Oi? O que? Não entendi…estas palavras foram repetidas algumas vezes, claro, pelo sotaque carregado, porém, poucas vezes me envolvi em um papo tão interessante quanto do argentino Ramón José Prieto Vítola, de 47 anos. Envolvido em um amor romântico, que o fez ficar 18 dias em um navio, ao lado da brasileira Marina, aqui constituiu família, carreira de sucesso e diz que Campo Grande é o seu “lugar no mundo”. Falando portunhol, faz sucesso ao negociar carros em uma concessionária, ganhando, pelo quarto ano, o título de campeão de vendas.

Foi na concessionária onde trabalha, na Rua Joaquim Murtinho, bairro Itanhangá Park, que Ramón recebeu o MidiaMAIS. Confortável na mesa onde atende os clientes, conta que nasceu em Buenos Aires, a capital da Argentina. Filho de uma argentina com um espanhol, também se aventurou nas terras europeias, morando em Galícia e depois Barcelona, onde conheceu a futura esposa. “Foi ela quem me trouxe até aqui, o meu lugar no mundo. A Marina me apresentou, me trouxe e aqui realmente começou o carinho que eu comecei a ter pelo Brasil. Sou muito privilegiado, é real, me sinto em casa aqui”, argumentou.

No entanto, antes de chegar até aqui, Ramón fala que sofreu um acidente de trânsito em Buenos Aires, um dia antes de completar 25 anos. “Eu cursava administração de empresas e também trabalhava. Graças a Deus nunca me faltou trabalho. Da Argentina, fui para Espanha. Fiz licenciatura e trabalhava no período noturno. Me envolvi em um acidente, acordei no hospital. No outro dia, achando que ia pra festa, fiquei internado após fraturar o crânio. Fiquei dias sem saber o que estava acontecendo e depois descobri que foi bem grave, estavam até discutindo o destino dos meus órgãos”, relembrou.

Ramón já vendeu 4 caminhonetes para o mesmo cliente. Foto: Graziela Rezende/Jornal Midiamax

De acordo com Ramón, o outro motorista envolvido foi preso em flagrante. “A pessoa passou em um semáforo vermelho. Eu não a vi. Depois, me recuperei e, faltando um ano para terminar a faculdade, fui conhecer a minha família espanhola, por parte do meu pai. Queria conhecer o mundo. E lá, em Barcelona, conheci a minha Marina. Ela é brasileira, nasceu em Dourados e estava fazendo mestrado, enquanto eu vivia uma fase aventureira, porém, já trabalhando na minha área”, comentou.

Argentino diz que já chegou em Campo Grande brincando com o sogro: ‘Coitado’

Em seguida, o casal começou o relacionamento. “Ficamos um ano em Galícia e depois fomos para Barcelona. Fomos dois anos de namoro e aí eu conheci Campo Grande pela primeira vez. Eu já cheguei brincando com o meu sogro, dizendo: Coitado, levou sua filha para Europa e ela voltou com um argentino. Que má sorte, nem para ser um francês, um italiano, um alemão. Eu já sabia da rixa com o Brasil, então, sempre teve esta brincadeira”, falou.

Ao retornar, o casal teve a notícia do primeiro filho. “Ele é catalão. O Pedro atualmente está com 14 anos. Ele veio para o Brasil conosco, com dois anos de idade. Aqui tivemos a Maya, que está com cinco anos. É a criança mais alegre do mundo. Retornamos por conta de um problema de saúde do meu sogro, a saudade da família mesmo, por parte da minha esposa, então, surgiu uma oportunidade e viemos”, contou.

Argentino conheceu esposa em Barcelona e juntos possuem dois filhos. Foto: Redes Sociais/Reprodução

Sempre bem acolhido, ainda segundo Ramón, a decisão foi de permanecer na capital sul-mato-grossense. “Estamos há mais de uma década aqui . Falava para os meus parentes que eu era um dos poucos estrangeiros que vinha para o Brasil e não ia à praia. Só que, ao mesmo tempo, ia em muito churrasco de família, amigos, barzinhos, lugar para se divertir nunca faltou. Lá, por exemplo, tinha um sócio e nunca nem frequentei a casa dele. Aqui, mal cheguei e já tinham três convites. É um povo muito hospitaleiro”, avaliou.

Ramón e a família no navio, a caminho do Brasil. Foto: Redes Sociais/Reprodução

Durante a viagem, Ramón conta que veio de navio e aproveitou a viagem romântica com a esposa. “Tem algo muito interessante nesta viagem também. Esse mesmo navio, três quatro anos depois, afundou. O mesmo capitão estava nele. Houve 70 vítimas e eu sempre comentei com a Marina que escapamos, que não era nossa hora. No nosso caso, tinha muito passeio turístico. Passamos por Recife, Fernando de Noronha, Rio, Santos e aí, já em São Paulo, viemos para Campo Grande”, relembrou.

Ao desembarcar, Ramón disse que somente a esposa se comunicava com as outras pessoas. “Passou um tempo e eu não consigo fugir do meu sotaque. Só que, com o tempo, vejo que isso é minha ferramenta de trabalho também. Tem gente que chega na concessionária, onde estou há seis anos, dizendo: ‘Quero falar com o estrangeiro, o argentino’. E engraçado que fiz essa entrevista super sem compromisso. Quando o avaliador perguntou se eu achava que teria problemas com os clientes, eu respondi que não, que seria o meu charme”, falou.

Experiente e considerado o melhor vendedor há 4 anos, Ramón fala que o sotaque que poderia afastar clientes, é a maior marca. No entanto, para concluir uma venda, o profissionalismo é que tem que falar mais alto. “Eu não faço distinção. Pode chegar de chinelo e bermuda, terno ou até vestido de árabe, nunca faço pré-julgamentos. Estou ao lado de craques aqui, só vendedores bons, então, me esforço tanto quanto eles”, disse.

Na época de pandemia, Ramón ainda fala que as pessoas o “entendiam menos ainda”, porém, teria sido a época em que ele mais vendeu veículos. “Eu lá com máscara, via as pessoas se aproximando cada vez mais, até que percebia que não estavam entendendo nada. Mas acho que o bom atendimento, a honestidade e a simpatia já se tornam um diferencial fantástico. É o quarto ano seguido que mais vendo na concessionária. Eu brinco que, se me entendem 30%, já está ótimo”, falou.

Por fim, veio a pergunta clássica…Copa do Mundo chegando, vai torcer para quem? Eis que Ramón diz: “Eu amo o Brasil, me sinto muito bem aqui. Mas, nesta copa vou torcer para a Argentina. Aqui já somos penta, a Argentina ainda está longe disto. Eu sei da rixa, sei que os brasileiros são apaixonados pelo futebol brasileiro, mas, desta vez vou torcer para Argentina”, finalizou sorrindo.

Veja um trecho da conversa com Ramón: