A mãe que decidiu ser pai: “não sofro com isso”
Carmem Elisete da Cruz Viçosa, de 68 anos, é uma gaúcha de personalidade forte que a vida tratou de endurecer desde cedo. Com a adolescência e o início da fase adulta inteiramente dedicada aos estudos, ela encarou o que nas décadas de 70 e 80 se chamava de produção independente e se tornou uma mãe […]
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Carmem Elisete da Cruz Viçosa, de 68 anos, é uma gaúcha de personalidade forte que a vida tratou de endurecer desde cedo. Com a adolescência e o início da fase adulta inteiramente dedicada aos estudos, ela encarou o que nas décadas de 70 e 80 se chamava de produção independente e se tornou uma mãe que decidiu ser pai.
“Essa história da gente ser mãe solteira ou mãe sozinha vem de berço, perdi meus pais cedo”, inicia Carmem contando sua história. Perdeu o pai aos 12 e já nesta época os avós “adotaram” a família da filha com os 4 filhos e aos 19 sua mãe faleceu.
Já aos 12, ela e os irmãos foram mandados para estudar em um internato, no Instituto Metodista Centenário, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. “Minha avó era muito preocupada com a nossa formação”, relata. “Tudo que eu tenho em relação à vida e ser uma pessoa voltada para o conhecimento, adquiri dos meus avós”, completa.
No internato só para moças, ela recebeu uma educação regrada e cerceada. Ela também destaca que sua adolescência se passou durante a ditadura, na década de 70. “Eu cresci sem um núcleo familiar, investindo muito na intelectualidade”, conta Carmem.
Após terminar os estudos na escola, passou no vestibular para Educação Física na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) e, em seguida concluiu uma pós-graduação. Nesta época já havia uma abertura e, descobrindo a juventude, saiu das asas da avó. Ela conta que estudava de dia e trabalhava a noite como bilheteira de cinema.
Mãe que decidiu ser pai
Com uma das colegas e sua família, se mudou para Campo Grande em 1986 e logo foi contratada para trabalhar como educadora física na escola Joaquim Murtinho. Aos 28 anos ela queria ter uma família. “Resolvi ser mãe e escolhi uma pessoa. Tive um relacionamento com o pai dos meus filhos. Era um relacionamento aberto, mas tinha muito amor envolvido. Nós dois éramos solteiros”, relata.
Aos 32 anos ela teve o primeiro filho, Thiago, e aos 34 o segundo, Lucas. “Eu não tinha a formação de uma família. Tive meus filhos com muita alegria, foi escolha minha, mas sempre fui muito dinâmica. Quando eles chegaram eu era estabilizada, concursada, tinha casa. O pai deles os registrou, pagou pensão, mas eu não quis casar. Queria apenas educar meus filhos”, relembra. O pai dos meninos formou então a própria família.
Quando os filhos estavam com aproximadamente 5 e 7 anos, ela conheceu os missionários de uma igreja e decidiu que não queria apenas “alimentar os filhos, mas buscar uma linha filosófica para eles”.
“Conheci a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e me batizei. Me apaixonei pelos conhecimentos e vi que não tinha aqueles valores que a igreja pregava”, ressalta, que são embasados na família e na presença de pai e mãe, o que a fez ter algumas dúvidas no início.
Sem arrependimentos
“Começou uma vida nova, para mim e meus filhos e sigo minha vida solteira até hoje”, declara. Ela não se arrepende das escolhas que fez, a não ser “das coisas que não eram da vontade do Senhor”, ressalta.
As doutrinas da igreja que segue são muito importantes para Carmem e ela acredita que se tivesse se casado com o pai dos seus filhos faria muita diferença na espiritualidade da família. “Se eu tivesse me casado com o pai dos meus filhos, pelo que eu o conhecia, ele não aceitaria o evangelho”, destaca.
Sobre suas escolhas ela afirma: “não fiz nada ao leo, fiz do meu jeito”. Os filhos de Carmem não tiveram convivência alguma com o pai, apenas carregam o sobrenome. “Depois do batismo nos afastamos para não gerar problema para a família dele”, explica.
Sozinha, ou melhor, independente, Carmem enfrentou todas as dificuldades com garra, mesmo quando chorou e sofreu o luto pela morte do seu filho mais velho, Thiago Cruz Viçosa Martins, que foi assassinado durante um assalto em 27 de dezembro 2015. Mesmo sentindo falta de Thiago, hoje ela encontra felicidade no contato com o neto que ele deixou.
“Quando eles eram menores, eles perguntavam do pai e eu falava do Pai Celestial e isso supria a necessidade deles.”
Ela conta que Lucas, quando estava na sexta série, escreveu uma redação que foi lida para todos as crianças que não tinham pai. “Ele escreveu que, na realidade, o verdadeiro pai dele era o Pai Celestial porque a mãe dele o havia ensinado”, relembra. “Eles foram meninos muito bem resolvidos”, adiciona.
“Sou uma pessoa bem razão, porque tive de enfrentar a vida bem cedo. Não tive tempo de ficar sonhando e não sofro por causa disso.”
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