O ano era 1994 e uma novela nos transportava a uma realidade diferente, que ultrapassava as dimensões que a maioria de nós conhece. “A Viagem”, da Rede Globo, tem o enredo inspirado na doutrina espírita decodificada pelo escritor francês Allan Kardec (1804-1869) e aborda a jornada dos protagonistas além da vida terrena. Um verdadeiro clássico, a segunda adaptação para TV do texto icônico de Ivani Ribeiro foi realizada com a ajuda e o talento da Escritora e Roteirista Solange Castro Neves, que contribuiu muito para o sucesso da obra. 

Uma das novelas mais pedidas pelo público, esta é a segunda vez que o Canal Viva exibe a novela (além de outras duas da Rede Globo, em 1997 e 2006) e segundo a colunista, Patrícia Kogut, de ‘O Globo', a reexibição tem rendido a liderança de audiência na TV paga em seus dois horários (15h e 0h). Uma obra atemporal, magistralmente concebida e que pra sempre terá um lugar cativo no coração noveleiros. 

‘A Viagem': Sucesso no Viva, conversamos com Solange Castro Neves, coautora da adaptação  
Solange Castro Neves (foto: reprodução)

Para relembrar a novela, conversamos com Solange, fiel escudeira e amiga de Ivani Ribeiro, com quem assina a coautoria da adaptação. Em um papo pra lá de interessante, além de curiosidades de bastidores, memórias inesquecíveis esta entrevista é super indicada para quem gosta de roteiro, pois conversamos com uma grande profissional da área, alguém que este jornalista é realmente muito fã! 


ENTREVISTA

A Viagem está batendo recordes na reexibição no Viva, é uma obra atemporal, você que tem papel fundamental nisso, o que acha que chama mais atenção do público com a novela? 

Todos sabemos que a humanidade está passando por grandes mudanças em vários aspectos como o social, econômico, físico, material e espiritual. Haja vista a que se espalhou pelo planeta todo, dizimando milhares de pessoas. É nestes momentoslimite, quando o medo da morte grita mais alto, que as pessoas buscam, avidamente, por respostas sobre o desconhecido. 

Além disso, essa novela trabalhou muito com os opostos: amor e o ódio. O casal Diná (Christiane Torloni) e Otávio (Antônio Fagundes), se tornou um dos mais queridos da TV. Acredito também que a novela fez com que as pessoas refletissem sobre o que é a vida e o mais importante é que desmistificou a morte, quebrando o paradigma de que ela é o fim de tudo. 

‘A Viagem': Sucesso no Viva, conversamos com Solange Castro Neves, coautora da adaptação  
Diná (Christiane Torloni) e Otávio (Antônio Fagundes) (foto: reprodução TV Globo)

Como espiritualista acredito na reencarnação e que existe uma lei divina. Tudo tem uma explicação, nada é por acaso. Desde criança questionava o motivo dessa imensa desigualdade entre os homens, uns com tanto, outros com nada. Só depois que passei a acreditar que a vida é a continuação de uma grande história, é que encontrei respostas para meus grandes questionamentos. Se Deus é justo, tem que haver uma explicação para o mundo que vivemos. Os homens é que são responsáveis por suas escolhas e cada um tem que ter a sua responsabilidade sobre isso, uma vez que nos foi dado o livre arbítrio para decidir. 

Como a novela foi concebida? Como funcionava a dinâmica de criação entre você e Ivani Ribeiro?  

Quando meus alunos me fazem esse tipo de pergunta eu explico que, em uma adaptação, como é o caso de A Viagem e Mulheres de Areia também, o roteirista lê a sinopse e os capítulos antigos antes de criar a nova trama. Isso com o objetivo de descobrir a coluna vertebral da história, pois essa é a única coisa que não pode ser mexida, senão a história se perde. 

