Todas as vezes que a novela “A Viagem” (1994) volta ao ar, ele é assunto. Personagem emblemático, de aura misteriosa e sem falas, Adonay, o Mascarado, continua gerando curiosidade nas diferentes gerações que acompanham o folhetim.
Frequentemente, o público quer saber quais são os segredos da figura enigmática, quem é o ator por trás da máscara e, principalmente, como é seu rosto.
Acessível, o artista responsável por dar vida a Adonay (e concebê-lo de forma tão única) hoje vive em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, onde leva uma vida discreta e totalmente dedicada à arte, com foco em teatro e cinema.
Longe da televisão desde 2005, Breno Moroni conversou com o Jornal Midiamax, abriu o baú das lembranças, contou bastidores íntimos de seu trabalho em “A Viagem“ e explicou por que escolheu MS como lar.
Ator que interpretou o Mascarado nunca viu a novela
Sucesso indiscutível, a história de Ivani Ribeiro segue fascinando a audiência. Trinta e um anos depois da exibição original na TV Globo, o folhetim está em cartaz desde maio no “Vale a Pena Ver de Novo” e celebra sua 7ª exibição só no Brasil.
Sempre que a obra é reprisada, não por acaso, Moroni vira alvo da curiosidade dos telespectadores. “Sou procurado quase todos os dias na internet. As pessoas me acham, perguntam ‘É você mesmo?’, e eu tenho que comprovar que sou eu”, comenta.
Além disso, questionado se tem acompanhado a reexibição do folhetim, o dramaturgo faz uma revelação.
“Eu nunca assisti. A novela inteira não, apenas pedaços. Na época, saíamos do Projac no horário que passava. Na hora, eu estava no ônibus indo para casa. E também tem uma coisa do ator: não gosto de me ver na tela”, declara.
“Tem outra coisa que acontece, é que, quando me mandam imagens, pedaços da novela, eu não lembro quando gravei aquilo. É como se fosse a primeira vez. Acho que aconteceu comigo pelo menos e com alguns outros atores, a questão do ‘encosto’, como se diz no espiritismo. A personagem ficava em volta e tomava conta, os atores viraram meio médiuns. Então, eu realmente não me lembro. Me pergunto: ‘Ué eu fiz essa cena?’. E aí está lá, a cena, meu nome, tudo”, revela.

‘Tinha uma coisa de incorporação’, confessa Breno Moroni
Embora não seja kardecista, ele confirma que havia algo especial nos bastidores de “A Viagem”. Mas, diferentemente de alguns colegas que já relataram ter vivido experiências sobrenaturais durante as filmagens, Breno diz que, em seu caso, o sobrenatural envolve a atuação.
“Essa questão de eu não conseguir lembrar o que eu fiz, acho que essa é a parte espiritualista, porque é como se alguém estivesse fazendo por mim. Tinha uma coisa de incorporação, assim como os médiuns entram em transe e, quando saem desse estado, não lembram de nada”, explica.
Para os que não sabem ou não se recordam, “A Viagem” é uma novela de temática espírita, na qual os protagonistas resgatam carmas e resolvem conflitos iniciados em vidas anteriores. No entanto, Adonay, o papel de Breno Moroni, não se encaixa nessa proposta.
Quando a identidade do Mascarado é revelada na trama de ‘A Viagem’?
A figura faz parte do núcleo da vila e intriga não apenas o público, mas também os demais personagens da novela. Assim, sempre de máscara e se comunicando através de mímicas, o homem misterioso só tem sua identidade revelada na reta final, para a agonia dos telespectadores.
Somente nas últimas semanas, a audiência descobre que Adonay havia sido noivo de Carmen (Suzy Rêgo) no passado e sofreu um acidente que deixou seu rosto desfigurado. A máscara, então, passou a ser usada para esconder a aparência deformada — esta representada por uma espessa camada de maquiagem no rosto do ator.
Porém, ainda apaixonado, o mascarado tenta reconquistar a ex-noiva, que não o aceita por conta da fisionomia. Rejeitado, ele tem um fim triste e solitário: volta a usar a máscara e deixa a vila.
‘É o papel mais popular que já fiz. Não é o melhor’, avalia ator
Apesar de não se comunicar com a voz, Breno conta que o roteiro de “A Viagem” continha falas para Adonay. No entanto, ele propôs que o personagem usasse a mímica como linguagem, e a direção gostou da ideia. Assim, o ator recebia o texto, levava para casa e decodificava as falas em gestos. Difícil, não?
Além disso, Moroni tinha liberdade para improvisar e agregar características ao Mascarado. “Eu introduzi técnicas que não se usam em televisão. Muitas coisas acrobáticas, malabarísticas, podia dançar… Acho que acrescentei muito como ator”, avalia.
Três décadas se passaram, e o dramaturgo segue sendo associado ao Mascarado. Mas ele não vê isso como um problema e não tem a preocupação de ficar estigmatizado pelo personagem.
“É o papel mais popular que já fiz. Não é o melhor. Um dos melhores, com certeza, porque desenvolvi ali tudo que aprendi como ator. Sou formado pela Escola Federal do Rio de Janeiro, fiz cursos de dublê, mímica, circo e, em ‘A Viagem’, eu consegui unir tudo que geralmente é separado”, pontua.

