O envolvimento de policiais militares com a “máfia dos cigarreiros”, esquema investigado há mais de 1 ano pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e que já conta com prisão de 21 militares no âmbito da operação Oiketikus, ia, supostamente, muito além de apenas aliviar a fiscalização aos carregamentos de cigarro contrabandeado. As investigações revelam que alguns policiais tentavam interferir nos atos do comando da PM, fazendo com que transferências e promoções de militares atendessem aos interesses do grupo.

Durante todo o processo de investigação, que contou com promotores do Gaeco e também informações repassadas pela Corregedoria da PM, descobriu-se um rol de pouco mais de 20 policiais que recebiam propina de até R$ 100 mil mensais para fazer “vista grossa” ao cigarro contrabandeado. Desse grupo, alguns se destacavam, seja por ter um patrimônio financeiro muito maior do que os salários da corporação pudessem custear, ou então por se mostrarem com boa influência nos atos administrativos da corporação, como é o caso das transferências.

Com mais de 200 páginas, o relatório da investigação do Gaeco que originou os pedidos de 20 prisões preventivas e busca e apreensão em 40 endereços revela trechos de conversas entre policiais supostamente envolvidos no esquema. Com autorização da Justiça para quebra do sigilo telefônico, os promotores tiveram acesso a conversas comprometedoras.

Em uma delas, de fevereiro deste ano, dois tenentes-coronéis da PM falam sobre a dificuldade que estavam enfrentando em fazer a transferência de um sargento que até então trabalhava em distrito da cidade de Caracol, no oeste de Mato Grosso do Sul, e que não integraria o esquema. A dificuldade, conforme a investigação, teria sido “inventada” pelos oficiais, já que a transferência do sargento já estaria acertada.

Em um trecho da ligação, um dos oficiais afirma que fará a troca e que teria informação privilegiada sobre a mudança. “Vai trocar de novo o ****, disse que agora é certeza o **** me falou. O **** tem informação lá de dentro do Governo, disse que agora vai sair de fato mesmo”.

Os oficiais conversam sobre uma abertura de sindicância contra o sargento que eles queriam que fosse transferido para outra região e detalham, ainda, nomes de outros policiais que estariam sendo cotados para assumir o comando da região. “Rapaz eu conheço o *** também, se ele ficar lá mais de quatro meses ele sai de lá preso”, afirma um dos policiais.

O Gaeco também investigou a atuação de um desses tenentes-coronéis na promoção de um sargento. Para os promotores, o tenente que na época comandava um batalhão da PM atuou para que outro policial supostamente integrante do esquema assumisse função de confiança em um distrito da cidade de Jardim.

“Em resumo, o tenente-coronel manteve em funções estratégicas dentro do Batalhão de Jardim, especificamente em funções de comandante do GPM (Guia Lopes da Laguna) e do GPM (Distrito de Boqueirão), ambas localidades com grande extensão rodoviária, por onde circulam grande quantidade de carretas e cigarros contrabandeados, os policiais que são integrantes da organização criminosa”, detalha o Gaeco.

Os promotores também enfatizam a participação de policiais de alta patente no esquema, que conseguiam facilitar o contrabando no Estado. “[…] geralmente as pessoas que tem autoridade sobre o controle de efetivo são aquelas que exercem função de comando, e que podem dentro de sua administração, tirar policiais da escala de serviço, determinar que tipo de policiamento deve ser realizado, bem como fazer transferência de policiais”.

Ainda de acordo com as investigações, o esquema que supostamente envolvia policiais estava ativo em duas regiões do Estado desde 2015. A primeira região chamada de Núcleo 1 compreendia as cidades de Bela Vista, Jardim, Guia Lopes e Bonito e o Núcleo 2, as cidades de Maracaju, Dourados, Naviraí, Mundo Novo, Iguatemi, Japorã e Eldorado.

Oiketikus: nova fase

Em nova fase deflagrada nesta quarta-feira (23) são cumpridos mandos de busca e apreensão e a ação conta com o apoio da Corregedoria, que só atua se houver algum flagrante durante o decorrer da ação. Por volta das 8h30, 12 pessoas chegaram ao Gaeco para prestar depoimento na 2ª fase da Operação Oiketikus.

Entre os 21 policiais militares presos na primeira fase, apenas um foi solto. O sargento Ricardo Campos Figueiredo, que era assessor especial na Secretaria de Governo – foi exonerado do cargo no dia seguinte à ação -, conseguiu um habeas corpus no sábado (19) e foi solto.

Policiais afastados

Todos os 21 policiais foram afastados e substituídos. De acordo com Comando Geral da Polícia Militar, as denúncias já eram investigadas pelas corregedorias da Polícia Militar, Civil e Federal. Concluídas, as investigações serão enviadas para o Ministério Público Estadual, Auditoria Militar Estadual ou Ministério Público Federal.

Foram presos durante a operação Admilson Cristaldo Barbosa, Luciano Espíndola da Silva, Ricardo Campos Figueiredo, Anderson Gonçalves de Souza, Angelucio Recaldi Paniagua, Aparecido Cristiano Fialho, Claudomiro de Goez Souza, Clayton de Azevedo, Elvio Barbosa Romeiro, Ivan da Silva, Van Edemilson Cabanhe, Jhondenei Aguilera, Lisberto Sevastião de Lima, Marcelo de Souza Lopes, Nazario da Silva, Nestor Bogado Filho, Nilson Procedônio Espíndola, Roni Lima Rios e Valdson Gomes de Pinho.

Vale lembrar que todos são, por enquanto, apenas investigados. Alguns casos possuem bastante indícios de envolvimento, e haveria situações de flagrante enriquecimento ilícito, mas o rumo das suspeitas ainda depende do trabalho investigativo que está sendo realizado pela Corregedoria e pelo Gaeco.