Dom Pedro II militante, aspirante à médica imponente e uma condessa de Barral empoderada: todos lacradores. As figuras principais de “Nos Tempos do Imperador” não cativaram o público estabelecido na faixa das 18 horas em seu primeiro mês no ar. Até agora, a trama não conseguiu fazer a audiência comprar os personagens e apresenta uma história que não mostra a que veio, parecendo apenas uma homenagem cega à Dom Pedro II e um espetáculo para criticar e mandar indiretas ao atual governo do Brasil.

Marcado pela fantasia e pelo romantismo, o horário das seis da tarde foi invadido por uma história idealista, da época da escravidão, com figuras ácidas e inflamadas — politicamente falando. Em 2006, quando produziu o remake de “Sinhá Moça”, a emissora realizou uma trama parecida, mas sem descambar para a militância, sendo idealista na medida certa para o público acreditar e gostar dos personagens.

Débora Falabella e Danton Melo protagonizaram "Sinhá Moça", novela idealista que obteve sucesso ao retratar o mesmo período de "Nos Tempos do Imperador"
Débora Falabella e Danton Melo protagonizaram “Sinhá Moça”, novela idealista que obteve sucesso ao retratar o mesmo período de “Nos Tempos do Imperador”

Diferente de “Nos Tempos do Imperador”, “Sinhá Moça” tinha figuras mais condizentes com sua época e não militantes do século XXI vestidos com roupas de mil oitocentos e pouco. A característica da militância em personagens de outros tempos se fez presente em “Novo Mundo” (2017), novela dos mesmos autores de “Nos Tempos do Imperador”, mas de forma menos escrachada, excessiva e apelativa como na atual novela das seis.

“Novo Mundo” foi um fenômeno, apresentando todos os elementos necessários para fazer sucesso às 18 horas, e até mais. “Nos Tempos do Imperador” fracassa ao não conversar com o público do horário, mostrando uma história de época em que todos que não são “do mal” agem como militantes da atualidade. Como se isso fosse possível.

"Novo Mundo" deu certo por apresentar um Dom Pedro II muito próximo do que ele realmente foi
“Novo Mundo” deu certo por apresentar um Dom Pedro II muito próximo do que ele realmente foi

Palco de panfletagem e crítica política, o folhetim já soltou várias indiretas ao governo, exibindo personagens pronunciando “ele não” com ênfase e outros recados como “o Brasil jamais vai se render a um ditador”. Em quase todos os capítulos, há alguma frase disfarçada (ou não) para o presidente. 

Pior de tudo

Mas, o principal problema de “Nos Tempos do Imperador”, está na aposta de uma trama principal em que os protagonistas são amantes e a mulher traída não é uma megera, mas sim uma figura tão boa ou melhor que a amante.

Os autores, claramente devotos de Dom Pedro II, montaram um imperador digno de aplausos, sem defeitos, muito romântico e preocupado. O texto chega a cansar pela idolatria com o personagem histórico do Brasil.

Ao colocarem o mesmo apaixonado por uma mulher casada, a condessa de Barral (Mariana Ximenes), e traindo sua esposa Teresa Cristina (Letícia Sabatela), tal como aconteceu de fato no passado, segundo registros históricos, os escritores da obra desmontam a própria construção do imperial.

Casal principal causa repulsa e não desperta torcida da audiência (Foto: TV Globo)
Casal principal causa repulsa e não desperta torcida da audiência (Foto: TV Globo)

Para o telespectador do horário das seis, relação de amantes entre protagonistas é algo inadmissível. Exceto se a pessoa traída for a vilã ou uma “jararaca”, o que não é o caso da imperatriz Teresa Cristina — apresentada como pura, bondosa, cuidadosa e carinhosa. Nesse caso, quando o principal é entre Dom Pedro II e a amante condessa de Barral, a condessa passa a ser refutada, já que a esposa oficial é uma pessoa “boa demais para ser traída”.

Sem contar as personalidades das mulheres de Dom Pedro: enquanto Teresa é mais tradicional, Luísa, a condessa, se apresenta com imponência e serve como ferramenta para a divulgação do feminismo. Com um telespectador mais conservador assistindo à faixa, a condessa de Barral termina por ser ainda menos aceita, assim como Dom Pedro II, por sua “leviandade” ao trair a esposa.

Público se compadece com esposa traída e não compra a história entre os amantes que a traem (Foto: TV Globo)
Público se compadece com esposa traída e não compra a história entre os amantes que a traem (Foto: TV Globo)

O resultado da narrativa desastrosa, audaciosa e imprópria para o horário de exibição, é uma audiência catastrófica, uma das piores da faixa em todos os tempos, desde o primeiro capítulo. Uma minissérie, talvez, funcionaria melhor do que uma telenovela às seis da tarde, que tem um perfil de audiência, praticamente imutável, definido há décadas.

Do jeito que é, “Nos Tempos do Imperador” agrada ao público de internet, jovens que não assistem televisão, mas acompanham trechos pelas plataformas de streaming e comentam no Twitter. Já está mais do que provado que essa galera endeusa e idolatra esse tipo de obra (que repete comportamentos dos quais são simpatizantes), mas não resulta em audiência porque não tem o hábito de ver TV diariamente, muito menos os folhetins. Eles gostam de ver “lacração” e é isso que aplaudem, mas o telespectador do horário curte acompanhar uma história, preferencialmente, bonita e florida.

Apesar de ser ficção e não ter compromisso com a realidade, espera-se que um folhetim de época reproduza minimamente os comportamentos tais como eles eram no tempo retratado. Em “Nos Tempos do Imperador”, só os vilões agem como pessoas de mil oitocentos e pouco, todo o resto vive num universo paralelo do século XXI.

Samuel e Pilar, outro casal principal, também não desperta torcida do público. Ácidos demais, eles não conquistaram a audiência (Foto: TV Globo)
Samuel e Pilar, outro casal principal, também não desperta torcida do público. Ácidos demais, eles não conquistaram a audiência (Foto: TV Globo)

Como previu o Jornal Midiamax, desde a estreia desastrosa no dia 9 de agosto, “Nos Tempos do Imperador” continua flopando colossalmente e entrou em um poço sem fundo, jogando a TV Globo na lama. Semana passada, o folhetim marcou 16 pontos em plena segunda-feira, enquanto a meta estabelecida pela emissora é de 20 pontos. Na quarta (25), foi ainda pior. A novela acumulou míseros 14 pontos no Ibope. O máximo alcançado na semana foi 19, no sábado (28): um verdadeiro vexame.

Sem dialogar com quem está na frente da televisão no momento em que é transmitida, “Nos Tempos do Imperador” faz os telespectadores migraram para a Record e, principalmente, para o SBT, impulsionando as novelas mexicanas exibidas no mesmo horário. No final, a emissora de saiu ganhando com a pretensão da concorrência em colocar no ar uma obra nesse estilo, enquanto aposta em verdadeiros dramalhões tradicionais e até machistas em sua programação.