A entrada sem autorização legal na casa de um suspeito de contrabando de cigarros tornou irregulares sua prisão e a denúncia. Os fatos ocorreram em fevereiro deste ano e, contra o investigado, pesava ainda acusação de posse de moeda falsa.

Decisão de liberar o réu e anular o processo foi divulgada nesta sexta-feira (28) no Diário de Justiça Federal. A sentença partiu da 3.ª Vara Federal de Campo Grande. O MPF (Ministério Púbico Federal) apresentou denúncia após ação de policiais civis para apurar o contrabando de cigarros.

Assim, segundo o processo, em 10 de fevereiro deste ano, policiais civis receberam denúncia de que o denunciado guardava grande quantidade de cigarros contrabandeados. Além disso, teria 2 automóveis comprados com recursos do crime.

Com as informações, agentes da Polícia Civil foram à casa do denunciado, onde avistaram os 2 veículos. Como ninguém atendeu aos chamados na entrada, os agentes entraram no imóvel.

Ao perceber as equipes, segundo a denúncia original, o suspeito tentou fugir, mas foi contido. Já o réu acusou, no processo, os policiais de arrombarem a porta com o escudos, forçando a entrada enquanto ele e sua família dormiam.

Policiais apreenderam 17 mil maços de cigarros

No local, os policiais encontraram 17 mil maços de cigarro da marca Fox (de importação proibida) e 36 cédulas de R$ 200 com indícios de falsidade. Também havia 2 rádios transceptores, os dois automóveis citados e um terceiro, bem como 3 aparelhos usados para clonar chaves de veículos e um colete balístico com a logomarca da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública).

Segundo a denúncia, o suspeito estaria fazendo a compra e venda de veículos para lavar dinheiro de crimes como o contrabando de cigarros. Após cruzamento de dados, constatou-se que ele teria envolvimento com a venda de produtos contrabandeados e a venda de cigarros.

A audiência de instrução e julgamento do caso ocorreu na última quarta-feira (26).

Juiz viu nulidade de flagrante por contrabando de cigarros

Em decisão, o juiz destacou a necessidade de reconhecer a nulidade do flagrante em 10 de fevereiro e, “por via de consequência, de todas as provas colhidas na residência do réu, nessa mesma ocasião”. Conforme o parecer, as circunstâncias do flagrante de contrabando de cigarros forçam a reavaliação de decisões anteriores no caso –incluindo a decretação de prisão preventiva do suspeito.

Conforme o juiz, não havia indicativos de crimes que permitiriam a entrada na casa do suspeito. No caso, a presença de veículos apontados como frutos de crimes não estava confirmada.

Isso porque, destaca a decisão, o suspeito tinha “múltiplos registros de passagens criminais”, incluindo roubo, furto e receptação de veículos, “o que se associou às mencionadas denúncias anônimas quanto à prática de contrabando e outras supostas ilegalidades e a constatação de veículos de terceiros, com propriedade atribuída pelos vizinhos” ao suspeito.

Para o magistrado, tais elementos “não são suficientes para justificar o ingresso forçado no domicílio do réu”, o que o leva a reconhecer a nulidade do flagrante e “de todas as provas colhidas na residência do réu” na ocasião.

Os próprios policiais civis teriam dito em depoimento que verificavam denúncia anônima sobre contrabando de cigarros, entrando na casa sem autorização do morador.

“Segundo eles mesmos narraram, simplesmente ‘bateram palmas’ ao portão, como ninguém atendeu, abriram a porta e entraram. Pelo réu, foi dito que os policiais não apenas abriram, mas na verdade arrombaram as postas de sua residência, usando escudos, enquanto ele dormia em um quarto com a esposa e a filha pequena”, anotou a decisão.

Juiz cita STJ e STF para sustentar anulação de provas

O juiz anotou haver decisão de repercussão geral do STF (Supremo Tribunal Federal) que franqueia a entrada das autoridades em domicílio sem mandado judicial de forma forçada mediante fundadas razões justificadas que apontem o flagrante delito. E que, nesta corte e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), houve manifestações de que a simples denúncia anônima não justifica a invasão de domicílio.

Dessa forma, como as circunstâncias da apreensão e do flagrante ocorreram fora do previsto na legislação, e as provas obtidas sob acesso não autorizado são nulas, o suspeito foi absolvido.

Foi determinada a devolução de todos os bens lícitos apreendidos –celulares, dinheiro e veículos–, com exceção do colete balístico. A prisão foi revogada e se determinou a expedição imediata do alvará de soltura.

Com o trânsito em julgado do caso, os rádios transceptores apreendidos devem ser entregues à Anatel –exceto se comprovada a licença de uso pelo réu. Já os codificadores de chaves devem ser destruídos. A sentença data desta quinta-feira (27). Cabe recurso.