Vídeo encaminhado ao Jornal Midiamax mostra a mulher que vivia na sede da Fazenda Borda da Mata, propriedade rural ocupada por indígenas nos dias 23 e 24 de junho e palco de um confronto com policiais militares. Assim como constatado no laudo, da Unidade Regional de Perícia e Identificação de Ponta Porã, ela conta que teve os bens levados.

“Levaram tudo o que eu tinha, minha roupa. Tudo que eu tinha consegui trabalhando, mas daí levaram tudo, roupa, calçado, televisão”, lamentou. Ela ainda relata que o freezer foi quebrado e que teve alimentos e as galinhas que criava também levados pelos indígenas.

“Tô na rua, apoiada pelos amigos, não tenho mais nada agora”(sic), finaliza. A mulher vivia na casa azul, que foi ocupada pelos indígenas, e era arrendatária da fazenda. Diferente do que foi constatado pela perícia do MPF (Ministério Público Federal), o que dito pela moradora condiz com o registro da Perícia da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública).

Por questões de segurança, rosto e nome da mulher foram preservados.

Perícia constatou danos na sede da fazenda

Porta da sede da fazenda após a ocupação
Porta da sede – Foto: Divulgação/Perícia

Conforme informado pela Coordenadoria Geral de Perícias, com base no levantamento feito in loco, no dia da ocorrência da intervenção policial em , “foram observados e constatados danos de natureza estrutural nas portas de acesso em edificação sede da fazenda Borda da Mata, bem como ausência de moveis e utensílios domésticos em seu interior”.

Ainda de acordo com o laudo, foi constatado desalinho de materiais no galpão de implementos agrícolas e ainda corte de vegetação de árvores limítrofes da propriedade, para construção das barricadas que limitavam acesso de veículos ao local onde fica a sede da fazenda.

MPF afirma que não houve destruição

Conforme o MPF, foi feita perícia antropológica na área de conflito entre os dias 28 de junho e 4 de julho, dias após a ocupação e o confronto. O documento esclarece que a sede da fazenda onde os antigos caseiros estavam morando, a ‘casa azul', não foi depredada como repassado anteriormente. O relato era de que os indígenas teriam destruído o local e roubado pertences.

No entanto, para o MPF, a alegação não se sustenta. Fotos datadas de 27 de junho após a primeira retirada dos indígenas em confronto com policiais do , disponibilizadas pelos próprios moradores ao MPF, mostram o local sujo e revirado. Porém, objetos de valor não teriam sido roubados.

Ainda conforme o relatório, foi possível identificar que foram deixados no local equipamentos de pesca, bacias, botijão de gás, freezer, camas, colchões, poltronas, televisão e até uma nota de R$ 2. Naquele dia 27 de junho, os moradores retornaram ao local acompanhados da e buscaram os pertences que poderiam retirar.

Nas fotos tiradas pelo perito do MPF, em 1º de julho, dias após o segundo confronto com os policiais do Choque que acabou com a morte de Vitor Fernandes, a casa azul aparece com o interior limpo. Outros materiais que poderiam ser de valor para os indígenas ainda estão ali. Informações obtidas pelo MPF são de que, entre uma ação policial e outra, uma equipe de segurança particular passou a ocupar a ‘casa azul'.

Relato de ocupação e ameaças em fazenda

Nos dias dos confrontos, gerente administrativa da fazenda registrou boletim de ocorrência contra os indígenas. Conforme detalhado no registro, feito em 23 de junho como crime de esbulho possessório, os indígenas teriam ocupado a propriedade, que atualmente está arrendada para plantio de lavoura. Assim, policiais do Batalhão de Choque foram ao local e os indígenas acabaram saindo.

Os militares então também saíram da propriedade e os indígenas retornaram, já no início da manhã do dia seguinte. Ainda de acordo com a gerente, os indígenas estavam armados, teriam feito disparos dentro da fazenda e também ameaçado as pessoas no local. “Estão realizando vandalismo e dano no interior da fazenda”, diz o registro.

Enterro de Vitor Fernandes

No conflito, além de feridos, o indígena Vitor Fernandes de 42 anos acabou falecendo, ferido a tiros. Ele foi velado e enterrado na fazenda, após um acordo firmado entre indígenas e responsáveis pela propriedade.

