Há quatro anos, Beatriz Adriana Ramirez Adelan, mais conhecida como Ruvi, vivia momentos de tensão antes de tomar a maior decisão da sua vida, quando precisou deixar os filhos em casa para conquistar melhores condições financeiras a fim de resguardar o futuro de cada um. Com alguns trocados no bolso e poucas mudas de roupa na mochila, a mulher se despediu da família, se vestiu de coragem e foi embora da seu país para tentar a sorte como refugiada da Venezuela no Estado de Mato Grosso do Sul.

Ao chegar ao Brasil, Ruvi afirma que viveu todas as dificuldades imagináveis: não conseguia emprego, mal tinha o que comer e sequer possuía lugar para dormir à noite. Apesar de todas as provações, ela afirma ao MidiaMAIS que fez tudo isso pensando nos filhos.

Saída da Venezuela: a decisão que mudou tudo

Com a família toda natural da Venezuela, Ruvi veio ao Brasil em 2018. A decisão, então, foi impulsionada por causa da crise humanitária e financeira que assolava o país vizinho na época. Com pouco dinheiro e baixo poder aquisitivo, ela não conseguia comprar comida para os filhos.

Ruvi chegou ao Brasil em 2018 e trouxe os filhos no mesmo ano (Foto: Stephanie Dias/Jornal Midiamax)

“Quando eu saí lá estava muito mal, uma situação geral. Até tinha emprego, você trabalhava um mês e pegava um salário que não dava para comprar nem um frango. Um salário por mês dava para comprar um pacote de arroz e um sabonete”, recorda a mulher, angustiada.

Sem condições de sustentar quatro filhos, resolveu mudar de vida e se instalar em outro lugar. Questionada se sentiu medo antes de partir, ela afirma que não, uma vez que estava desde o começo pensando unicamente no futuro dos filhos.

“Eu lembro que peguei uma mala, três mudas de roupa, uma sandália, um sapato e fui”.

Vinda para o Brasil

Ruvi morou primeiro em Boa Vista, em Roraima, e só depois veio se instalar em Campo Grande. Durante o período em que esteve no norte do Brasil, o plano era ficar dois meses e juntar o dinheiro que precisava para trazer a família também. No entanto, não foi bem assim que tudo aconteceu.

Entre a correria para tirar nova documentação e a esperança de realizar esse sonho, ela se deparou com uma grande frustração em território brasileiro: a falta de empregos. O objetivo, então, foi adiado.

“Durei seis meses lá em Roraima, não tinha trabalho, não tinha onde dormir, não tinha dinheiro e nem nada. Mudava todos os dias de um lugar para o outro. Dormia um dia num lugar, outro dia em outro lugar. Eu consegui tirar toda a minha documentação em 15 dias […] tirei minha carteira de trabalho e o protocolo de refúgio. Comecei a fazer currículo e a entregar nas lojas, nos mercados, mas nunca me ligaram”.

A solução foi vender produtos no semáforo. Foi assim que Ruvi conseguiu a renda necessária para, no fim de 2018, retornar à Venezuela, arrumar a mudança dos filhos e voltar com todos eles ao Brasil. Nesse meio tempo, se apaixonou, casou e veio embora com a família para Campo Grande.

A vida em Campo Grande

Ruvi mora em Campo Grande com o esposo, a mãe e os cinco filhos. Quatro deles, Brainer, 16, Wilmer, 12, Wilmely, 10, e Mia, de 6 anos, são venezuelanos. Já a caçula Angela, de dois anos de idade, nasceu no Brasil. Além da mãe, os irmãos da Venezuela também vieram para o país.

Atualmente, ela está desempregada, mas consegue sustentar a casa — onde mora de aluguel — e os filhos com dinheiro de auxílio e vendas diversas que realiza na região.

“Graças a Deus passaram-se quatro anos e eu estou aqui, ganhei mais uma filha, um esposo maravilhoso e agora estamos aqui. Passando dificuldade igual a todo mundo, porque não é fácil estar num país que não é seu, se adaptar a outros costumes […] mas estamos dando um jeito e confiando em Deus, ele quem nos sustenta”.

Ruvi mora em casa alugada em Campo Grande (Foto: Stephanie Dias/Jornal Midiamax)

Tudo pensando na formação dos filhos

Questionada sobre o motivo de ter feito tudo isso, Ruvi é sucinta ao afirmar que a sua maior razão é a família e o futuro que ela deseja proporcionar aos filhos. Em Campo Grande, ela celebra que todos eles estão na escola.

“Bate aquela saudade do meu país, o que é normal, mas eu falo que minha vontade não é voltar, eu me sinto bem aqui, sinto que dei um passo muito longo em vir. Porque o que meus filhos são agora, eles não conseguiam ser lá. O estilo de vida lá é muito agitado, bem diferente daqui. Agora eles estão estudando, sendo formados no Brasil. Eles já sabem o idioma, já se relacionam com outras crianças daqui”, revela.

‘Tirar todo o medo de nós é ir para frente’

Esse é o conselho que Ruvi dá para as mães que se encontram na mesma situação em que ela já esteve. Quatro anos depois, ela sente no peito que tomou a decisão certa. Apesar da saudade, trouxe consigo a herança dos anos vividos na Venezuela e faz questão de passar adiante às novas gerações.

Ruvi mora com os 5 filhos, o esposo e a mãe na Capital (Foto: Stephanie Dias/Jornal Midiamax)

Seja nos ensinamentos ou até mesmo na comida de casa, parte da Venezuela sempre vai preencher o coração da família. Para quem atravessou fronteiras no intuito de encontrar paz, hoje Ruvi sente que finalmente está em casa.

Venezuelanos em MS

Ruvi é um dos vários venezuelanos que chegam ao Brasil na busca por oportunidades. Segundo a Associação Venezuelana em Campo Grade, cerca de 1400 pessoas refugiadas eram atendidas pela instituição em 2021. Além disso, as outras três cidades que mais recebem venezuelanos em Mato Grosso do Sul — sejam eles refugiados, residentes ou apátridas — são Dourados, Corumbá e Três Lagoas.

Segundo o vice-presidente da Associação, Linoel Leal, a migração do país ocorre devido à condição humanitária que a Venezuela passou por muitos anos.

“É uma crise migratória complexa originada pela ações socioeconômicas e políticas do Chavismo na Venezuela. Além da ditadura, as coisas precárias lá na Venezuela que, sobretudo, se acentuaram nos anos de 2016, 2017 e 2018 […] Hoje tem muitas pessoas passando fome, precariedade com saúde”, conta.

Ele ainda revela que Mato Grosso do Sul é um dos favoritos para a migração de venezuelanos por ser um Estado fronteiriço. Além disso, tem mais oportunidade de emprego. A Associação Venezuelana em Campo Grade presta serviços de integração, acolhimento e fraternidade aos venezuelanos.


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