Filhos do nordeste, membros de associação ‘cantam e encantam’ ao narrar como MS se tornou lar
Associação na região da comunidade Homex reúne diferentes origens e sotaques, que revelam como Campo Grande os encantou e virou morada
Karina Campos –
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Do sertão de ‘sol quente’ e de gente valente, Campo Grande também é abrigo. Enquanto as raízes permanecem na terra natal, a criação da ADNORDEA (Associação de Nordestinos e Amigos de Campo Grande e Mato Grosso do Sul), na comunidade Homex, se torna um ponto de encontro de famílias que deixaram o Nordeste em busca de oportunidade.
A associação é símbolo de resistência de uma cultura ancestral, que de tão resiliente tem até data: 8 de outubro, Dia do Nordestino. E é nessa entidade que está Jailton Saraiva, mais conhecido como Jajá Nordestino. Presidente da entidade, ele chegou a Campo Grande há 31 anos, assim como muitas gerações.
É quase impossível uma conversa sem ao menos uma risada do “cabra” que relembra a infância em Exu, no estado de Pernambuco. Ele saiu ainda adolescente da cidade com pouco mais de 31 mil habitantes, com o tio e irmãos.
Jajá tinha o plano de estadia breve pela Capital Morena, pois viajou primeiro para São Paulo. Contudo, as economias não eram suficientes para a cidade paulista. Assim, conseguiu moradia com uma amiga no bairro São Francisco.
“Cheguei aqui em maio de 1993. Quando vim para Campo Grande, falava que era o Mato Grosso, não sabia nada daqui. Quando cheguei, conhecia apenas ‘Nazinha’, que foi a primeira namorada de Luiz Gonzaga. Ela morava no bairro São Francisco. Depois, meu tio quis ir embora, não conseguia emprego e eu fiquei aqui, sozinho e com 17 anos. Viemos só passear em Campo Grande, mas gostei muito daqui e decidi ficar. Comecei a trabalhar por seis meses, era ‘meia colher’, como se fosse um pedreiro e ajudante de servente”.
Foi a extrema seca do Nordeste que motivou a saída de Jajá de Exu, mas a saudade de casa apertava a cada mês longe da família. Ele conta que estava decidido a arrumar as malas para retornar, quando foi surpreendido pela mãe.
“Sou o mais velho de 11 irmãos. Liguei para minha mãe dizendo: ‘Estou com muita saudade, mainha, vou voltar’. Ela disse que vendeu a casa e estava vindo, que tinha comprado oito passagens de ônibus. Nesse tempo, moramos na casa de um primo dela, o Mario e a Vera. Meus irmãos começaram a trabalhar também, para ajudar em casa. Eu saí da construção e fui vendedor ambulante. Vendia de tudo, cosméticos e até rede. Depois, alugamos uma casa e fomos muito gratos por todos os que nos ajudaram. Hoje em dia, cada um tem sua casinha, seu carro e sua família”.
Nordeste x Centro-oeste: um choque cultural
Apesar de estados próximos, Darline Lima Alves, de 37 anos, saiu do Ceará e conheceu Jajá na comunidade Homex. Ela decidiu sair do interior cearense em 2014. Inicialmente, o maior choque cultural foi na gastronomia sul-mato-grossense, a maior dificuldade de se adaptar.
“O gosto da água é diferente da água do nordeste, o gosto do pão. Foi um choque de cultura. Nossas comidas típicas são muito diferentes. Aqui fazem churrasco todo dia, lá a gente brinca que só tem carne se morder a língua. Em 2014, minha mãe vendeu a casa e viemos para casa, com meus irmãos. Meus quatro filhos são nordestinos, nasceram lá. Eles se adaptaram, têm o sotaque, mas também o daqui. Também sinto muita falta das praias de Fortaleza, mas gosto muito de Campo Grande”.
Sotaque
O sotaque do nordeste – que na verdade são vários – é característico: música e poesia. Nisso, o dialeto único causou estranheza à primeira vista. “Falo muito rápido, e nordestino é assim: você pode estar numa roda conversando com três pessoas, você consegue prestar atenção em tudo o que estão dizendo”.
Além do sotaque, o dicionário singular confundia o sul-mato-grossense. Jajá exemplifica que, há 30 anos, penou para conseguir uma conversa de entendimento fácil.
