‘Cabriteira de Hilux’: Estrada nova transforma Pantanal em rota para arrastadores de caminhonetes

Como dá acesso à Bolívia, o “corredor”, como é chamada a rodovia por muitos pantaneiros, também é rota para os arrastadores de carros, cuja preferência é a Hilux

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Rodovia MS-228, no Pantanal da Nhecolândia (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

A MS-288, na região da Nhecolândia, Pantanal sul-mato-grossense, além do ir e vir de carros e caminhões, mostrando o avanço da pecuária e evidente destruição da mata nativa, também está se tornando rota para arrastadores de carros roubados. Como dá acesso à Bolívia, o “corredor”, como é chamada a rodovia por muitos pantaneiros, também é acesso para criminosos do ramo, cuja preferência é a Hilux. Segundo policial ouvido pelo Midiamax, foram 234 caminhonetes flagradas na região.

O dado alarmante, registrado por forças de segurança, é de todo o ano de 2022. Ou seja, se este é o número das que foram flagradas, imagine as que “conseguiram passar”. De acordo com a fonte, uma mulher também teria sido presa ao menos cinco vezes na região, em menos de um ano. Com exceção de uma vez, ela estava em todas as outras com veículo roubado e levando para a fronteira. Desta forma, desde 2019, a média de apreensão é de 300 veículos ao ano, o que teria aumentado um pouco mais no último ano.

Área de fiscalização da PRF. Foto: PRF/Divulgação
Área de fiscalização da PRF. Foto: PRF/Divulgação

Conforme informações da comunicação da PRF (Polícia Rodoviária Federal), a região do Pantanal, situada entre as BR’s  262 e 419, é composta por diversas estradas vicinais, utilizadas como rotas alternativas para o transporte de veículos furtados/roubados com destino à Bolívia, como forma de tentar ludibriar a fiscalização.

Nestas rodovias monitoradas pelo órgão, conforme a comunicação da PRF, foram recuperados milhares de veículos. Em 2019 foram 451, em 2020 o número é de 485 carros recuperados, 618 em 2021 e 565 no ano anterior. Já, especificamente na região do Pantanal, incluindo as cidades de Terenos, Sidrolândia, Guia Lopes da Laguna, Anastácio, Miranda e Corumbá, o número também foi crescendo ano a ano. Em 2019 foram 79 veículos, em 2020 o número é de 103, em 2021 foram 122 e, no ano anterior, 101 veículos.

Presidente do IHP. Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax

Do contrabando, ainda conforme a fonte, também existe a informação de possíveis fazendas que escondem droga vinda da Bolívia, além da concentração de quadrilhas que escolheram a MS-228 como “corredor de passagem” até a BR-163 e dali seguem com os ilícitos para inúmeros destinos.

Presidente do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), o coronel da reserva da PM (Polícia Militar), Ângelo Rabelo, ressalta que acompanha a evolução das estradas e também recebe denúncias sobre a região. Segundo ele, as comitivas pantaneiras sempre estiveram presentes ali justamente porque o bioma era conservado e é possível a construção do corredor, desde que bem planejado e administrado para não ser prejudicial ao Pantanal.

Novos investidores estão acelerando destruição do Pantanal

Uma das estradas no Pantanal de MS. Fonte: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax
Uma das estradas no Pantanal de MS. (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

Para atender investidores que estão tirando os pantaneiros originais e acelerando a destruição do Pantanal de Mato Grosso do Sul, o Estado está trocando antigos corredores, caminhos que se mantinham secos na maior parte do ano, por estradas que rasgam as áreas com ‘novos donos’.

É assim que a rodovia MS-228 tirou a paz de quem vive na Nhecolândia e virou um ‘corredor moderno’ para criminosos como narcotraficantes ou arrastadores de caminhonetes. Anunciadas no governo passado como obras para ‘tirar o Pantanal do isolamento’, as estradas viraram pesadelo.

“Quem é pantaneiro mesmo, quem entende como isso aqui funciona e como deve ser preservado, sabe que na verdade o isolamento era nossa última linha de defesa contra a destruição. Os políticos não criam uma legislação porque querem favorecer quem está de olho nestas terras baratas. Vão destruir o Pantanal. Este povo não entende que a extinção é para sempre”, lamenta fazendeiro cuja família está há 5 gerações na região.

Em uma das partes até então mais preservadas do bioma pantaneiro, na Nhecolândia se vê cada vez menos as lentas e pouco agressivas comitivas que transportavam boiadas gigantescas de uma parte a outra. Agora convive com o vai e vem descuidado de caminhões boiadeiros, chamados de ‘uber do boi’.

Nova rota para crime organizado

Segundo pantaneiros e fazendeiros locais que falaram com a reportagem do Jornal Midiamax, além do poeirão que levanta, a rodovia está atraindo o crime organizado e acelerando a destruição do bioma.

Autoridade com quatro décadas de experiência na preservação e no combate a incêndios, um servidor público que não será identificado pela reportagem ressalta que as estradas deveriam “cumprir papel estratégico e exclusivo” de escoar a produção.

No entanto, notícias de crimes não param de chegar. As mais recentes, ligadas à “passagem de Hillux” roubadas, ao uso da estrada para o tráfico de drogas e também a farra de grupos que procuram o local para lazer aos fins de semana.

Sendo assim, falando com pantaneiros, fazendeiros e representantes de entidades que atuam em prol do Pantanal, entendemos primeiro o “raciocínio geográfico” de quadrilhas, já que usam a estrada como conexão para outras regiões do país e do mundo.

DOF e PF monitoram tráfico internacional de drogas na região

Além do trabalho da PRF e o patrulhamento rural, envolvendo equipes locais da PM e o DOF (Departamento de Operações de Fronteira), a PF (Polícia Federal) também monitora o tráfico internacional de drogas na região.

No início deste mês, durante operação deflagrada em Corumbá, Coxim, Campo Grande e, simultaneamente, nos estados da Bahia e São Paulo, ficou constatada a concentração de quadrilhas do ramo no Pantanal.

Fazenda na região do Paiaguás escondia droga que chegava em aeronaves. Fonte: PF/Divulgação
Fazenda na região do Paiaguás escondia droga que chegava em aeronaves. (Polícia Federal, Divulgação)

Segundo a investigação, Coxim é um município próximo aos “dois pantanais”, como a região da Nhecolândia e o Paiaguás. Mesmo com acesso difícil até as fazendas, o que melhorou com a construção do “corredor”, o território também passou a ser usado por traficantes para distribuírem cargas milionárias de drogas para os grandes centros e até mesmo fora do país.

No dia 6 de junho, quando iniciaram as buscas da Operação Ardea (nome científico da garça-branca, pertencente à fauna pantaneira), agentes da PF ressaltaram que os suspeitos usavam aviões para fazer o transporte da droga. Nesta constância, também usam as estradas para trazer droga vinda da Bolívia.

Ainda conforme a PF, foram cumpridos seis mandados de prisão e busca e apreensão em 25 alvos. Ao todo, o grupo teria movimentado cerca de duas toneladas de cocaína. As investigações ainda estão em andamento.

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