Mesmo com lei que proíbe, fogos de artifício barulhentos preocupam moradores de Campo Grande
Famílias com pets e autistas cobram fiscalização durante as festas de fim de ano em MS
Taís Wölfert –
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As comemorações de fim de ano tendem a render boas histórias de amigos e familiares. A empolgação é certa e algumas pessoas têm costume de soltar fogos de artifícios e rojões, mas mesmo com uma lei municipal que proíbe a soltura de fogos com barulhos em Campo Grande, isso continua acontecendo. A atitude impacta a vida de outras pessoas, entre elas autistas, idosos, acamados e animais de estimação.
Pets
Os animais têm a audição mais sensível que a dos seres humanos e, por vezes, sentem-se amedrontados com o barulho dos fogos de artifício e rojões. A professora aposentada Rejane Carvalho é tutora de uma cadela de porte pequeno, Fiona, e de uma de porte grande, Laika, a menor que medo de fogos e derivados. Ela conta que recentemente teve que desembolsar R$ 1,4 mil para uma cirurgia na pata traseira da cadela, em decorrência de um machucado causado pelo desespero com o barulho de um rojão.
“Ao ouvir o som dos rojões, a Fiona pulou pelo quadradinho da janela da porta da frente, antes mesmo que pudéssemos abrir a porta para ela entrar, já que, naquele momento, nem esperávamos que houvesse rojões. Esse ato (…) fez com que ela quebrasse a unha de um dedinho da pata direita traseira”.
Na ocasião, o chão da sala ficou bastante ensanguentado e o animal gemia de dor sem poder apoiar a patinha no chão. Ao conduzi-la para atendimento veterinário, foi constatado que Fiona necessitava fazer uma pequena cirurgia na qual estaria envolvido a anestesia no valor total de R$1,1 mil. “Dinheiro que nenhum desses seres que comemoram qualquer coisinha soltando rojões vai me restituir. Com certeza nem o dinheiro, nem a saúde da Fiona” complementa Rejane.
Problemas
A professora Ana Lucia têm dois cachorros, um macho de porte grande e uma fêmea de porte pequeno. Ambos têm medo de fogos, mas suas reações são diferentes. O macho, Koda, fica dentro de casa chorando e não gosta que outras pessoas além da professora e sua filha mais nova cheguem perto. Já a fêmea, Lilo, têm sintomas semelhantes a uma crise de ansiedade.
“O coração dela dispara, tenta se esconder debaixo de mesas, camas, se ela estiver no colo, ela escala, tenta fugir, corre como louca pela casa a cada explosão. Ela fica com a boca seca, ofegante. É horrível!” explica Ana.
Lilo, assim como Fiona, já machucou a pata na tentativa de fugir dos barulhos. E depois de tantas tentativas para acalmar os pets, a que mais funcionou foi colocar música calmante própria para cães.
Seres humanos também são sensíveis aos barulhos estridentes
Não são apenas animais que se incomodam com esses barulhos decorrente dos fogos de artifício. Rejane é mãe de três filhos e diz que a mais nova, desde criança, sempre teve medo de fogos.
O estudante Douglas de Luca é outro caso de uma pessoa que se incomoda com tais barulhos. Douglas é autista e afirma que se sente enjoado e com dores de cabeça. “Sinto-me mal devido os barulho serem bem altos e causarem crises de ansiedade por me deixarem em um estado de alerta e apreensão. Por conta de serem barulhos altos, eu me sinto enjoado e com dores de cabeça”.
Para tentar aliviar os sintomas, Douglas recorre a protetores auriculares e tenta passar as festas de fim de ano em locais menos movimentados. E como tutor de pets, ele tenta acalmá-los da maneira que for possível.
Indicações
O veterinário Diogo Helney alerta que os animais que já possuem condições de saúde, como cardiopatias e neuropatias, podem ter convulsões durante a queima de fogos, aumentando o risco de complicações. Ele dá dicas para os tutores tentarem minimizar os efeitos do barulho dos fogos. São elas:
- Ambiente Seguro: Durante o período das festividades, mantenha os animais dentro de casa, em um local tranquilo e confortável, longe de janelas e portas, onde o barulho é mais intenso.
- Espaço Aconchegante: Crie um espaço acolhedor para seus pets, com a cama deles, brinquedos e uma peça de roupa que tenha o seu cheiro, proporcionando um ambiente reconfortante.
- Isolamento Sonoro: Feche janelas e portas para ajudar a abafar os ruídos externos. O uso de abafadores auriculares, como algodão, pode ser uma opção que ajuda a reduzir a intensidade dos sons. Lembre-se de removê-los ao final.
- Música Relaxante: Colocar música suave ou utilizar um ventilador pode ajudar a abafar os sons dos fogos e acalmar os animais.
