Mata mais do que HIV, explica a psicóloga

O suicídio mata mais jovens, hoje, do que o vírus HIV. A constatação é da OMS (Organização Mundial da Saúde). O assunto está, mais do que nunca, em discussão. Isso porque um jogo de desafios, difundido por grupos secretos do Facebook, o ‘desafio da baleia azul’, tem levado adolescentes ao suicídio. Na última semana, a morte de Gabriel Antônio dos Santos Cabral, de 19 anos, levantou suspeitas sobre o jogo no Brasil.

O suicídio é um tabu, especialmente pela sociedade ser regida por princípios morais cristãos, que condenam o ato de tirar a própria vida. Tratar do assunto não é tarefa fácil. Pesquisadora da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), a psicóloga Jéssica Wunderlich, 25, estuda o suicídio na pesquisa de mestrado. Ela conversou sobre o assunto com o jornal Midiamax e comentou sobre os desafios para lidar com a questão na adolescência.

Além do jogo, uma série do sistema de streaming Netflix, intitulada ’13 razões porque’, que acompanha a vida de uma adolescente que se suicidou, também tem levantado polêmicas, já que desde sua estreia, o número de pedidos de ajuda recebidos pelo Centro de Valorização da Vida quadruplicou. 

Suicídio é muitas vezes confundido com rebeldia

Jéssica explica que a adolescência representa um período de transição. Os conflitos inerentes dessa fase fazem com que os pais, muitas vezes, não identifiquem o sofrimento dos filhos, e confundam um pedido silencioso de socorro, com rebeldia.

-O comportamento suicida na adolescência é confundido com a rebeldia. Como se fosse um comportamento comum da faixa etária, e não é. O choro, as angústias, o que o adolescente denuncia não é da faixa etária. Isso acontece muito, o adolescente está ali denunciando, pedindo ajuda, e as vezes a ajuda não é explícita. Ela vem mascarada através de comportamentos de risco.

Os pais, Jéssica complementa, devem ficar atentos ao comportamento dos filhos. Desde a rotina até o que acessam na internet. “A escola, a falta de interesse das atividades escolares, como esse adolescente está com os amigos, com a família, se diminuiu as notas, o rendimento escolar, se esse adolescente teve esse comportamento de estar mais triste ou estar mais nervoso, ou mais isolado. Mudanças com relação ao sono”.

 

 

Hannah Baker, protagonista da série da Netflix (reprodução/Netflix)

 

 

Desafio da Baleia Azul

O jogo é cruel e atrai adolescentes com baixa autoestima, já que impõe diversos desafios que implicam a alto mutilação ou causar dor aos outros. Esse jogo, no entanto, é só um dos muitos desafios na vida dos jovens, que intensificam a sociabilidade cada vez mais pelas redes sociais e pela internet.

-Eu fiquei assim, bem impressionada com a repercussão das notícias, muitas pessoas me procuraram sobre esse jogo e o seriado. Eu vejo o suicídio como um ato de desespero, a pessoa não vê outra saída, mas não existe um único motivo. Hoje com a internet se tem acesso a tudo, desde coisas muito boas até coisas que são negativas, existem blogs que ensinam as pessoas a cometer suicídio. E o jogo da baleia azul não é primeiro. Então esse foi o que veio agora, eu vejo o jogo como um sintoma.

Como é a pressão de um adolescente, exposto de tantas formas nas redes sociais? Para a pesquisadora, é um dos indícios que explicam o aumento dos suicídios entre pessoas jovens. Uma sociedade superexposta pelas redes e uma ditadura da felicidade e do sucesso causam angústia aos adolescentes.

-As redes sociais tem 2 vertentes: tem o lado muito positivo de auxílio na questão da prevenção e o perigo. Ao mesmo tempo, ela é perigosa, de dar acesso a muitas informações e ao isolamento que as pessoas vivem, muito mais no meio virtual do que social, nesse sentido essas informações podem ser perigosas. É importante que os pais estejam sempre por dentro do que os filhos estejam fazendo na internet, o que assistem.

As redes sociais indicam muito do que as pessoas pensam e sentem. Posts, frases, que muitas vezes passam pra gente como algo banal. Todo os dias a gente entra e vê mensagens de desamparo, tristeza, das pessoas reclamando da da pressão que é viver, de como é difícil.

Hoje as pessoas ficam na internet. O que falta mesmo são as relações sociais, é a conversa. Acho que o papel dos pais está na relação com os filhos, de carinho, se preocuparem com a vida desses filhos, com relação a escola, quem são os amigos, favorece um ambiente de acolhimento, que a criança e o adolescente sintam-se seguros, existe muito julgamento e ele se sente um estranho no ninho.

Por que o suicídio aumentou?

Os amigo da jovem, na série, tentam entender o que motivou o suicídio (reprodução/Netflix)Não é uma pergunta que possa ser facilmente respondida. Ainda assim, algumas características do modo como se vive podem indicar que as pessoas e não só os adolescentes, de modo geral, não estão bem. A psicóloga esclarece:

-A gente não pode descartar as questões sociais. As pessoas veem adoecendo, vivemos numa sociedade que nos deixa doentes. Que nos cobra, que nós sejamos os melhores, sempre felizes, expor os sentimentos é sempre final de fraqueza, a falsa felicidade das redes sociais. É uma questão com multifatores, olha o que acontece na sociedade todos esses fatores, a mudança de comportamento das pessoas, cada vez mais o isolamento social, a mudança nas relações entre as pessoas, tudo isso tem relação com índices elevados.

E na escola?

A escola, em meio ao sofrimento do adolescente, adiciona outras questões. Uma delas é a pressão com o futuro e a ditadura de sucesso e de uma carreira bem-sucedida. Para a pesquisadora, o desafio das escolas é proporcionar um ambiente mais acolhedor, onde os alunos possam expressar as emoções e que não se furte à discussão sobre o suicídio.

-Acho que o desafio é promover dentro do ambiente da escola o ambiente de acolhimento, de bem-estar, de expressão das emoções, já é um desafio lidar com esse assunto, isso por si só, aponta para muitas questões. Das relações entre os alunos, com os pais, da escola com esses alunos, que isso tudo está envolvendo. Esse é o desafio: conseguir olhar para o que os alunos estão sentindo, conseguir se tornar um ambiente não só de cobrança.