Breno escreveu carta para autoras sugerindo final diferente para o Mascarado
Conforme o ator, Adonay foi construído por uma equipe e, quando ele tentou opinar, algumas pessoas não gostaram. “Todo dia chegavam com uma novidade, mudavam o figurino, as máscaras… e isso foi influenciando as autoras. Como sou do teatro, escrevi uma carta para elas, mas teve um funcionário da TV que ficou enciumado e isso dificultou“, recorda.
Diante da reação, Breno se sentiu inibido e parou de fazer sugestões. “Eu gostaria muito de ter ido conversar com as pessoas do figurino. Uma coisa que eu não gosto da televisão é isso, essa falta de entrosamento“, lamenta.
Em relação ao conteúdo da carta para as autoras, o intérprete havia sugerido, além de questões visuais, um desfecho diferente e menos melancólico para o Mascarado.
“O personagem começou indefinido e foi indo assim até o fim. Minha sugestão era que usássemos um chroma key no meu rosto. Achei que deveríamos pintar meu rosto de azul ou verde e, quando eu tirasse a máscara, aparecesse um céu, nuvens. E aí, por meio de um efeito ótico, a roupa desmancharia. Quem era esse mascarado? Um espírito. Seria um final melhor, porque as pessoas não gostam do desfecho do personagem, sempre reclamam, dizem que ele deveria ter casado. Essa era apenas uma das sugestões, a minha preferida, de que o Adonay seria um espírito“, expõe.
Como Breno Moroni foi parar em ‘A Viagem’?
Segundo Breno, há várias lendas sobre a concepção do Mascarado, mas esta a seguir é a sua versão. “Cheguei pra fazer um personagem pequeno, de um camarada que andava em um shopping com uma placa fazendo propaganda de guaraná. Me deram a máscara e um texto gigante. Eu decorei, mas na gravação saiu tudo abafado por causa da máscara. Então eu disse ‘vou fazer mímica’. Algumas pessoas dizem que já estavam pensando nisso antes, porém, ninguém nunca me falou nada”, garante.
“Dois atores antes de mim não aceitaram o papel porque acharam pequeno demais e porque era de máscara, ninguém iria reconhecer. Mas foi muito bom. A produção estava com pressa, eu fui chamado numa sexta para gravar segunda. A atriz Mara Manzan era minha amiga e me indicou para o Wolf Maya, que era diretor da novela”, lembra.
‘A diferença foi essa’: intérprete de Mascarado diz o que pensa sobre fenômeno de ‘A Viagem’
Para ele, é fácil explicar o sucesso atemporal do folhetim que, em sua sétima exibição na TV brasileira, segue batendo recordes no “Vale a Pena Ver de Novo”. “Essa novela é um produto de arte. Muitas novelas são produtos de entretenimento, mas ‘A Viagem’ é um produto de arte, deixou uma mensagem, algo sólido na cabeça das pessoas“, acredita.
“Foi um momento mágico, as gravações eram diferentes das outras novelas que participei. Tinha um astral kardecista no elenco, nos técnicos, no ambiente, que as outras novelas não têm. A diferença é essa: foi um projeto de arte”, ressalta.
O clima era tão bom que o dramaturgo não tem más recordações, só elogios. A todos os colegas, inclusive. “Todos me tratavam muito bem, tive bons relacionamentos, não tive atrito com ninguém. Ninguém era ranzinza ou causava climão. E o tema da novela também trazia essa questão da calma, da compreensão, da solidariedade. Foi mágico”, enaltece.

Ainda que tenha imprimido sua marca em Adonay, Moroni não ficou com nada do personagem: nenhuma máscara, peruca ou peça de roupa. Também não mantém contato com ninguém do elenco.
Além de “A Viagem”, ele fez participações em inúmeras tramas, como “Uga Uga”, “O Clone” e “Chocolate com Pimenta”. Também participou de dezenas aberturas de novelas, em uma parceria de respeito com o designer Hans Donner, que encontrava em seu trabalho as expressões corporais e artísticas perfeitas para criar vinhetas de programas diversos da TV Globo.
Enquanto alguns atores reclamam sobre direitos autorais não pagos a cada reprise, Breno afirma receber os pagamentos com rigor. “Às vezes, é muito pouco. Mas é bom, é razoável”, opina sobre os valores.
Por que Campo Grande, Mato Grosso do Sul, como lar?
Nascido em Petrópolis (RJ) no ano de 1954, o carioca sempre contou com o apoio dos pais para seguir a carreira artística. Quando tinha 22 anos, os genitores patrocinaram sua estadia em Londres para uma especialização em Artes Cênicas. Na Europa, entrou para uma importante companhia de teatro alternativa e ganhou mais experiência antes de voltar ao Brasil.
Atualmente, aos 71 anos e pai de três filhos, Breno se considera um nômade. Depois de morar em vários países, fixou residência em Campo Grande, há 5 anos. Escolheu a capital de Mato Grosso do Sul como lar após fazer uma visita a uma filha, que vive na cidade. Durante a estadia, conheceu o projeto Circo do Mato e, quando viu, já tinha alugado uma casa.
“Viver só de arte aqui é difícil. Tenho várias profissões, a base é a de ator. Mas eu escrevo, dirijo, faço cenários, tenho habilidades circenses. Estou sempre desempregado em nove funções, mas com uma rolando. A pessoa que é só ator não consegue sobreviver aqui“, comenta, sobre o cenário local para sua profissão.

Se ele pretende voltar à TV? A resposta é não. “O teatro e o cinema me dão mais satisfação”. E projetos não faltam. Nesta quinta-feira (10), por exemplo, ele estreia o filme “Les Garçons”, no MIS (Museu da Imagem e do Som). O longa surgiu a partir de uma experiência pessoal sua e debate temas como envelhecimento e perdas.
Com entrada gratuita, a exibição começa às 19h. Na sexta (11), haverá uma segunda sessão, no mesmo horário e local.
Há poucos dias, Breno também celebrou a exibição de outro filme do qual faz parte, “Tempestade Ocre”, selecionado para participar do Festival Cinesur, em Bonito (MS), o que, para ele, é uma conquista e tanto e representa a boa fase profissional que atravessa.
Assista à entrevista completa de Breno Moroni ao Jornal Midiamax:
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