Costume traz constrangimento a algumas pessoas

 

Chegou outubro, o mês da criança. E justamente em função das comemorações desta data, internautas já começam a trocar as fotos dos perfis nas redes sociais, sobretudo no Facebook. O costume tornou-se uma espécie de tradição, que já há alguns anos – pelo menos desde 2012 – o ’12 de Outubro’ já motiva usuários das redes a substituírem as fotos recente por outras de décadas atrás.

A ideia é mostrar aos amigos o quanto cada um de nós mudou com o tempo – uns para melhor, diga-se de passagem. Entretanto, nem tudo são flores neste tendência, há um lado da moeda que simplesmente ninguém vê. Você já parou para pensar no que passa na cabeça das milhares (milhões?) de pessoas que, por um motivo ou outro, estão impossibilitadas de entrar na onda de trocar as fotos?

Isso porque a infância pode não ter garantido boas recordações a todos nós, basicamente. Seria o caso, por exemplo, de pessoas transgênero – aquelas que se identificam com um gênero diferente daquele que lhes foi atribuído ao nascer – ou de quaisquer outras para quem a infância não foi exatamente doce e divertida, como parece ser para a maioria.

Para Amanda, fotos da infância trazem desconforto (Arquivo pessoal)A bacharel em direito Amanda Anderson, 35, compartilha deste sentimento. Segundo ela, ver todos os contatos do Facebook trocando a foto é algo que afeta, sim, sua autoestima. “Se eu colocasse minha foto de quando era criança, as pessoas veriam ali um menininho. Eu adoraria ter uma única foto, que fosse, de menina, mas infelizmente não tenho. E não vou entrar na onda fazendo algo que pode me trazer sofrimento”, explica.

Ela conta, ainda, que até possui algumas poucas fotos da infância, mas que rasgou e queimou o restante para se preservar emocionalmente. “Fiz isso como uma forma de fugir do sofrimento. Não vou mais precisar rever aquelas fotos que não se enquadram nos meus parâmetros identitários. Eu até tenho, ainda, algumas poucas fotos, mas são algumas que estou bem feminina. O resto eu queimei tudo”, conta.

A profissional do sexo Carla Catelãn, que também é transgênero, vê a troca de fotos como algo que constrange. “Eu evolui muito desde que assumi minha identidade feminina e hoje sei que gênero é algo construído, e não imposto. Nesse sentido, eu não tenho não tenho mais a mágoa de ter sido um menino diante da sociedade e não culpo nem a mim e nem a minha família. Mas, não trocaria a foto, porque eu queria que ali fosse uma menininha, muito embora hoje, na plenitude, eu me sinta mulher”, revela. “Seria algo que faria eu me sentir constrangida”, completa.

“A gente não tinha dinheiro”

Trocar fotos atuais pelas da infância tem um lado doloroso que quase ninguém vêNão é só a questão em torno da identidade de gênero que impede algumas pessoas de aderirem à moda de trocar as fotos de perfil. Algumas nem sequer têm imagens de quando eram crianças, por um motivo ou outro. “Quando eu era pequeno morava com mais uns quatro primos na casa da minha avó com meus três irmãos. Minha mãe morreu jovem. Não tinha isso de tirar foto, primeiro porque não era como hoje, e segundo porque a gente não tinha dinheiro˜, conta o contabilista Eduardo Duarte, 53. “Não chega a ser um problema pra mim, mas eu gostaria muito de ter uma foto e poder fazer o mesmo que meus filhos fazem”, completa.

Há, também, quem simplesmente decida enterrar a própria história, viver do presente ao futuro, como forma de proteger-se das lembranças dolorosas. Como a professora de ciências Cláudia Melo (nome fictício a pedido), 41. Embora ela não descreva os problemas que viveu, prefere não participar da ‘onda’. “Eu jamais diria para não colocarem essas fotos. É muito bonito ver como o pessoal mudou da infância até a idade adulta. Mas para mim é simplesmente impensável fazer a mesma coisa. Passei por certas coisas da infância que fazem com que eu não tenha a menor recordação agradável dessa fase. Tenho as fotos num álbum no meu quarto e uma vez por ano, se um dia tiver saudade, eu sei onde encontrar”, conclui.