Fadados a sumir e sem ‘herdeiros’, afiadores de alicates e relojoeiros são cada vez mais raros
Você já parou para pensar em funções que sumiram ou estão prestes a acabar porque filhos não estão assumindo o serviço, antes exercidos pelos pais?
Graziela Rezende –
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O FEM (Fórum Econômico Mundial) 2023 foi bem claro, ao dizer, que inúmeras profissões estão fadadas a sumir nos próximos anos. A inteligência artificial, inclusive, é parte deste processo e questões relevantes no mercado de trabalho continuam sendo discutidas. Mas, trazendo o assunto para nossa realidade, já parou para pensar em funções que sumiram ou estão prestes a acabar porque filhos não estão assumindo o serviço, antes exercidos pelos pais? Por exemplo, quantos afiadores de alicates, relojoeiros e ourives você conhece? Creio que não muitos…
Em Campo Grande, estes profissionais são raros, alguns “contados no dedos”. No primeiro caso, o susto veio justamente com as chamadas unhas de gel e suas mais variadas versões. A novidade atraiu muitas mulheres e a “substituição” fez com que muitas manicures tradicionais perdessem clientes ou então tivesse queda acentuada no movimento. Resultado? Sem alicates tirando cutículas, sem alicates para serem afiados.
‘Não vem mais os senhorezinhos trocarem pilhas’, diz empresário
Já no segundo caso é só pensar o que está sendo oferecido no mercado, os chamados smartwatches. Quando estragam, não são consertados e sim trocados por outro. “Não se conserta mais relógios. Eles são trocados. E aí a gente não vê mais aqueles senhorezinhos vindo na loja trocar a pilhar ou então arrumar o seu antigo relógio. Muitos deles morreram, inclusive, e o mais novos perderam este hábito. Estragou, você troca, é simples assim”, afirmou ao Jornal Midiamax Eduardo de Oliveira Fortuna de 40 anos.
Acumulando as três funções há 25 anos, tanto de afiador de alicates, como relojoeiro e ourives, Eduardo conta ainda que os designers de joias também se sobrepuseram ao profissional que faz o conserto de joias e este passou a ser menos procurado. “Hoje em dia tem muita máquina fazendo o serviço do ourives e o designer entrou nessa, então, está sempre aumentando o seu valor”, argumentou.
Com tamanha experiência, herdada do pai, Eduardo aprendeu o ofício, assim como o irmão dele e todos se tornaram empresário do ramo. “Carioca” de nascença, deu o mesmo nome em suas lojas, onde vende e conserta joias, relógios, óculos e também afia alicates. Ambas funcionam na região central de Campo Grande e empregam doze pessoas. A que está localizada na rua Cândido Mariano, no entanto, carrega “um amor maior”, pois, é onde Eduardo ensinou o ofício para 21 jovens.
‘Carioca’ ensinou 21 garotos a afiarem alicates e fazerem alianças
Com o passar dos anos, os funcionários tomaram outros rumos e o último que recebeu os ensinamentos dele é um rapaz, de 18 anos. Na ocasião da entrevista, o jovem manipulava uma peça de ouro minuciosamente e se disse muito contente com o trabalho. Orgulhoso do garoto e também dos filhos, um menino de 13 anos e uma menina de 17, Eduardo fala que sonha com a continuidade da profissão. Mas, por enquanto, só o mais novo mostrou interesse e mesmo assim fala em “ser empresário”.
“Eu, com 15 anos, já trabalhava. Meu pai quem ensinou meu irmão e ele quem me ensinou. Agora, se o meu negócio vai ter continuidade ou não, ainda não. Meus filhos se dedicam aos estudos e falo muito sobre empreendedorismo com eles. O mais novo, quanto dá tempo, me acompanha, faz perguntas sobre as máquinas e fala: ‘Vou ser empresário igual ao meu pai’. Realmente ainda não sei, mas, são funções bem raras mesmo, que estão sumindo”, disse.
