Há realmente o que comemorar neste Dia Nacional da Visibilidade Trans?
Em meio a tragédias e retrocessos, data busca reivindicar direitos e combater discriminação
Gustavo Henn –
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Pelo 16º ano consecutivo, o Brasil é o país que mais mata transexuais em todo o mundo. Somado a isso, no cenário internacional, direitos conquistados pela comunidade LGBTQIAPN+ começam a ser cobertos por certa nebulosidade.
Recentemente, a Meta flexibilizou suas políticas de moderação, passando a permitir discursos transfóbicos em suas plataformas. Nos Estados Unidos, o recém-eleito Donald Trump também voltou a proibir a presença de pessoas transgêneros no exército, medida que já havia imposto em seu primeiro mandato, em 2017.
É nesse contexto de violência, retrocesso e exclusão que, nesta quarta-feira, dia 29 de janeiro, é celebrado o 21° Dia Nacional da Visibilidade Trans. Criada em 2004 com o protesto Travesti e Respeito, realizado em Brasília, a data representa um marco de luta, mas também levanta questionamentos sobre avanços reais. Com 122 mortes de pessoas trans registradas no último ano, fica a pergunta: há realmente o que comemorar?
O Jornal Midiamax apresenta nesta reportagem relatos de três mulheres trans que personificam, em Mato Grosso do Sul, resistência e reflexão sobre a importância da data, a invisibilidade nos espaços institucionais e denunciam a dura realidade enfrentada diariamente por esse grupo marginalizado pela sociedade.
Resistência ante a discriminação
Os dados não são nada animadores para a comunidade trans. Ainda que tenha ocorrido uma queda de 16% dos assassinatos registrados em 2024, 122 pessoas trans foram mortas no ano passado, segundo o Dossiê de Violência contra Transexuais, da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
Mas há, porém, quem luta contra os preconceitos e contraria as estatísticas, e consegue ascender socialmente.
É o caso de Mikaella Lima, bacharel em Educação Física pela UniAraguaia (GO) e atual coordenadora da ATMS (Associação das Travestis e Transsexuais de Mato Grosso do Sul). Como a maioria das pessoas trans, sua vivência é marcada por dificuldades, preconceitos e chacotas, sobretudo no ambiente de trabalho, o que a fez atuar por dez anos como profissional do sexo.
“A sociedade não nos quer pertencente no mercado formal de trabalho, apenas no informal, o qual é o único que aceita as pessoas trans”, explica.
Atleta de voleibol feminino regulamentada pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) e árbitra registrada na Cobrav (Comissão Brasileira de Arbitragem de Voleibol), Mikaella destaca que as dificuldades passadas por pessoas como ela são ainda maiores, pois sofrem “em dobro”, por serem transsexuais e mulheres, e diz que a pauta, muitas vezes, é usada apenas como trampolim político.
Somos mulheres como qualquer outra, então enfrentamos os mesmos assédios, ganhos menores de salário, as mesmas dificuldades. A justificativa do poder público, de querer tirar nossa existência, nossos direitos, é inconstitucional.
Assim como ela, Giulia Rita, médica formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), classifica a vida enquanto pessoa trans como “um inferno” e atenta para a dificuldade de se fazer respeitada.
“É muito difícil arrumar emprego de formal geral. A sua corporeidade sempre vai ser observada, sempre vai ser um grande critério. Não importa o quão competente você seja, não importa quão estudada você seja”.
A educação, inclusive, é outro direito negado à comunidade trans. Diversas barreiras institucionais e episódios de transfobia afastam e expulsam pessoas do ambiente educacional constantemente. A dificuldade de serem reconhecidas e tratadas pelo nome social, atrelada a um ambiente propício, muitas vezes, ao bullying, é mais um obstáculo para a ascensão social das pessoas trans.
E, ainda que pessoas como Mikaella e Giulia superem essas barreiras e consigam qualificação profissional, isso ainda não as blinda de sofrerem transfobia ou serem desvalorizadas e desrespeitadas em seus ambientes de trabalho.
Terra sem lei?
Além das adversidades encontradas no ambiente de trabalho, a transfobia se manifesta de forma contundente no âmbito digital. Com a recente decisão da empresa Meta – dona do WhatsApp, Facebook, Instagram e Threads -, que passou a permitir a associação de transtornos mentais a pessoas homo e transsexuais, as redes ficaram ainda mais hostis a toda a comunidade LGBTQIAPN+.
A polêmica, que teve repercussão no início de 2025, se deu após alterações na moderação de conteúdo, que além de permitir ofensas transfóbicas, encerrou a checagem de fatos. Com isso, a AGU (Advocacia-Geral da União) realizou audiência pública na última quarta-feira (22) para debater as mudanças e encaminhou o resultado da reunião ao STF (Supremo Tribunal Federal).