“Tem um dicionário de palavras que é comum lá e não conhecem aqui, como papagaio, lá é a pipa, bombom é como se chamam a bala aqui. Se falar ‘bala’ é o projétil. Outra coisa diferente é o paladar, hoje em dia até se acha coisas, a tapioca, a farinha de cuscuz. Quando cheguei não tinha nada disso não. Eu sofri muito para achar a comida da minha infância”.
“Tenho até uma história engraçada. Lembra que trabalhei na construção civil? Caiu uma viga na minha cabeça e fez um corte. Fui levado para a Santa Casa e me perguntaram o que tinha acontecido. Eu dizia: caiu uma linha na minha cabeça. Ninguém entendia nada e questionavam: Mas como uma linha tão leve ia fazer isso?’. Na minha terra, linha é viga, madeira”, acrescenta.
‘Me apaixonei pela cidade’
Magda é a mais nova do grupo a integrar Campo Grande, deixando a cidade natal no Ceará em 2017, com o marido e os dois filhos. Há um ano, a filha caçula nasceu e é a primeira campo-grandense da família. “Assim que cheguei do aeroporto, eu me apaixonei pela cidade. O cheiro é diferente, o clima”.
Nesses oito anos, Magda fez raízes na cidade. Ela conta que conseguiu emprego rápido, mas a escola dos filhos estava com dificuldade para entender o “dialeto” nordestino.
“Tem palavras diferentes dos nossos costumes. Já fui chamada na creche porque meu filho não puxa o R. Expliquei para a diretora que somos do nordeste. Agora, eles estão mais adaptados, mas mantemos nosso sotaque. Me lembro que era complicado ir ao mercado. Sou Ceara, e lá chamamos o mercado de ‘bodega’ ou ‘mercantil’. Perguntei para a funcionária: quero uma cuba de ovos. E ela: o que é isso? Ah, você quer uma cartela de ovos?”
Aos 12 aos, Antônio Eurivan da Silva, que atualmente tem 52 anos, saiu do Pernambuco com o pai. A família vendeu tudo que tinha na esperança de mudança de vida. Apesar de nascer no Paraná, ele se considera nordestino, já que morou na região desde bebê.
“Meu pai vendeu o gado, não era muito. Viemos de ônibus. Passei a trabalhar como ajudante na prefeitura e depois me alistei no Exército”.
“Me considero Nordestino, entretanto, a vida lá é muito dura. É um lugar seco, não dá para criar gado, só com ração, o clima é diferente também. Voltei lá recentemente, não mudou muita coisa. Campo Grande é uma cidade privilegiada”.
Amiga do grupo e moradora da região, Vilma Santos de Souza, 43 anos, também é “estrangeira”, pois deixou Cáceres, no Mato Grosso, há alguns anos, conhecendo aos poucos a cultura nordestina.
“Conheci o Jajá pelo bairro. Éramos amigos e eu falava muito rápido, era ligeiro. Eu até brincava ‘esse deve ser mentiroso’. Mas conheci e descobri que tem um enorme coração. Ele pensa muito nos outros antes dele, isso é muito coisa de nordestino, pensar mais no bem-estar do outro do que em si mesmo. Sendo do Centro-Oeste, nosso paladar é muito diferente, por exemplo, eles cortam o pão e colocam açúcar ou banana. Nunca que em MT ou MS se faz isso. Outra coisa é o baião de dois, feijão misturado com um monte de coisa, é muito bom, mas era algo que não é comum”.
Dominguinhos
O escritor Paulo César Barmonte descreve o tradicional chapéu de couro como utensílio de uso exclusivo do Nordeste brasileiro. O chapéu do vaqueiro que costura a caatinga, desviando de galhos, garranchos e espinhos.
Jajá comprou ‘dominguinhos’, o chapéu tipicamente e característico do sertão, em referência ao artista nordestino. O item de couro legítimo varia o custo de R$ 70 a R$ 100. Com os associados na ADNORDEA, o presidente diz que sonha em entregar um chapéu para cada conterrâneo que “se achegue na comunidade”.
“A associação foi criada com objetivo de dar amparo para migrantes e imigrantes, não só nordestinos, pois um dia eu e minha família fomos acolhidos. Quero pode ajudar, dar suporte para quem chega nessa cidade, retribuir de alguma forma. Nós recebemos um terreno da prefeitura, mas meu sonho é ampliar ainda mais, além de trazer um pouco mais do meu Nordeste para o MS”.
Ainda falta muito para uma estruturação do terreno físico. Contudo, a força de vontade do grupo já avança para um ponto histórico. Neste ano, o 5° Arraial da Homex, se consolidou como uma tradição e uma maneira de apresentar um pouco da cultura.
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