“Além dessas medidas, alguns tutores recorrem a produtos naturais que podem ser encontrados em petshops, como sprays ou suplementos à base de ervas, homeopatia, florais e feromônios também podem ser otimizados. Em casos extremos alguns animais podem ser medicados com calmantes/sedativos, nunca sem consultar um médico veterinário para obter orientações específicas para o seu animal” complementa o veterinário.
Sozinhos
Algumas famílias passam as festas fora de casa, e aquelas que possuem pets é necessário ter atenção a mais em alguns aspectos para deixar o momento mais confortável para os bichinhos.
- Preparação do Ambiente: Escolha um cômodo seguro e confortável, onde o animal se sinta à vontade. Remova objetos que possam ser perigosos ou que o animal possa destruir. Coloque a cama ou um espaço aconchegante, além de alguns brinquedos para distração.
- Conforto Sonoro: Deixe a televisão ou o rádio ligado em um volume moderado, para ajudar a abafar o som dos fogos de artifício.
- Alimentação e Hidratação: Certifique-se de que o animal tenha acesso à água fresca e, se necessário, a ração. Evite dar alimentos novos para não causar desconforto.
- Enriquecimento Ambiental: Deixe brinquedos interativos que possam manter o animal ocupado durante a ausência do tutor. Brinquedos que liberam petiscos ou jogos de esconder comida podem ajudar a distrair e entreter.
- Rede de apoio: Se possível, considere pedir a um amigo, familiar ou vizinho para ficar com o animal ou visitá-lo durante as festividades para assegurar que ele esteja bem.
- Identificação: Garanta que o animal tenha um colar com identificação, caso ele fuja ou se perca. Um microchip é uma opção adicional para aumentar a segurança.
- Consulte um Médico Veterinário: Se o animal tem histórico de estresse intenso ou reações desagradáveis durante festas, consulte um veterinário. Eles podem recomendar medicamentos calmantes para administrar antes das festividades, caso necessário.
Animais silvestres
Quem acha que os fogos não afetam outros animais, além dos domésticos, está enganado. O biólogo Ailton Oliveira explica que principalmente os felinos têm a audição como um dos sentidos mais importante, isso os torna bem sensíveis aos barulhos da queima de fogos.
“Animais felinos, sejam silvestres ou de áreas florestais/selvagem, tem na audição um dos principais sentidos para caçar, se defender, perceber variações de temperatura, umidade, materiais dispersos no ar…. Logo são sensíveis a barulhos. As explosões causadas pelos fogos geram reações comportamentais diversas como fuga, desorientação, ansiedade e estresse”, conta Ailton.
Essa desorientação e estresse podem causar acidentes nas localidades em que vivem esses animais. Para os moradores de áreas florestais, o biólogo sugere o uso de drones, pois além de não fazerem barulho e darem um efeito visual, eles também não poluem o ar.
Lei proíbe fogos barulhentos
Campo Grande possui uma Lei Municipal, a Lei Complementar nº 783/21 que proíbe a soltura de fogos de artifício com estampido no perímetro urbano da Capital. Para denunciar a soltura de fogos em locais não permitidos é preciso entrar em contato com a Guarda Municipal, no disque-denúncia 153 ou com a Polícia Militar, pelo 190.
Em 30 de outubro de 2024, foi aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) o PL 5/2022, em 27 de novembro, o PL foi remetido para a Câmara de Vereadores e aguarda votação. O projeto de lei propõe a proibição da fabricação, armazenamento, comercialização e uso de fogos de artifício que produzam barulho acima de 70 decibéis.
O PL 5/2022 ainda prevê multa com valor entre R$ 2,5 mil e R$ 50 mil. Para empresas que fabricarem ou comercializarem os fogos de estampido, a multa vai de 5% até 20% do faturamento bruto do último exercício fiscal.
Empatia
A aposentada Rejane conta que há mais de 30 anos houve outro caso triste em sua família gerado pelos fogos. “No dia 31 de dezembro, Kelly, a cachorra de porte médio adotada por minha tia, pulou a janela vasculante da cozinha. Ao chegar em casa a família encontrou a janela quebrada, o vidro estilhaçado pelo chão e o pescoço da cachorra todo cortado. Foi uma cena lastimável e nos fez correr ao veterinário para socorrê-la”.
Ela pede que as pessoas pensem no outro durante as comemorações. “Se o problema é a falta de consideração em relação aos animais, vamos pensar que muitas crianças e muitas pessoas do espectro autista também são agredidas por esse tipo de barulho e ao invés de comemoração, torna, muitas vezes, as festas de final de ano trágicas”.
Douglas acredita que mesmo sendo clichê a empatia é necessária. “Certas coisas podem ser desfrutadas por todos sem causar problemas para outros e para o ambiente. Um pouco de empatia para com o próximo pode ser um clichê, mas é apenas o melhor para uma sociedade melhor”.
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