Ação contra delegados da Polícia Civil que usaram delegacia como ‘QG do crime’ aguarda parecer do MP

Quadrilha de policiais usava delegacia e distintivos para extorquir traficantes em Corumbá, na fronteira com a Bolívia

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(Reprodução)

O esquema de tráfico de drogas orquestrado pelos delegados da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Fernando Araújo da Cruz e Rodrigo Blonkowski, que contava até com pagamento de propina pelos próprios delegados a traficantes, denunciado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), que também tinha a participação de investigadores de polícia, Emmanuel Contis e Amando Yoshitaka, espera por parecer do MPMS (Ministério Público Estadual).

O processo que não está em sigilo e que o Midiamax teve acesso identifica dois grupos liderados pelos delegados que foram denunciados por peculato, extorsão e tráfico de drogas. Eles foram alvo da Operação Concorrência, nome dado já que os grupos liderados por Fernando e Rodrigo eram rivais.

O parecer do Ministério nada mais é do que a manifestação de uma ação, na qual diz sua opinião sobre o pedido do autor, com base no que a lei dispõe sobre o assunto que está sendo analisado. O parecer do Ministério Público não obriga o juiz a proferir sentença segundo a posição do órgão. 

No dia 21 de agosto deste ano, foi dada vista ao MPMS sobre o caso envolvendo os delegados denunciados por esquema de tráfico de drogas, sendo que agora o Ministério Público por prazo regimental tem até 15 dias para dar seu parecer.

A denúncia apresentada em relatório do Gaeco foi feita à Justiça no dia 28 de março deste ano, quando foi pedida a condenação e perda do cargo público dos delegados. A investigação concluiu que os delegados pagavam propina para que carregamentos de cocaína fossem identificados e depois roubados e revendidos pelo grupo comandado pelos policiais. Quem comprava a cocaína roubada eram narcotraficantes que tinham “parceria” com os delegados.

A denúncia do Gaeco aponta dois grupos que eram liderados cada um por um delegado, sendo os dois grupos rivais. O primeiro grupo era formado pelo delegado Rodrigo Blonkowski, que tinha como integrantes Amando Yoshitaka e Eduardo Alencar Batista conhecido como ‘Dudu’, e o segundo pelo delegado Fernando Araújo, que tinha como integrantes o investigador de polícia Emannuel Contis, Daniel Pereira Sampaio, Luiz Adriano Rondon e Valcir Ricardo. Os grupos atuavam em Ladário e Corumbá e tinham conhecimento da atuação do concorrente, segundo a denúncia do Gaeco.

Eduardo atuava como informante e traficante do seu grupo para a realização doa ‘arrochos’, sendo que relatava quando havia transporte de carga considerável de drogas. Ele monitorava o transporte de cargas nas estradas entre São Paulo e Mato Grosso do Sul. Eduardo, segundo a denúncia chegou a fazer contato com motoristas de caminhões para encontrar as localizações.

Amando relatou na Corregedoria da Polícia Civil que Fernando tratava de ‘ironia’ quando chamava para trabalhar, e que na realidade a frase ‘vamos trabalhar’ seria para cometer crimes.

Processo (Reprodução)

Em conversas interceptadas pelo Gaeco, no dia 31 de janeiro de 2019, um dos membros do grupo de Rodrigo diz que o Fernando Araújo ‘arrochava’ ao falar de uma apreensão de uma motocicleta feita pelo delegado. Ainda na conversa, o membro do grupo fala que o ‘cara’ pagava o delegado.

Já em outra conversa, o grupo de Rodrigo era acusado de subtrair drogas para obter lucros. “Furtam a cocaína que é apreendida por eles…. fazem uma mistura na droga que fica apreendida sendo o restante de boa qualidade o qual o grupo negocia com traficantes”, dizia a mensagem interceptada.

No relatório do Gaeco consta que os denunciados angariavam drogas de traficantes locais durante as diligências, mas a droga não era toda documentada, já que parte da droga furtada pelos delegados era renegociada com outros traficantes.

Delegado dava bonificação a narcotraficantes

A denúncia do Gaeco ainda aponta que Rodrigo Blonkowski mantinha contato com um traficante, conhecido como ‘Bigão’, para fornecer informações de outros traficantes e, para isso, o traficante recebia ‘bonificações’. Um dos investigadores, que fazia parte do esquema, era o responsável por identificar os pontos de boca de fumo.