Jackson saiu do Exército e foi trabalhar com o pai como afiador de alicates
Um funcionário muito habilidoso, que começou a dar a afiação de alicates de presente aos clientes, na loja do pai de Jackson Ossuna da Silva, de 35 anos, fez com que a demanda crescesse cada vez mais. É desta forma que João Vicente da Silva, ourives há 40 anos, deu um jeito para que o profissional ensinasse o filho e assim ele deu continuidade ao trabalho.
Carinhosamente, Jackson chama as clientes de “as meninas”, se referindo as manicures que levam alicates para afiação. Às segundas-feiras, quando grande parte dos salões estão fechados, o movimento é grande e ele atende e conversa com cada uma, disponibilizando até moto entregador quando necessário.
No mesmo endereço desde 1988, João construiu uma história, clientela fixa e Jackson foi na mesma toada, se atualizando até mesmo nos piores momentos. “Eu passei a afiar instrumentos cirúrgicos, tesouras de jardinagem, de tecido, de cabelo, tudo, até a língua da sogra”, brincou.
Segundo Jackson, o bom atendimento e a qualidade do serviço o mantém no ramo. “No início, as meninas não acreditavam no meu serviço. Eu ia aos salões de beleza e oferecia o serviço, bem novinho. Algumas não acreditavam e eu então oferecia de graça. Na próxima vez, juntava todo mundo do salão e mandavam 10, 15 até 20 alicates para serem afiados de um só vez e aí foi nessa brincadeira que fui ficando conhecido, fazendo minha clientela”, explicou ao MidiaMAIS.
Após um tempo, Jackson foi servir ao Exército e passou um tempo fora. Quando retornou, se dedicou de vez ao ofício e chegou a aficar, das 5h da manhã às 22h, 128 alicates. “Neste dia, eu engoli a comida e depois já comecei de novo. Hoje, se tiver 200, a gente faz. Isto acontece muito em épocas de datas comemorativas, como Dia das Mães, por exemplo, em que a gente se arruma mais. Final do ano também é essa correria”, disse.
‘Acho que ainda tem muito espaço para esta profissão’, avalia afiador de alicates
Conforme o profissional, que inclusive pretende abrir um curso para ensinar jovens “dispostos”, assim como ele mesmo define, existe um grande espaço para a profissão. “Mesmo com essas projeções, de que a profissão pode sumir, acho que ainda tem muito espaço. Muitas mulheres estão fazendo o caminho contrário e não estão mais colocando essas unhas artificiais. Elas querem o tradicional mesmo. E com isso a gente também não parar. É engraçado que, se quiser, eu posso te mostrar o que faço em cinco minutos. Mas, ter o acabamento e fio perfeito e fazer isso bem rápido, só com muita técnica e experiência mesmo”, ressaltou.
Atento a modernidade, Jackson ressalta que contratou motoboy para busca e entrega de alicates, além de reforçar a venda de objetos novos e já afiados ao cliente, divulgar o serviço em diversas redes sociais e ainda receber alicates do interior para afiação.
“A clientela aumentou de 40% a 50% depois destas atitudes. E eu penso que esta não é uma profissão que ninguém ensina de graça. Já vi gente cobrando 15 mil para passar tudo, é como se fosse uma faculdade realmente. Eu considero uma profissão muito boa. Demora uns seis meses para aprender, mas, pegando bem a técnica a pessoa consegue afiar em cinco minutos e chega ao mais perto da perfeição”, argumentou.
Com o passar do tempo, Jackson disse que a afiação de alicates acompanhou a inflação. “Quando eu comecei era R$ 1,50 o preço da afiação. Hoje já está R$ 10 e, no interior, se cobram R$ 15 por afiação. Mas, tudo subiu também né. A lima triangular antes era R$ 8 e hoje já está R$ 45. Outra ferramenta do desbaste era R$ 5 e atualmente está R$ 24”, disse.
Feliz com a trajetória, Jackson também comenta que recebe alicates até dos Estados Unidos para serem afiados, a cada seis meses.
“São amigas que mandam pelos Correios. Elas são iguais as meninas daqui, querem tudo sempre muito rápido e a gente corre pra dar conta. Eu amo o que faço. Já comprei moto, carro, apartamento, tudo com o meu serviço digno”, finalizou.
Veja o depoimento destes profissionais:
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