‘Sommelier de vacina’: escolha e recusa de imunizante em filas de vacinação podem agravar pandemia
Desistência da imunização em razão do fabricante é frequente em pontos de vacina em Campo Grande
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Cerca de 30 pessoas já estavam na fila da Seleta por volta das 6h30 da manhã desta sexta-feira (25). O local é um dos diversos pontos de imunização da Covid-19 em Campo Grande, um dos mais centrais. A espera de quase uma hora para o início da distribuição das senhas era encarada com tranquilidade. Aos poucos, a fila aumentava, a ponto de dobrar o quarteirão. Enquanto isso, uma pergunta tornava-se o assunto mais comentado: que imunizante estaria sendo aplicado ali?
“Eu estava na fila de manhã e passei cerca de uma hora esperando. Tinha dois senhores atrás de mim, que chegaram pouco tempo depois. Ouvi um deles falar que poderia ter se vacinado no domingo, mas que desistiu porque a fila estava grande no Albano Franco. Quando a agente de saúde informou na fila que só estava sendo aplicada a Coronavac para primeira dose, ele desistiu, disse que não queria. O outro senhor também abandonou o posto”, relata uma jovem que tomou a primeira dose na Seleta nesta sexta-feira.
Em outro ponto da cidade, o Guanandizão, um dos maiores postos de imunização da Capital, as recusas de doses de Coronavac parecem já ser esperada pelas aplicadoras. “É coronavac, tá ok?”, alerta a enfermeira a outra moça, que também saiu imunizada nesta sexta-feira. “De certo deve estar havendo muita recusa”, comentou ao Jornal Midiamax.
Esqueça os fiscais de comorbidade. A moda do momento é perguntar qual a vacina que está sendo aplicada nos pontos de imunização, mais um fenômeno “coronaliptico” fortemente relatado nas redes sociais. Apresentamos o “sommelier de vacina”.
A palavra vem do francês e descreve os antigos degustadores de vinho, que além de transportar a bebida, provavam-na para “controlar a qualidade”. No Brasil, a palavra é um pouco ressignificada – a degustação ocorre na busca do vinho perfeito. E algo semelhante ao que é registrado em relação às vacinas. Mas, como começou essa onda? O que está por trás desta realidade em que o país que ansiava por vacina agora faz bico para determinadas marcas?
Medo de quê?
A resposta talvez esteja na atual existência de várias marcas de imunizantes, o que contrasta com o início da vacinação no Brasil, em janeiro. No começo do ano, apenas a Coronavac, produzida em parceria com o Instituto Butantan, era aplicada no país. Atualmente, além dela, o Brasil já aplica doses do imunizante produzido pela AstraZeneca, pela Pfizer e, agora, pela Janssen.
Cada uma das vacinas tem um modelo específico de imunização e uma cobertura diferente contra a covid-19. Porém, todas são eficazes em garantir que não se morra em decorrência do novo coronavírus – o que parece ser um negócio da China quando já se somam mais de 500 mil mortes apenas no Brasil.
Mesmo assim, a busca por imunizantes X ou Y faz com que os “degustadores” se tornem uma realidade visível à distância. Literalmente. São justamente aqueles sujeitos que orbitam nas filas e nos pontos de triagem, que vão de ponto em ponto para saber que imunizante está sendo aplicado naquele local. Se for da fabricante de seu interesse, eles enfrentam a fila. Do contrário, a busca continua, dure enquanto durar.
O receio em receber doses da Coronavac, em específico, pode ter raiz em uma espécie de campanha difamatória e xenofóbica que o imunizante, produzido pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, passou. Da mesma forma, a aplicação da AstraZeneca também faz muita gente fugir da raia, devido às reações temporárias – e esperadas – que o imunizante pode provocar. Tanto é que a baixa procura pela segunda dose deste assusta o poder público.