A assistente social Bel Silva, especialista em saúde da família, servidora pública da saúde, integrante da Coletiva de Trans Pra Frente e também vice-presidenta do Conselho Estadual LGBTQIA+, aponta que esse fato é um regresso na luta por igualdade e que precisamos estar atentos a como isso irá refletir na busca por direitos.
“Esse retrocesso vai na contramão dos avanços científicos que já retiraram a incongruência de gênero como um transtorno mental”, afirma Bel. É importante ressaltar que a OMS (Organização Mundial da Saúde) já retirou a transexualidade da lista de doenças mentais há sete anos, em 2018.
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Há realmente o que comemorar neste dia 29?
A profissional da saúde, assim como Mikaella e Giulia, enfrenta, diariamente, preconceitos e estigmas atrelados a seu gênero. Ela afirma que vive “um processo de adoecimento na instituição em que trabalha, decorrente ao não respeito do nome social”. Segundo ela, o Dia Nacional da Visibilidade Trans é essencial para combater essa realidade e fundamental para promover a conscientização sobre os direitos como pessoas trans.
Esse dia simboliza a luta por igualdade, respeito e inclusão, além da importância de garantir acesso a serviços de saúde, educação e trabalho.
Giulia, por outro lado, percebe a importância de uma data para focar esforços para explorar um assunto negligenciado, mas tem um pé atrás com esse tipo de celebração. “Me preocupa pensando numa capitalização e apropriação da pauta trans pelo sistema capitalista e neoliberal. Aí passa o resto do ano sem falar sobre isso, sem incentivo, discussão, políticas públicas”.
Apesar disso, ela afirma que é muito importante ter um momento dedicado a trazer visibilidade às mazelas enfrentadas pelas pessoas trans, que são cronicamente negligenciadas, invisibilizadas e assassinadas pela sociedade.
Já Mikaella explica que a comemoração foi e ainda é essencial para reivindicar os direitos da comunidade. Completando 21 anos de visibilidade em 2025, a data ficou marcada na história pelo momento em que, a partir do protesto Travesti e Respeito, o grupo conseguiu alcançar mais direitos humanos.
O evento foi realizado no Congresso Nacional, em Brasília, em parceria de ativistas trans com o Ministério da Saúde, visando chamar atenção para as violações de direitos humanos enfrentadas pelo grupo. Desde então, a data ajudou a consolidar um espaço de mobilização anual para a luta por dignidade, respeito e inclusão.
Cidadania em construção
A árbitra também aponta que a data foi importante para o avanço de políticas públicas afirmativas, mas que ainda há necessidade de maiores mudanças para a comunidade ser vista com respeito e como cidadãos como quaisquer outros. A criação dessas políticas talvez seja o caminho mais correto a ser seguido para buscar a igualdade, porém, não é simples.
Giulia diz que essa é a parte mais importante da data, e que deve passar por pilares como educação, saúde e segurança. No entanto, o governo deve não só criar, mas desenvolver, acompanhar e manter essas políticas públicas.
Precisamos de políticas que visem e facilitem a entrada de pessoas trans no sistema educacional, através de vagas afirmativas. [Temos que] ter um trabalho interno de valorização das pessoas trans, de entendimento quanto a nome social, quanto a transfobia, a transfobia institucional.
Junto a essas necessidades, a médica conclui destacando mais um dificultador: a falta de dados sobre pessoas trans, sobretudo, em Mato Grosso do Sul. Sem levantamento de dados, não é possível construir políticas públicas, já que elas se baseiam nas estatísticas, segundo ela.
Os dados do dossiê da Antra mostram que os casos diminuíram em Mato Grosso do Sul no último ano. Em 2024, foi registrado apenas um assassinato de transgêneros em MS, após dois anos consecutivos apontando cinco mortes. É importante destacar que esses números dizem respeito somente aos casos registrados, e que muitos deles são subnotificados e não entram para as estatísticas.
Por isso, mais uma vez, a visibilidade das pessoas trans – e consequentemente, o dia 29 de janeiro – se faz tão necessária no Brasil e no estado. A data traz um olhar urgente à comunidade que enfrenta tantas barreiras no dia a dia e trava uma luta por seus direitos e por uma sociedade mais igual e inclusiva.
Porém, visibilidade, por si só, não basta. É necessário que ela seja acompanhada de uma transformação coletiva, principalmente estatal, que garanta que cada pessoa trans tenha, finalmente, acesso pleno à cidadania e à dignidade que lhes são negadas há tanto tempo.
(Com supervisão de Guilherme Cavalcante)
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