É nas águas paraguaias que o marinheiro Oscar Ramirez recentemente parou e tirou uma foto. E o que ficou eternizado é um navio desativado, após cerca de 50 anos de operação na região. No azul que se confunde, céu e rio presenciam a passagem de mais uma embarcação, de milhares que por ali passaram e deixaram memórias no coração de corumbaenses, porto-murtinhenses e pantaneiros “raízes e do coração”.

No caso de Oscar, ele, irmã e mãe sempre relembram histórias dos navios. “Nós fizemos o trajeto de Porto Murtinho a Assunção, há uns 42 anos. Eu era muito criança, lembro que não sabia nadar, então, cuidavam muito da gente. Na época, eram dias de viagem e, no nosso caso, viajávamos mais no navio cargueiro. Eu gostava de brincar lá fora, na parte externa. E o pessoal ficava ali apreciando o Pantanal”, afirmou a representante comercial Margarida Ramirez, de 48 anos.

Mesmo presenciando inúmeros navios, Oscar e a irmã Margarida relembram do Bahia Negra, um dos mais famosos que fazia o transporte de passageiros. Assim como eles, Carlos Arruda, que é motorista ferroviário, é também nostálgico quando se refere ao porto de Corumbá, no pantanal sul-mato-grossense. Recentemente, nas redes sociais, ele postou uma foto e perguntou se alguém se lembrava do navio paraguaio que atracava na cidade, nos anos 80 e 90, “e trazia muita coisa boa e barata”.

Evolução pela navegação

(Oscar Ramirez/Arquivo Pessoal)

Amante das histórias embaladas nos navios e também pela evolução que as embarcações trouxeram para Mato Grosso do Sul, o historiador Eronildo Barbosa fala sobre o apogeu da navegação, em Corumbá. “Quando a gente fala em evolução, temos o processo da navegação pelo rio, a partir de 1910, trazendo também a ocupação do pantanal sul de Mato Grosso, Corumbá e Ladário. Historicamente, Corumbá se transformou em um dos mais importantes portos da América do Sul, onde entravam e saíam mercadorias, gente e ideias”, afirmou ao MidiaMAIS.

Desta forma, o porto de Corumbá foi fundamental para o abastecimento e a exportação de produtos da região. “Enviavam couro de onça, veado, jacaré, todos produtos com grande procura na Europa, além do envio de erva-mate, por exemplo, então, assim foi ocorrendo o processo de ocupação do Pantanal, em que também chegavam ferragens, vidros, louças, sal da Bahia e artigos de cama, mesa e banho da Europa, tornando cosmopolita as cidades de Corumbá e Porto Murtinho, entre 1910 até meados de 1940, por conta destas características”, argumentou Barbosa.

Na época, Eronildo fala que os navios saíam da Europa e tinham as bandeiras trocadas. “Por aqui, vivíamos o momento da exportação de charque do Pantanal, porém, todo esse apogeu de Corumbá, Porto Murtinho e Ladário vai perdendo força após a Primeira Guerra Mundial, principalmente por conta de dois fatores, que vão criando dificuldade, que foi a construção da avenida Noroeste do Brasil, em 1946. Na época, ela não chegava exatamente em Corumbá, foi chegar a partir de 1953”, argumentou.

Porém, com o passar dos anos, a comunicação econômica já estava sendo feito em São Paulo. “As pessoas vinham da capital paulista, desembarcavam em Aquidauana e Miranda, que passaram a ser os entrepostos de distribuição comercial. Tudo isso foi um baque que Corumbá sofreu, as rotas mudaram completamente e os interesses também. A chegada do frigobar e a geladeira, por exemplo, também mudou a concepção das pessoas, que passaram a comer a carne fresca”, disse o historiador.

Assim, o Porto de Santos passou a ser a rota principal. “De lá, as pessoas pegavam um trem e, em dois dias, já estavam no Pantanal. Só que as viagens de navios continuaram, fazendo o trajeto até Cuiabá e Cáceres, por exemplo, como se fosse um ônibus de trajeto normal. E era uma viagem exuberante, em que a população ribeirinha aguardava o navio passar, cumprimentando a todos, várias empresas continuaram transportando e os passageiros tinham uma viagem linda, contemplando a natureza e os animais. O que diziam é que era espetacular e com muito conforto”, finalizou.