Questionado sobre as acusações de crimes praticados na aldeia, que chegaram a gerar situação de conflito interno repassado a órgãos estaduais e federais, a liderança Avá Apyká Rendy alegou “Nós somos famílias, temos filhos, netos, somos pessoas de paz, somos pessoas do bem. Tanto do outro lado, da mesma forma que vocês são pessoas do bem, nós somos pessoas do bem”.

“Somos Kaiowá, Guarani, legítimos da região desde a existência dessas terras. Quero informar que neste momento, quem nos acusa está mal informado a nosso respeito”, disse.

Confronto foi registrado em um boletim de ocorrência

O boletim de ocorrência registrado na Delegacia de Polícia Civil de Amambai dá detalhes sobre o confronto, que aconteceu após uma segunda invasão na fazenda. A gerente administrativa chegou a registrar boletim de ocorrência, informando que os indígenas saíram do local após uma primeira ação da polícia, mas teriam retornado na noite de quinta-feira (23), armados.

Para a Polícia Militar, foi solicitado ao Batalhão de Choque um apoio pela 3ª CIPM (Companhia Independente da Polícia Militar), com a informação de que indígenas armados teriam rendido os caseiros da fazenda. Sob ameaças, eles teriam obrigado os moradores a saírem da propriedade rural, abandonando todos os pertences.

Filmagens mostravam a fazenda já depredada e com focos de incêndio. Em uma primeira incursão, os militares teriam escutado os rojões, que anunciavam aos indígenas a chegada da polícia ao local. Ainda de acordo com relato dos militares, eles viram os indígenas e teriam sido surpreendidos com gritos e objetos arremessados.

Os policiais então agiram com gás lacrimogêneo, dispersando o grupo. Depois, encontraram uma barricada, feita com árvores e troncos cortados. “Equipe foi surpreendida com uma sequência de disparos de arma de fogo, além de armas artesanais, pedras, paus e flechas”, diz o registro.

Os disparos atingiram as pernas dos três policiais militares do Choque, que foram socorridos e encaminhados ao . Os militares então atiraram, segundo eles disparos de munições de elastômero, além do gás lacrimogêneo.

Indígenas feridos também foram encaminhados ao hospital, já sob escolta. Segundo os militares, uma mulher chegou a apontar a arma para eles, que revidaram. Ela correu e teria abandonado a arma de fogo, que foi encontrada posteriormente durante o trabalho da Perícia na fazenda.

Indígenas foram presos em flagrante

Já na manhã do sábado (25), foi repassado para a polícia a informação de que uma suposta liderança indígena teria cooptado indígenas estrangeiros para praticarem ‘crimes de terror e invasões', sendo apontados como os responsáveis pela invasão à fazenda. Para isso, teriam sido adquiridas ao menos 5 armas de fogo.

Após o confronto, os suspeitos teriam fugido para a aldeia, levando as armas e os bens da fazenda. Durante o confronto na tarde da sexta-feira (24), helicóptero da Casa Civil sobrevoou a região, levando apoio policial. A aeronave foi recebida a tiros, sendo que dois disparos atingiram o helicóptero. Segundo os policiais militares, Vitor Fernandes era um dos indígenas que atirava contra a aeronave.

Com ele, segundo a polícia, foi apreendido um revólver calibre 38, com 6 munições deflagradas. Um homem de 51 anos ainda foi preso em ação filmada pelos indígenas. Ele portava um revólver calibre 22 e foi ferido a tiro de borracha após supostamente não obedecer ordem policial. Depois, foi preso e levado para a delegacia.

Em um carro, um Corsa, foram encontradas mais armas de fogo também apreendidas, sendo espingardas calibre 28 e uma de calibre desconhecido (cano brocado). Os feridos, a mulher de 22 anos, a de 63 anos, o homem de 31 e o de 51 anos, foram presos no hospital e levados para a delegacia.

Eles respondem pelos crimes de dano, violação de domicílio qualificada se praticada em período noturno ou emprego de arma ou por duas ou mais pessoas, homicídio tentado contra autoridade ou integrante da força nacional de segurança pública e também o porte ilegal de arma de fogo.

O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) se pronunciou, pedindo relaxamento da prisão de três indígenas e ainda a liberdade do indígena de 51 anos. Isso, porque todos negaram envolvimento com a invasão e o confronto, dizendo que apenas estavam naquela região quando foram feridos.

Por falta de provas do envolvimento, os pedidos foram acatados na audiência de custódia. Além deles, adolescentes de 12, 14, 16 e 17 anos também foram apreendidos e depois liberados.