Quando os pontos de bocas de fumo eram localizados, os delegados faziam falsas diligências para a apreensão do entorpecente que era subtraído pelos delegados e revendido. No dia 11 de dezembro de 2018, um dos investigadores foi até a Bolívia para ‘arrumar um negócio’.

Os grupos liderados pelos delegados sempre tinham o cuidado de não fecharem ‘negócios’ por ligações e as conversas eram curtas, usando o WhatsApp e depois marcando encontros pessoalmente para que o ‘negócio’ fosse concluído. Assim, acreditavam evitar o rastreamento de suas ligações.

Foi identificado ainda pelo Gaeco que um traficante conhecido como ‘Dudu’ fornecia informações para o delegado Rodrigo. Em conversa interceptada do dia 8 de março de 2019, eles conversam sobre o carregamento de carga de cocaína, no total de 50 quilos. ‘Dudu’ era responsável por monitorar o transporte de drogas nas rodovias de Mato Grosso do Sul e de São Paulo.

Além de ser denunciado junto de Rodrigo Blonkowski por associação para o tráfico, o delegado Fernando Araújo da Cruz também foi denunciado por receber propinas da Máfia dos Cigarreiros. O delegado ainda foi acusado de ‘arrochar’ bolivianos que tentavam entrar com mercadorias do lado brasileiro cobrando para que fossem liberados.

De um homem, o grupo do delegado Fernando chegou a cobrar R$ 20 mil para que ele não fosse preso e tivesse o combustível clandestino liberado. Ainda de acordo com o Gaeco, Fernando Araújo teria se apropriado, em uma das falsas diligências orquestradas pelo grupo de armas, de dinheiro e celulares de um dos alvos do delegado.

A denúncia da atuação criminosa dos delegados é assinada por quatro promotores de Justiça de Corumbá, três deles integrantes do Gaeco. A denúncia tramita na 1ª Vara Criminal de Corumbá.

O Jornal Midiamax entrou em contato com a defesa do delegado Fernando Araújo, através de mensagens por WhatsApp, mas até o fechamento da matéria não tivemos resposta. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

Também tentamos falar com a defesa de Emmanuel Contis, investigador de polícia denunciado por fazer parte do grupo criminoso, por ligação telefônica, mas não tivemos resposta até o fechamento da matéria, assim como, não conseguimos contato com a defesa do delegado Rodrigo Blonkowski por telefone. 

A Adepol (Associação dos Delegados de Polícia de Mato Grosso do Sul), em nota, disse: “A Adepol/MS não teve acesso aos autos do processo em questão, razão pela qual não exarou um parecer sobre a situação”.

Prisão de Rodrigo na Operação Codicia

O delegado foi preso em flagrante, em julho de 2022. Ele foi detido na segunda fase da Operação Codicia, durante cumprimento de mandado de busca e apreensão.

Na época da prisão, policiais militares do Gaeco cumpriram mandado de busca e apreensão na casa do delegado, onde foram encontradas 114 munições de diferentes calibres, sem o devido registro. Assim, ele acabou preso em flagrante.

O delegado foi autuado por possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Fernando matou boliviano na ambulância

Fernando inicialmente foi condenado a 20 anos de prisão, em junho de 2021, pena reduzida para 16 anos, após a defesa interpor recurso. Também foi determinada a perda do cargo.

O boliviano Alfredo foi esfaqueado durante discussão com Fernando em uma festa e depois socorrido, sendo levado de ambulância para Corumbá. Então, o delegado interceptou a ambulância e o matou a tiros antes de chegar ao hospital.

Mas Fernando, achando que não havia testemunhas do crime, foi pego de surpresa quando foi informado pelo investigador da Polícia Civil, Emmanuel Contis, de que a irmã da vítima estava na ambulância e viu o assassinato.

Em meio a toda a trama do homicídio, testemunhas foram coagidas, sendo uma delas o motorista da ambulância, que teve como advogada a mulher de Fernando, Silvia.

No entanto, o que o casal não esperava era que policiais bolivianos e até um promotor usassem de chantagem para extorquir os dois, com pedido de R$ 100 mil para que não implicassem o delegado ao assassinato.

Na tentativa de encobrir os rastros do crime, até a execução dos policiais e delegados que estavam investigando o caso foi arquitetada por Fernando, que recebia do investigador todas as informações sobre as investigações.

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