Justiça viu preconceito em e fará júri em São Paulo

Os brutais assassinatos dos policiais civis Rodrigo Pereira Lorenzatto e Ronilson Bartie completaram 11 anos no início deste mês. Conforme a denúncia que embasa processo em trâmite na Justiça Federal, eles foram executados no dia 1º de abril de 2006 com tiros disparados das próprias armas que haviam sido tomadas por índios num acampamento em Dourados, a 228 quilômetros de Campo Grande. Todos os cinco réus denunciados pelos crimes permanecem impunes e o julgamento pelo tribunal do júri foi desaforado para acontecer em São Paulo capital.

Advogado que atua na assistência da acusação oferecida pelo MPF (Ministério Público Federal), Maurício Rasslan lamenta a demora no trâmite desse processo e já prevê dificuldades para eventuais condenações. Isso porque, ao decidirem por unanimidade tirar de Dourados o julgamento, desembargadores da Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região avaliam haver preconceito contra índios em Mato Grosso do Sul e possível “parcialidade do corpo de jurados”.

“O desaforamento vai prejudicar a acusação porque em São Paulo capital eles acham que nossos índios são silvícolas, coitadinhos. Não têm conhecimento do que o índio da nossa região faz, do nível de aculturamento do índio na nossa região. Não sabem do estupro cometido ontem em Dourados e que o índio que praticou tem várias passagens pela polícia até por roubo à mão armada. O povo de São Paulo não vive isso, não tem o conhecimento disso como nosso povo tem”, disse Rasslan nesta terça-feira (4) ao Jornal Midiamax.

PASMACEIRA

O advogado lamenta que tudo esteja “na pasmaceira da Justiça Federal”, sem que haja qualquer definição sobre a data ou a vara na qual acontecerá o julgamento em território paulistano. “Não tem nem qual o juiz que vai presidir o júri”, afirma. A mais recente movimentação processual foi justamente o desaforamento determinado pelo TRF 3ª, em decisão proferida no dia 23 de agosto de 2016.

“Depois desse fato ocorrido em 2006, quando esses índios mataram os policiais, o Carlito de Oliveira, que é o chefe da quadrilha, voltou a ser preso por outro crime, receptação e posse de arma de fogo. Um outro deles, não me recordo de cabeça [Paulino Lopes], voltou a cometer crime na Aldeia de Caarapó, um latrocínio para roubar bicicleta, e está preso porque tomou 20 anos de prisão. Ezequiel Valensuela foi condenado a 5 anos por tráfico de drogas em Caarapó. Estão tirando os índios daqui como se fossem coitadinhos, são bandidos da pior espécie. Mataram os policiais com requintes de crueldade e voltaram a cometer crimes”, ressalta Rasslan.

PRECONCEITO

O advogado vai atuar como assistente da acusação, cujo responsável é o mesmo MPF que defenderá os réus, embora com procuradores diferentes. Mesmo o que atua como acusador foi favorável ao desaforamento, requerido pelos defensores sob o argumento de que “os integrantes da sociedade de Dourados adquiriram, ao longo dos anos, um preconceito social grave contra os índios que entre eles ou perto deles vivem”, e que “tal fato decorre desde o estranhamento puramente cultural até a luta e os graves conflitos fundiários que se estabeleceram em todo o Estado do Mato Grosso do Sul”.

Rasslan discorda. “Preconceito não, nós sabemos o que está acontecendo. Não temos pré-conceito, temos conceito porque a gente sabe o que está acontecendo. Eu vou lá e falar a verdade, sou nascido aqui, meu pai é nascido aqui, conheço o Carlito há muitos e muitos anos, desde a época que ele cometia crimes na Reserva Indígena de Dourados. Não vou usar laudos antropológicos, teóricos, de antropólogos do MPF, vou falar o que eu vejo”, disparou o advogado.

DENUNCIADOS

Nesse processo, que teve origem na 1ª Vara Federal de Dourados, figuram como réus Carlito de Oliveira, Ezequiel Valensuela, Jair Aquino Fernandes, Lindomar Brites de Oliveira, e Paulino Lopes. Todos foram denunciados por participação no crime bárbaro ocorrido por volta das 16h30 do dia 1º de abril de 2006, na rodovia MS-156, entre a cidade de Dourados e distrito de Porto Cambira, em frente ao acampamento indígena “Passo Piraju”.

Conforme a denúncia apresentada à época, os investigadores do 1º DP (Distrito Policial) Rodrigo Pereira Lorenzatto, então com 36 anos, Ronilson Bartie, com 26 anos,  e Emerson Gadani, 33 anos, procuravam um foragido da Justiça que estaria escondido em meio aos índios desaldeados de Porto Cambira.

O veículo descaracterizado da Polícia Civil foi abordado pelos índios, que tomaram as armas dos policiais e executaram com extrema brutalidade, a tiros e golpes de faca, Rodrigo e Ronilson. Ferido, Emerson Gadani fingiu-se de morto e conseguiu ser socorrido. Ele deixou a ativa por causa do trauma.

*Matéria editada para correção de informação. Ao contrário do que foi noticiado originalmente, os assassinatos ocorreram há 11 anos e não há 12 anos.