Com acesso à comunicação garantida, os detentos do Presídio de Segurança Máxima de Campo Grande mantêm verdadeiro ‘serviço de contrainteligência’ para monitorar em tempo real investigações em andamento e orientar comparsas do lado de fora.

É o que mostram mensagens flagradas durante a busca pelos traficantes que executaram por engano duas crianças de 13 anos de idade no bairro Jardim das Hortênsias, em Campo Grande, no último dia 3.

No flagrante, o preso Kleverton Bibiano Apolinário, custodiado pela Agepen (Agência Estadual de Administração Penitenciária), e conhecido como ‘Pato Donald’, usa smartphone e aplicativos de comunicação instantânea nos aposentos da Máxima.

Nas mensagens, o detento orienta Nicollas Inácio Souza da Silva sobre como ‘escapar’ de ser preso pelo crime. ‘Pato Donald’ é apontado como um dos chefes do narcotráfico na região das Moreninhas, e estaria expandido as atividades para os bairros Aero Rancho e Jardim das Hortênsias.

Assim, como ‘dano colateral’ da disputa por território, mandou Nicollas matar outro traficante por dívida de droga. Foi quando os adolescentes Aysla Carolina de Oliveira Neitzke e Silas Ortiz, ambos de 13 anos, foram assassinados sem ter nada a ver com o rolo dos bandidos.

O alvo seria Pedro Henrique Silva Rodrigues, de um grupo rival de ‘Pato Donald’.

Comando do tráfico nos ‘aposentos’ da Máxima

Kleverton está encarcerado no Presídio de Segurança Máxima e, de dentro da penitenciária, mantinha conversas com o grupo que gerencia seus negócios ilícitos fora da unidade da Agepen. Ele usava o codinome de Enzo no WhatsApp para a troca de mensagens. Nicollas era o ‘moleque’ de Kleverton a quem ele confiava os seus ‘corres’ no comércio de drogas.

Na troca de mensagens rastreadas pelos policiais do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestros) foi descoberto que logo depois do crime, ‘Pato Donald’ manda mensagem para Nicollas.

“Mina, vamos mocar essa arma. Vou mandar recolher ela de você. Tira de perto de você”, orienta uma das mensagens de ‘Pato Donald’.

Na mensagem enviada por Nicollas ao detento dizia: “Aqui ninguém vem, para casa que não vou. No cel do Jacaré tem o número da minha casa e eles podem ir lá”, falava.

As mensagens ainda traziam tratativas de como Nicollas poderia fugir para não ser preso pelo crime.

“Vou mandar dinheiro, fica de boa, eu coloquei você nessa. Você é meu filho”, dizia ‘Pato Donald’ a Nicollas. O ‘moleque’ era tratado como filho por Kleverton, que havia confiado seus negócios ilícitos nas ruas da Capital.

Tudo ao contrário: crime atua com contrainteligência dentro da Máxima

Em outro trecho da mensagem rastreada, Kleverton falava para Nicollas criar outro perfil no Facebook para conversar com ele.

O ‘cuidado’ com a discrição e cibersegurança dos bandidos, segundo servidores públicos da segurança pública, é indício de como a comunicação partindo de dentro dos presídios está normalizada em Mato Grosso do Sul.

“O presídio onde o detento está é de segurança máxima só no nome”, concordam servidores da segurança pública de Mato Grosso do Sul que falaram com a reportagem.

Embora a Agepen assegure que esteja apurando as denúncias após reportagem do Jornal Midiamax, policiais que atuam no combate ostensivo ao crime do lado de fora das grades do sistema prisional em MS garantem que a situação não é nova para ninguém.

“A gente já atua contando com o monitoramento em tempo real dos pebas. Quando a viatura entra no bairro dominado, já corre alerta nos grupos onde estão vários custodiados. No presídio muitas vezes sabem mais do que a gente tá fazendo que as forças coirmãs, por exemplo. Infelizmente, acho que a bandidagem usa melhor o compartilhamento de informações”, lamenta policial.

Segundo delegado que atuou por anos na faixa de fronteira, a execução de duas crianças em Campo Grande em crime articulado a partir do presídio estadual só chamou a atenção para fato que as autoridades supostamente ignoram há anos em Mato Grosso do Sul.

“Isso aí era para mobilizar todos os envolvidos porque a segurança pública ainda está engatinhando no uso de inteligência, mas o crime organizado não. O Ministério Público, por exemplo, deveria estar à frente desta mobilização”, diz o delegado.

“Ao invés disso, este povo do controle externo vive baixando em delegacia para revisar procedimentos que são públicos como se fossem inimigos da gente. Perdemos um tempão explicando que não torturamos ninguém, muitas vezes lidando com ameaças veladas, e não vemos o mesmo rigor para controlar o acesso da massa carcerária aos mecanismos que permitem usar os presídios como verdadeiros escritórios de facção”, reclama.

O Jornal Midiamax acionou o Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul questionando sobre a atuação ministerial no combate aos ilícitos cometidos dentro das unidades prisionais para favorecer os bandidos. Até o momento, não houve resposta.

Assim que o MPMS se pronunciar, as informações oficiais serão levadas aos leitores.

Um preso dentro da Máxima e 4 comparsas presos nas ruas

Três envolvidos no crime já foram presos, sendo um deles o motorista de aplicativo que ajudou na fuga depois dos assassinatos. Foram presos: Rafael Mendes de Souza, de 18 anos, conhecido como ‘Jacaré’, Nicollas Inácio Silva de Souza e Georges Edilton Dantas Gomes, de 40 anos.

Kleverton Bibiano Apolinário já estava encarcerado na Máxima, onde foi cumprido mais um mandado de prisão contra ele.

João Vitor, que estava foragido, se apresentou junto de seu advogado nesta segunda-feira (6) à tarde na sede do Garras.

A Agepen assegurou que agora vai verificar o acesso de ‘Pato Donald’ e demais presos da Máxima aos telefones, internet, mensageiros instantâneos e redes sociais.

Além disso, informou que o contrato de instalação dos bloqueadores de sinal telemático nas unidades prisionais de Mato Grosso do Sul não era gerido pela Agepen.