carioca registrou 3.388 assassinatos, enquanto por aqui foram 446 homicídios no mesmo período.

Outros estados pagam ainda menos por contratos com sistemas de gerenciamentos para as forças de segurança: Santa Catarina (R$ 2,9 milhões), Acre (R$ 1,4 milhão), Paraná (R$ 3,9 milhões), Mato Grosso (R$ 7,5 milhões) e Minas Gerais (R$ 2,3 milhões).

Há ainda casos de estados que utilizaram a própria estrutura de tecnologia da informação para desenvolver um sistema totalmente integrado e com custos baixos, uma vez que a manutenção e melhorias do sistema não ficam a cargo de uma empresa contratada, mas sim nas mãos do próprio estado. É o caso do Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Goiás e Rio Grande do Sul.

Sistema que já custou R$ 105 milhões continua dando problemas

Depois de 8 anos de contrato e após receber mais de R$ 104 milhões, o sistema SIGO tem causado transtornos à população nos últimos cinco meses. Filas enormes e pessoas que tiveram que retornar para a casa sem o registro da ocorrência devido a uma ‘falha’ no sistema.

Quando o sistema fica instável, situação que tem sido alvo de reclamação dos servidores desde janeiro deste ano, atrapalha o serviço dos policiais nas delegacias.

Servidores explicaram que não foram orientados oficialmente de como agir, porém, quando há casos de flagrante, o preso é colocado na cela enquanto os policiais aguardam a volta do sistema. Se o sistema não voltar, o registro desse flagrante é feito no Word e depois refeito no SIGO, quando este estiver estável.

Já em casos que não são flagrantes, eles acabam orientando as pessoas a voltarem em outro momento. 

No dia 7 de maio, por exemplo, uma mulher de 35 anos teve negado o registro de sua denúncia de quebra de medida protetiva na Deam (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher), em Campo Grande. Ela afirma que foi orientada que voltasse para sua casa, pois com o SIGO (Sistema Integrado de Gestão Operacional) fora do ar seria impossível registrar a denúncia.