Imigrante vira vice-presidente de banco após limpar privadas
Antes e depois: Ferreira quando chegou ao Reino Unido há 12 anos
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Antes e depois: Ferreira quando chegou ao Reino Unido há 12 anos
Há 12 anos, no banco de um parque em Londres, o sorocabano Fabiano Ferreira sentou e chorou compulsivamente. As lágrimas só foram interrompidas com o acalento da voz da mãe, do outro da linha ─ e do oceano Atlântico. Foram menos de dez minutos de conversa no celular pré-pago, o suficiente para assegurar sua volta por cima.
Era o 44º dia de uma estada na capital britânica, que poderia terminar na manhã seguinte, quando estava marcado seu voo de retorno ao Brasil. Mas Ferreira não pegou o avião de volta. Optou, em vez disso, por enfrentar a saudade da família e as dificuldades da vida de imigrante para um novo começo longe do país natal.
Ferreira tinha vindo para Londres para fazer um curso. Conta ter abdicado do carro de luxo, do apartamento em um bairro chique de São Paulo e do emprego em uma consultoria de investimentos. Apesar de ter concluído duas graduações e uma pós no Brasil, não conseguia trabalho no Reino Unido. “Não me chamavam nem para servir café”, confessa.
Para não gastar as economias, decidiu limpar privadas e trabalhar como garçom em um restaurante. Hoje, é vice-presidente de um dos principais bancos da Inglaterra e não pensa em voltar para o Brasil.
Ferreira tem o perfil do imigrante brasileiro traçado pelo estudo Diversidades de Oportunidades: [email protected] no Reino Unido, 2013-2014, do Grupo de Estudos Sobre Brasileiros no Reino Unido (GEB): aquele que, com nível educacional mais alto, decide emigrar não mais apenas atrás de dinheiro, mas de uma “experiência de vida”, ainda que, em muitos casos, isso represente momentaneamente cair algumas posições na pirâmide social. Além disso, está mais enraizado e integrado à sociedade britânica, e não tem previsão de retorno ao Brasil.
Entre as razões apontadas para essa mudança de perfil, segundo o estudo, estão a ascensão da classe C no Brasil e um controle de imigração mais rígido por parte do governo britânico.
“O imigrante sem educação formal que vem para o Reino Unido para trabalhar por um tempo, ganhar dinheiro e depois voltar ao Brasil ainda existe, mas nosso estudo mostra que ele já não é mais maioria”, afirmou Ana Souza, professora da Universidade Oxford Brookes e uma das autoras da pesquisa.
Ferreira deu o seguinte depoimento à BBC Brasil:
“Em 2003, eu tinha 28 anos e um emprego que me proporcionava privilégios atípicos para a minha idade: dirigia carro importado, morava sozinho em um apartamento em um bairro chique de São Paulo e já tinha morado fora, nos Estados Unidos”, conta Fabiano.
Mas trabalhava muito, de 14 a 16 horas por dia. O trânsito infernal de São Paulo me massacrava. Algo estava errado na minha vida ─ e eu precisava de um tempo para mim.
Foi quando decidi fazer um curso de finanças em Londres. Queria ir para Boston (EUA), onde já havia morado a trabalho, mas acabei escolhendo o Reino Unido pela facilidade do visto. Como tenho passaporte europeu, herança dos meus avós portugueses, poderia permanecer aqui o tempo que quisesse.
Mas a vida aqui é cara, especialmente por causa da diferença do câmbio. Comecei a buscar emprego para não me descapitalizar. Com duas graduações e uma pós-graduação no currículo, todas em universidades de renome no Brasil, não achei que seria difícil. Estava bem confiante. E, de certa forma, até arrogante. Mas não fui chamado nem para servir café.
Consegui um emprego como garçom em um restaurante no condado onde morava. Ali também limpava privadas. Trabalhava dez horas por dia. O restaurante ficava a 21 km da minha casa. Para economizar, ia e voltava de bicicleta. Foi minha primeira compra. Paguei 20 libras por ela. Eram 42 km todos os dias, o equivalente a uma maratona. O pior era no inverno: pedalar na neve é horrível.
