Guarda Compartilhada: o desafio da real divisão de responsabilidades
Jakeline Luz Rodrigues
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A Lei da Guarda Compartilhada no Brasil (Lei nº 13.058), promulgada em 22 de dezembro de 2014, completou uma década no ano passado, momento oportuno para uma análise crítica de sua efetividade no cotidiano das famílias brasileiras. Segundo dados do IBGE, enquanto decisões favoráveis em 2014 eram de 7,5%, hoje já são 37,8% dos casos.
Maria Berenice Dias, renomada jurista do Direito das Famílias, defende: “A guarda conjunta garante, de forma efetiva, a permanência da vinculação mais estrita de ambos os pais na formação e educação do filho, que a simples visitação não dá espaço. O compartilhar da guarda é o reflexo mais fiel do que se entende por poder familiar. A participação no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva à pluralização das responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos.”
Em recentes decisões, os Tribunais de Justiça pelo país têm reconhecido um fenômeno até então invisível aos olhos da lei: a sobrecarga desproporcional de responsabilidades que ainda recai sobre as mães, mesmo sob o regime de guarda compartilhada. Este entendimento fortaleceu-se com a inovação significativa estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio da Resolução nº 487, que instituiu o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Este documento orienta magistrados a considerarem, em suas decisões, as desigualdades estruturais entre homens e mulheres, bem como as diversas formas de violência que elas enfrentam.
Para ilustrar essa realidade da sobrecarga maternal, apresento um caso real do meu escritório (nomes alterados para preservar a identidade dos envolvidos): Maria, profissional da área de marketing, que divide a guarda do filho Pedro, de oito anos, com seu ex-cônjuge. Apesar do acordo formal de compartilhamento, é ela quem gerencia a rotina escolar, agenda médica, atividades extracurriculares e necessidades diárias da criança. “Não é só estar presente fisicamente, é pensar constantemente em tudo”, relata.
O chamado “trabalho invisível” vai muito além das tarefas aparentes. Inclui a gestão mental do planejamento, as decisões sobre vestuário adequado às estações, a coordenação de compromissos sociais, o acompanhamento do desenvolvimento escolar e a administração da vida social da criança. Esta sobrecarga tem impacto direto na vida profissional. Enquanto muitas mães precisam adequar suas carreiras à disponibilidade que a criação dos filhos exige, diversos pais mantêm maior flexibilidade para investir em suas carreiras, mesmo sob o regime de guarda compartilhada.
Diante dessa realidade, algumas medidas têm-se mostrado eficientes na busca por equilibrar as responsabilidades: elaboração de planilhas detalhadas de tarefas, estabelecimento de protocolos de comunicação claros e, quando necessário, acompanhamento profissional para mediar a distribuição das atividades parentais.
Com base nessas e outras iniciativas, a verdadeira evolução da guarda compartilhada depende do reconhecimento e da valorização do trabalho invisível. Só assim poderemos caminhar para uma corresponsabilidade parental efetiva, que beneficie não apenas os filhos, mas também permita desenvolvimento pessoal e profissional igualitário para ambos os genitores.
É fundamental destacar que os tribunais, ao aplicarem a perspectiva de gênero em suas decisões, têm considerado o trabalho invisível das mães como elemento importante na fixação dos alimentos. Este entendimento reconhece que o tempo e a energia dedicados a estas tarefas impactam diretamente a capacidade laborativa e o desenvolvimento profissional das mulheres, devendo ser considerados na quantificação da pensão alimentícia.
Para que a guarda compartilhada ultrapasse o papel e torne-se realidade, é necessário um esforço conjunto da sociedade, do Judiciário e, principalmente, dos pais. Afinal, compartilhar a criação dos filhos vai muito além da divisão do tempo: significa dividir verdadeiramente todas as responsabilidades, visíveis e invisíveis, que a parentalidade impõe.
Por Jakeline Luz Rodrigues
Advogada Especializada em Direito das Famílias, com ênfase em Direito das Mulheres
Instagram: @advogadajakelineluz
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