Tecnologia aliada à busca crescente por segurança. Será o começo do fim da privacidade de cidadãos? Câmeras espalhadas por todos os cantos da cidade, vigilância 24 horas. É assim em 1984, o livro clássico de George Orwell que narra a vida de uma sociedade espiada, tal qual um BBB. Quando foi lançado, 1984 falava de uma sociedade distópica, ou seja, de um futuro distante e quase inimaginável, na prática. Mas, atualmente, a realidade é que vivemos sob os olhos de um “Grande Irmão”, inclusive em Campo Grande.
Sim, se você acha que está muito distante dos personagens do livro que inspirou o reality show Big Brother, saiba que não está: guardada as devidas proporções (na obra, nenhum cidadão podia ter pensamentos ou ideias diferentes da posição do governo local), campo-grandenses também estão em vigilância por câmeras de segurança, sejam as do poder público ou aquelas acopladas em muros de residências e comércios cidade afora.
Campo Grande, a Capital Morena, que celebra 123 anos no próximo dia 26 de agosto, já tem seu próprio BBB na região central da cidade, com 70 câmeras instaladas que vão da Avenida Fernando Côrrea da Costa até a Avenida Mato Grosso e da Afonso Pena, na Morada dos Baís, até a Rua Rui Barbosa onde fica a estátua de Manoel de Barros.
O perímetro vigiado pelas câmeras é de aproximadamente 4 quilômetros e a área total é de 868 mil metros quadrados. Nessa área, quase nada passa despercebido – inclusive aquela sujeirinha que você tira tranquilamente do nariz, achando que ninguém vê.

Sorria! Você está sendo vigiado
A vigilância no centro de videomonitoramento da guarda municipal é de 24 horas, e conta com 12 agentes por turnos. Pelas lentes das câmeras que giram 360º, os mais variados tipos de crimes já foram flagrados.
Só da venda de drogas, 163 pessoas já foram vistas cometendo este crime, de julho de 2021 até julho deste ano. Já o vandalismo levou 17 pessoas para a delegacia. Os furtos também figuram nessa lista, tanto de fios de cobre, de aparelhos de ar-condicionado de lojas e de tampas de bueiro – estes somaram 24 ocorrências. Em acidentes de trânsito que tiveram vítimas, foram 14 motoristas flagrados pelas câmeras.
É, mas situações inusitadas também já foram parar nas telas da sala de videomonitoramento.
Como o super-herói dos quadrinhos da Marvel, o homem-aranha, que levou um ‘puxão de orelha’ de agentes da guarda municipal quando, no dia 22 de dezembro de 2021, resolveu de madrugada trancar a Rua 14 de Julho para fazer uma performance e gravar um vídeo. No BBB de Campo Grande, também tem os “ousadinhos”, que fazem sexo no meio da rua, e claro, são enquadrados pelos agentes.
Aquela espiadinha
Achou pouco? Vem mais câmera por aí. Segundo titular da Sesdes (Secretaria Municipal de Segurança e Defesa Social), Valério Azambuja, até o fim de 2024, a previsão é da instalação de mais 250 câmeras, priorizando os bairros com maior concentração de moradores. Um custo que pode ultrapassar R$ 3 milhões, já que cada equipamento custa R$ 15 mil, com manutenção de R$ 5 mil por mês.
“Otimizamos o trabalho das forças de segurança, e assim, não preciso ter vários agentes na rua. Mais eficiência”, fala Azambuja.
Câmeras que ajudaram na solução de crimes
Fora do centro, no entanto, a vigilância também é forte. São as câmeras particulares, que acopladas nos imóveis residenciais ou comerciais, também fazem os registros, de crimes a acidentes. E não é incomum que essas imagens auxiliem o trabalho da polícia: o esclarecimento do assassinato da arquiteta Eliane Nogueira, em 2010, em Campo Grande, teve ajuda de câmeras de segurança que mostravam o ex-marido da arquiteta saindo de uma conveniência, na Avenida Três Barras.
Com as imagens foi possível ver quando Luiz Afonso (que foi preso pelo crime, mas já está em liberdade desde 2019, no Paraná) vai até o estabelecimento para comprar fósforos e cigarros. Na época, foi dito pelo dono da conveniência que Luiz ainda teria pedido álcool, mas acabou não levando.
Após a compra dos cigarros e fósforos, Luiz vai embora em direção ao carro onde estava o corpo de Eliane e depois de alguns minutos, segundo informações da época, ele volta, passa novamente na conveniência, compra uma cerveja e vai embora. As imagens foram essenciais para provar o envolvimento de Luiz no crime que, na época, chocou a cidade.
De 2010, pulamos 10 anos, para mais um crime que chocou a população campo-grandense pela brutalidade. E mais uma vez, câmeras de segurança ajudaram a traçar a linha temporal e provar a culpa de Clarice Silvestre pelo assassinato do chargista Marco Antônio. A vítima foi morta e esquartejada pela massagista e pelo filho, João Victor, em crime que aconteceu no dia 21 de novembro de 2020.
Com as imagens das câmeras de segurança, foi possível ver a chegada de Marco Antônio a casa da massagista, mas nunca a sua saída. Clarice foi a julgamento, no dia 2 de junho deste ano, condenada a 16 anos e 6 meses de prisão.
Mais um pulo temporal, desta vez, para o dia 28 de julho deste ano, chegamos a mais um crime equacionado com ajuda de câmeras de segurança. Nessa data, a cidade acompanhou o assassinato da pecuarista Andreia Aquino Flores, morta asfixiada dentro de sua casa, em um condomínio de luxo, no Bairro Chácara Cachoeira.
Os três acusados pela morte da pecuarista foram presos após as imagens obtidas do estacionamento de um supermercado ajudarem a polícia a concluir que uma farsa havia sido criada pelas duas funcionárias de Andreia. Neste mesmo caso, a propósito, outras imagens apreendidas em uma loja, no Bairro Tiradentes, mostraram as mulheres comprando um simulacro de arma, além de boné para o disfarce.
Quer dizer, em Campo Grande, são raros os pontos cegos e as imagens que registram silenciosamente os habitantes da Capital seguem a todo vapor. Melhor pensar duas vezes antes de cometer um crime. Ou de tirar uma sujeira do nariz.