Do outro lado, a replicação mundial das doses da Pfizer e o reconhecimento de que a vacina pode proteger sobre novas variantes, fazem com que ela seja a favorita. Já a vacina da Janssen seduz por ser necessária apenas uma aplicação para garantir imunidade de 100% em casos que levam a óbito. O que pouca gente considera, no entanto, é que quanto mais idealização por vacina, menos gente imunizada há. E, com isso, mais risco de surgimento de novas cepas.
“Em vez de idealizarem a vacina, deveriam tentar entender que o mais importante, no momento, é atingir um bom nível de imunidade da população. Com índice de 70%, os números fatais e de contaminação começam a cair, independente da marca do imunizante”, detalha o infectologista Júlio Croda, pesquisador da Fiocruz.
Patinho feio
Curiosamente, o imunizante da Sinovac – o mais desdenhado entre os disponíveis no Brasil – tem um dos períodos de imunização mais curtos, com a segunda dose aplicada em até 28 dias depois da primeira. Ou seja: garante a imunização completa em cerca de 45 dias, considerando o tempo total esperado para desenvolvimento de defesa imunológica.
Para quem procura por vacina, Coronavac é considerada o “patinho feio”, por assim dizer. Porém, foi justamente ela a grande responsável por provocar queda de mortes de idosos, primeiro público prioritário da campanha nacional de imunização. Atualmente, a realidade é que os óbitos decorrentes do novo coronavírus atinge mais os jovens, justamente a faixa etária que ainda não foi contemplada pela imunização.
Em janeiro, quando foi iniciada a campanha de vacinação, os óbitos entre pessoas abaixo dos 60 anos representava 24,5% das mortes por covid em MS. Em junho, 5 meses depois, com a imunização do público idoso, o percentual de óbitos entre os mais jovens cresceu e já representa 35,8% das vidas perdidas pelo coronavírus.
A faixa etária que mais sofreu com o avanço da doença e o surgimento de novas variantes foi o de pessoas entre 50 e 59 anos. Em janeiro, esse público representava apenas 14,5%, ou seja, 391 das 2.686 mortes registradas na época. Atualmente, esse grupo ultrapassou as mortes de idosos acima de 80 anos e é o 3º com mais mortes. São 1.461 óbitos, que representam 18,7% das 7.826 mortes.
Outro grupo que viu o índice de mortalidade disparar foi o de pessoas entre 40 e 49 anos, que cresceu quase 4 vezes, saltando de 177 em janeiro (quando representava 6,5% dos óbitos) para 842 em junho – e já representa 10,8%) do total.
Para os jovens de 30 a 39 anos, o crescimento de mortes em 5 meses foi superior a 4 vezes o registrado em janeiro, quando MS havia registrado 70 óbitos e representava apenas 2,6% das vidas perdidas. O número saltou para 384 mortes em junho, ou seja, 4,9% dos 7.826 óbitos.
Escolher vacina resulta em morte
A superintendente de Vigilância em Saúde da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), Veruska Lahdo, defende que a escolha de vacinas em detrimento de outras é uma equação com resultados nefastos. À reportagem, ela confirmou que o fenômeno é presente e mal visto pelo município, sendo considerado um problema de graves consequências.
Ela destaca que a mudança de comportamento aconteceu após a chegada da vacina produzida pela Pfizer. As pessoas estariam deixando de tomar os imunizantes de outras fabricantes para priorizar as vacinas norte-americanas. Isso, consequentemente, atrapalha no processo de vacinação e expõe ainda mais pessoas ao vírus por escolha própria.
“As pessoas devem procurar a vacina independente de qual seja. Todas elas passaram por testes, etapas de análise pela Anvisa e tem eficácia comprovada. Não existe uma melhor ou pior, o importante é a pessoa buscar esses pontos de vacinação conforme o calendário do público. Deixar de tomar a vacina para escolher uma outra é muito grave”, destaca.
Neste contexto, Lahdo deixa claro que, mesmo que num local estejam sendo aplicados mais de uma marca de imunizante, não há possibilidade de escolha. Quem desistir, poderá ficar sem e ter que aguardar a repescagem. Fica o alerta para quem escolhe demais: pode acabar ficando sem.
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