‘A Viagem': Sucesso no Viva, conversamos com Solange Castro Neves, coautora da adaptação  
Solange Castro Neves (foto: reprodução)

Depois disso começa todo o processo de criação. Faz-se uma nova sinopse, núcleos com novos personagens, tramas paralelas com a visão do autor que está desenvolvendo a adaptação. Fora o eixo principal, tudo o mais é uma nova criação, pois os personagens adquirem vida própria e cada autor coloca muito do seu universo interior em cada um deles.   

Vou dar um exemplo: a Ivani dizia que ao ouvir os diálogos da Ruth, Raquel, Tonho, Diná, Otávio e outros, não tinha dúvida de que quem escreveu fui eu. Os personagens trazem características intrínsecas ao autor que os escreveu. 

E quando ela não gostava de alguma coisa que eu tivesse escrito, ela me contava uma história e pedia que eu pensasse no que havia dito. Isso aconteceu com o Mascarado quando pensei em dar um final feliz a ele e à Carmem. Diante do que ela me contou sobre a vida de uma vizinha dela, eu percebi que ela tinha razão. Uma pessoa que teve uma vida cheia de aventuras, um dia diferente do outro, não iria nunca se acostumar à mesmice do dia-a-dia.  

Dessa forma, eu e Ivani tínhamos uma conexão muito grande e uma verdadeira cumplicidade quando escrevíamos juntas. 

Como era lidar com ela, seu , exigências? Quais são os aprendizados que teve no período em que trabalhou com ela? 

Trabalhamos juntas durante 14 anos. Aprendi muito. Só tenho gratidão no coração. Ela era uma mulher forte, determinada, que não deixava que os problemas do dia a dia atrapalhassem seu trabalho. Até hoje, quando estou preocupada, chateada, triste, com as emoções à flor da pele, lembro-me das palavras dela: – Ninguém tem nada a ver com seus problemas. Engula o choro, respira fundo e vamos embora trabalhar. Filha, o trabalho é uma bênção. Aprenda a voar nas asas da imaginação. 

‘A Viagem': Sucesso no Viva, conversamos com Solange Castro Neves, coautora da adaptação  
Ivani Ribeiro (foto: reprodução)

Está reassistindo a reprise, costuma revisitar seus trabalhos antigos? O que passa em sua mente, seu coração?   

É sempre bom rever um grande trabalho como foi esse de A VIAGEM. Essa novela foi um grande desafio para mim, pois, na época a Ivani já não estava em condições devido a sua saúde estar muito debilitada e trabalhei praticamente sozinha. Dormia no máximo duas ou três horas por dia. Quando o Mario Lucio Vaz e o Boni descobriram que eu estava à frente de tudo e que a Ivani estava internada há tempos no hospital, brincaram perguntando o que eu tomava para entregar seis capítulos por semana, sem a ajuda de ninguém. Quando eu respondi que eu tomava guaraná em pó, eles morreram de rir e ironizavam dizendo que o guaraná em pó era milagroso. 

Apesar de todos os obstáculos que enfrentei, tenho muito orgulho de ter feito parte desse trabalho maravilhoso, que ampliou a consciência de muitos telespectadores na época e ainda o faz até hoje. 

Faria uma nova novela? Dentre as que já fez, quais são as que mais recorda com carinho? 

Claro que faria. Acredito que em breve vocês terão novidades. Das novelas que já fiz, tenho lembranças lindas de Brega e Chique, grande Marília Pera; Que Rei Sou Eu, Mulheres de Areia, a Viagem, Marcas da Paixão e tantas outras. 

Quer falar sobre seus projetos atuais? O que tem produzido nestes últimos anos?

Tenho escrito séries e me apaixonei por este novo produto. Tenho três engatilhados e uma novela no caminho. Se tudo der certo e essa pandemia deixar, acredito que este ano ainda, ela sai do papel  para as telonas da TV. Descobri um novo caminho, a . Nestes momentos de tensão, ela proporciona a leveza tão necessária à nossa alma.