Um dos cursos mais concorridos no Brasil e, consequentemente também no Mato Grosso do Sul, é o para medicina. Negro e periférico, Daniel Araújo da Costa, de 19 anos, concretizou na última segunda-feira (17) um sonho de infância: se tornou estudante de medicina com mérito, mas também com consciência de que suas condições não eram as mesmas dos padrões de ingressos do curso e que o racismo foi uma barreira a ser ultrapassada.

Em entrevista ao Jornal Midiamax, Daniel ressalta que sempre foi apaixonado pela área da saúde e pela possibilidade de salvar vidas, uma de suas motivações principais para seguir pela área. Estudante de escola pública desde o início da vida escolar, terminou o Ensino Médio em 2017 e desde de 2016 fazia curso técnico em enfermagem. Os estágios ocupavam todos os períodos e por isso não conseguia estudar com frequência.

Em 2018, tentou o vestibular para medicina pela primeira vez, sem sucesso, e passou a estudar integralmente enfermagem na Federal de Mato Grosso do Sul, curso que deu um embasamento teórico maior e o mostrou a humanização na saúde. O jovem utilizou da biblioteca da universidade para estudar.

Filho de doméstica e pedreiro, Daniel já foi chamado de 'macaco' e estuda para ser chamado de doutor
(Reprodução, Arquivo pessoal)

“É muito concorrido sim, é principal vestibular de , prestei pela segunda vez, na primeira eu prestei sem ter estudado muito, mas nessa segunda eu estudei bastante. As aulas começavam às 7h da manhã, mas eu só saía da universidade às 22h, quando a biblioteca fechava”, relata o jovem sobre a rotina de estudo.

Além da programação diária de estudos, Daniel Araújo fez simulados em todas semanas de preparação até o e treinamentos para a redação, revisou as matérias e pagou um curso online onde eram disponibilizadas aulas. Mas os simulados, redações, resoluções de exercícios e programação foram por conta própria.

Em 2019, em nova tentativa, mas desta vez bem mais preparado, conquistou seu sonho e o agradecimento primordial foi aos pais. A mãe, empregada doméstica, e o pai, pedreiro, não tiveram a oportunidade de cursar um ensino superior, mas sempre incentivaram o filho a buscar a educação.

“Meus pais eles sempre me apoiaram em somente focar nos estudos, pois, eles não tiveram a oportunidade de estudar, meu pai tem até o 5° Do ensino fundamental e a minha mãe até o 1° do ensino médio. Eles não tinham condições de estudar, e me apoiaram muito nos meus estudos. Tive muitas dificuldades para chegar até aqui, tive que estudar muito, e agora que consegui, sinto que meus pais e toda a minha família está muito orgulhosa, pois, eu serei o primeiro que terá o ensino superior”, frisa o futuro médico.

Aeeee passeeei em MEDICINA, depois de um ano inteiro estudando integral em uma universidade federal e de noite em um…

Publicado por Daniel Araujo em Segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Em sua publicação nas redes sociais sobre a aprovação no tão sonhado curso, o jovem também citou episódios de racismo velado que sofreu na escola, como professores que disseram que “não tinha perfil” para a profissão. Questionado sobre a falta de representatividade dos negros na medicina, Daniel responde que o racismo existe, é estrutural e não tem a atenção necessária.

“O racismo sempre esteve presente em minha vida. A questão é que as pessoas fingem que não vêem o racismo no Brasil, a maioria da população negra está nas periferias. Essas pessoas não têm oportunidades de conquistarem seus objetivos e por isso é discrepante a diferença entre porcentagem de pessoas negras e brancas em cargos altos nesse país. Sofri racismo desde criança. Nas escolas, eu era chamado de macaco e hoje eu serei chamado de doutor”, conta.

Sobre as expectativas para o futuro o jovem relata que um dos seus principais objetivos é se tornar cirurgião-cardiologista e frisa que, apesar das adversidades, a perseverança é o melhor caminho. Para os jovens negros e pobres que querem se tornar médicos, juízes, ou alcançar um ensino superior, mensagem que Daniel deixa é a seguinte:

“Nunca desista dos seus sonhos, agarre as oportunidades que lhe foram dadas, e nunca deixe alguém te desmerecer, só você sabe o quanto lutou para chegar até aqui”.