O curso duraria nove meses, mas eu tinha uma passagem para voltar ao Brasil 45 dias depois da minha chegada. Na véspera da data de partida, lembro que fui até o Green Park (parque londrino), sentei em um banco e comecei a chorar compulsivamente. Liguei para a minha mãe. Na época, meu celular era pré-pago e só tinha um crédito de 5 libras, o que daria para, no máximo, 10 minutos de conversa.
Nos primeiros minutos, ela mal me entendia. Eu chorava e soluçava sem parar. Dizia não entender como alguém com meu currículo não era chamado para nenhuma entrevista e tinha de se submeter a limpar privadas. Me perguntava se eu não era inteligente o bastante. Não estava conseguindo vencer aquele desafio.
Foi então que ela me disse: “Filho, se você quiser voltar, vamos recebê-lo de braços abertos. Mas você será feliz?”.
Quando desliguei, disse a mim mesmo que não voltaria. Eu venceria aquele desafio. Em vez de chorar todos os dias, passei a chorar menos. E a dar tempo ao tempo. A paciência foi uma virtude. Tive de criar meu nome do zero. Não tinha referências aqui e ninguém conhecia o meu trabalho. Quem era Fabiano Ferreira? Eu era um nada.
Foi quando, ao final do curso, participei de uma feira de empregos. Preenchi uma ficha e logo me chamaram para uma entrevista em um banco escocês. Aos poucos, fui sendo promovido. Nesse ínterim, também fiz um mestrado em uma universidade de primeira linha do Reino Unido.
Quando completei dez anos no banco, em 2013, tomei a decisão de voltar para o Brasil. Já estava casado com uma escocesa, que havia conhecido alguns anos antes.
Mas minha irmã, que mora no Brasil, foi diagnosticada com um tumor no cérebro e o tratamento seria realizado na França. Abortei meus planos. Ela se recuperou da cirurgia e, algum tempo depois, minha esposa ficou grávida de nossa primeira filha.
Coincidentemente, estava participando de um processo seletivo para a posição de vice-presidente de um banco inglês. Não imaginava que seria aprovado, mas fui. E desde então desempenho essa função. Não penso mais em voltar para o Brasil. Ainda mais agora com todas essas denúncias de corrupção.
Paralelamente ao meu trabalho no banco, sou membro do comitê-diretor da Associação Brasileira de Iniciativas Educacionais no Reino Unido (Abrir). Também faço trabalho voluntário. Já dei aulas de judô para crianças órfãs, fiz feijoada para pobres nas ruas e fui membro da fundação do Príncipe Charles ─ onde ajudei a jovens que saíram da prisão a voltar ao mercado de trabalho.
Acho extremamente importante dar de voltar à sociedade o que você recebeu dela. Como integrante da Abrir, é muito gratificante saber que estamos ajudando pais, crianças e jovens imigrantes ─ que se mudaram para cá ou nasceram aqui no Reino Unido ─ a continuar (ou até mesmo começar) a falar a língua portuguesa. Nunca podemos esquecer de onde viemos. E eu tenho orgulho de ser brasileiro.
Nunca conseguiria chegar aonde cheguei sem o apoio da minha família. Todos foram muito importantes nessa caminhada. Mas eu aprendi muito também. Aprendi a não desistir. Aprendi ser perseverante. Aprendi, sobretudo, a ser humilde.
Também aprendi muito sobre igualdade. E quando vou de férias ao Brasil imagino o quão difícil seja para alguém que nasceu pobre ascender socialmente. A sociedade, muitas vezes, não deixa essa pessoa “subir de vida”. Nem sempre depende só dela.
Quando olho para trás e vejo aonde cheguei, não tenho como não me emocionar. Só eu sei quanto suor, quanto sangue e quantas lágrimas derramei”.
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