O patriarcalismo acuado
Valter Pereira

Não é de hoje que o inquérito das fake news  provoca azia no Presidente Jair Bolsonaro, que ainda padece da indigestão causada pela exibição do vídeo da reunião palaciana de  22 de abril.

A divulgação do evento, além de ter comprovado o intento não republicano do chefe do Governo, de interferir na Policia Federal para obter informações privilegiadas, explicitou o motivo de seu inconformismo sem meias palavras, mas em meio a palavrões: “Pô, eu tenho a PF que não me dá informações” … Já tentei trocar gente da segurança nossa no , oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar fu… a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.”

O fato é que as investigações das fake news estão encontrando rastros da família presidencial, inclusive de filhos do Presidente, que estariam envolvidos até o pescoço na disseminação de noticias falsas, desde a campanha presidencial. O pior é que a rapaziada se empolgou tanto com os resultados das armas digitais, que acabou instalando a expertise eleitoral dentro do Palácio do Planalto – ao que parece, sob a batuta do único Vereador “federal” do Brasil, , o filho 02.

E ao incluir ataques a dissidentes do espectro palaciano, que logo batizaram  o centro operacional de “Gabinete do Ódio”,  as investigações ganharam maior robustez com denúncias acrescentadas pelos antigos convivas. Assim, o que parecia mero esperneio da oposição, tornou-se risco em potencial de transtornos imponderáveis para o Presidente, familiares e amigos da corte.

O crescente estresse do chefe do governo resulta desse embaraço da família com a lei, e seu destempero verborrágico visa intimidar autoridades que investigam não só a ação perniciosa das chamadas milícias digitais, como também, a prática das denominadas “rachadinhas” na Assembleia do Rio de Janeiro, por suposto envolvimento do Senador Flávio Bolsonaro, o filho 01, quando era Deputado Estadual naquele Estado.

Esta inquietação, o Presidente não conseguia dissimular mesmo antes de esgotar sua tolerância com o ex-Ministro da Justiça: “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio”.  Assim, entre ter a Policia Federal próxima e perder de vista quem era a vitrine de seu governo, Bolsonaro não vacilou: “a família acima de tudo, Moro distante de todos!”

A polêmica reunião do dia 22 de abril apenas confirmou que o interesse maior do governo é a família e os amigos. Nem a pandemia do Covid-19 foi capaz de tirar esse foco.

Aliás, desde os primórdios do seu mandato, o “mito” nunca escondeu sua prioridade patriarcal:  quem não se lembra da frustrada indicação do filho 03, Eduardo Bolsonaro, à principal embaixada do Brasil e da justificava tola de sua aptidão para o cargo: ter participado de intercâmbio escolar nos Estados Unidos onde teria aprendido fazer hambúrguer?

O fato é que o governante está confundindo a administração pública com a gestão de seus conflitos pessoais em flagrante prejuízo aos interesses do País.

Assim crescem as incertezas criadas pelo governo patriarcalista e suas expressões de desapego ao ordenamento jurídico e à sorte da população.

A recente ameaça de descumprir ordem judicial e a instigação ao armamentismo da sociedade para lutas políticas, por parte do Presidente Bolsonaro, são incitações perigosas que instigam à desordem, assim como a defesa de fake news  como direito de comunicação e expressão, vez que a disseminação de noticias falsas é crime odioso que requer apuração e punição.

Gerando mais instabilidade, o deputado Eduardo Bolsonaro anunciou a aproximação do “momento de ruptura” das instituições. Tal declaração pode ser apenas um blefe intimidatório,  a fim de frear as incômodas investigações. Ou seria mera cortina de fumaça para aferir a viabilidade de pretenso golpe?

Se age para constranger a justiça, peca porquanto a magistratura se mantém altiva e consciente de seus deveres enquanto instituição republicana e democrática. É o que sinaliza, mais uma vez, o destemido ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao encaminhar notícia-crime ao procurador-geral da República pedindo investigação contra o deputado Eduardo Bolsonaro  por incitação a ordem política e social.

Se a intensão é saber o ânimo da tropa para eventual aventura é bom perpassar a história para saber que levantes havidos anteriormente não se destinaram à blindagem de gente enrascada em malfeitos e temerosas da persecução criminal. Ademais, a atual conjuntura internacional é infinitamente mais arriscada para esse tipo de aventura. Afinal, seria até temeridade imaginar que a cúpula militar do país se guiaria pela cabeça desvairada de alguém que deixou a caserna em razão de desatinos na vida castrense.

De qualquer forma, as instituições democráticas e os segmentos conscientes dos valores da liberdade não podem ficar alheios aos ataques contra a única forma civilizada de poder: a democracia! Até porque as agressões a democracia estão se agravando no momento em que a sociedade está fragilizada com a pandemia, o que reduz sua capacidade de reação.  Mesmo assim é oportuno lembrar antiga lição da conservadora União Democrática Nacional-UDN dos velhos tempos: “o preço da liberdade é a eterna vigilância!”.

 


Valter Pereira é , Ex- e Constituinte de 1988, Ex-Senador da República