Dizem por aí que você só se sente adulto de verdade quando ir ao mercado em um dia de ou cozinhar o feijão para semana inteira te traz prazer. E posso dizer que pelo menos por aqui, na véspera dos meus 30 anos, isso é bem real. Nesses 12 meses de uma pandemia que às vezes parece não ter fim, eu vi a tarefa de cozinhar o almoço do dia a dia passar de obrigação da vida adulta e se tornar um hobby. Vou te contar um pouquinho dessa jornada.

Cozinha nunca foi um cômodo de casa a que eu me sentia pertencer, bem longe disso. Até os meus 25 anos, minhas habilidades culinárias se restringiam a ferver a água do macarrão instantâneo ou fritar um ovo. E não, não me orgulho disso. Eu sempre brincava que ‘não sei se não gosto de cozinhar porque eu não sei cozinhar ou se eu não sei porque não gosto’. É que sempre tive alguém para fazer por mim, a mão mais experiente que já vi na cozinha, minha mãe.

Quando a hora de casar chegou, há quase cinco anos, eu joguei o assunto ‘cozinhar’ para debaixo do tapete até que no dia 1 da vida independente me vi olhando para as panelas sem ter ideia do que eu ia fazer. Aí, meus queridos, foi muito Youtube e ligação, vídeo e mensagens por whats para minha mãe, coitada.

A prática foi evoluindo e fazer um almoço gostosinho já não era assim um desafio tão grande. Me sentia segura para ousar em alguns pratos, mas tudo, claro, seguindo à risca todos os detalhes das receitas. Mas a atividade não passava de uma obrigação que, na maioria das vezes, eu levava com o pior dos humores.

Para quem cozinhava por obrigação, pandemia foi descoberta de sabores e resgate de comida afetiva
Pratos simples, mas que remetem à e fazem transbordar (Foto: Arquivo Pessoal)

Na pandemia, uma descoberta

Mas foi quando a pandemia nos surpreendeu e mudou tudo que a gente conhecia como ‘zona de conforto’ que a culinária ganhou outro espaço na minha vida. Em casa 24 horas por dia, trabalhando em home office, saindo apenas poucas vezes por mês para o mercado. Essa era a minha nova rotina e eu tinha a completa convicção de que o cenário não mudaria tão cedo. Foi aí que as idas ao mercado que mencionei no começo desse texto se tornaram mais que um momento de prazer, eram o meu contato com o mundo lá fora.

Passei a me interessar pelas variedades de alimentos que antes passavam batido pela pressa em fazer as compras o mais rápido possível. Me permitia escolher itens diferentes daqueles que sempre comprava e testar receitas novas. Meu tempero começou a ir além do sal e pimenta e passei a entender que páprica, lemon pepper ou curry poderiam me proporcionar uma incrível de sabores.

de sabores

Fiz muita coisa pela primeira vez nesse período e comecei, mais do que nunca, a ter muita saudade da comida da minha mãe, daquela que eu amava quando criança. Foi quando a #comidaafetiva começou a fazer parte das minhas postagens na internet e me vi imersa na vontade de preparar tudo aquilo que via sendo preparado quando criança.

Busquei os cadernos de receita antigos da minha mãe, com as páginas amareladas e já consumidas pelo tempo. Ali iniciei uma jornada que até hoje me emociona. Doces, carnes, bolos, tudo extremamente simples mas com um modo de fazer que me proporcionava uma e experiência sem igual a cada preparação pronta.

Entre os sabores da saudade, um doce que era presença certa nos robustos potes de vidro que minha mãe herdou da minha avó não saía da minha cabeça. Na família, sempre conhecido como ‘jeca’ ou ‘jequinha’, apelido carinhoso dado por nós. Um biscoito extremamente simples que tinha a goiabada como ponto do dulçor inconfundível. Para minha surpresa, a receitinha simples estava lá no caderno amarelado da minha mãe e não pensei duas vezes em reproduzir.

Farinha, açúcar, ovos, manteiga e sal. Nada mais. Seguindo o simples passo a passo da receita antiga, me dediquei a fazer tudo o processo o mais fiel possível à receita. Enquanto o forno trabalhava para deixar o doce assado, a expectativa só crescia. E quando tudo ficou pronto, a viagem foi instantânea: voltei a ser criança.

Repeti a receita algumas vezes com farinha integral e, por isso, a foto lá do início deste texto revela um ‘jequinha’ mais escuro que aquele que vive na minha memória. Mas não faz mal, o sabor é único. A receita, se te interessar, vai ao final deste texto como um presente meu para você.

Para quem cozinhava por obrigação, pandemia foi descoberta de sabores e resgate de comida afetiva
Do pão ao pudim, receitas foram escape na pandemia (Foto: Arquivo Pessoal)

Nasce uma paixão, nasce um vício

Com o relaxamento das regras impostas pela pandemia, comecei a me permitir algumas saídas de casa que antes eram inimagináveis. Com o novo hobby dominando as horas vagas, buscas por novas experiências gastronômicas e sabores passaram a ter preferência na minha rotina.

Uma das redescobertas desse período, apesar de 25 anos vivendo em , foi a região do Mercado Municipal da cidade. Me apaixonei pelas ruas do entorno, do centro ‘velho’ da Capital. Naquelas ruas, o perfume dos temperos, carnes e alimentos não tão comuns no nosso dia a dia dominam e nos convidam a passar horas por ali, experimentando coisas novas ou simplesmente apreciando aquele vai e vem frenético.

Explorar os quatro cantos daquela região se tornou algo prazeroso da minha rotina. E a cada passeio por ali, um novo tempero, utensílio e experiência são agregadas à minha rotina na cozinha.

Hoje em dia, não me considero nada além de uma curiosa. Sei muito pouco sobre técnicas, ingredientes e pratos, mas todos os dias, seja de receitas tiradas do livro envelhecido da minha mãe ou de tutoriais na internet, me permito a aprender algo novo.

Receita do Jeca

Ingredientes

  • 7 copos de farinha de trigo [você pode trocar pela integral que o resultado é ótimo]
  • 3 copos de açúcar
  • 6 colheres de sopa de manteiga
  • 2 ovos
  • 2 colheres de sopa de fermento em pó
  • 1 colher de café de sal
  • goiabada cortada em cubinhos

Modo de fazer

Misture todos os ingredientes secos em uma vasilha, depois, incorpore os ovos e a manteiga até dar o ponto de enrolar. Faça pequenas bolinhas e as distribua em uma forma untada. Coloque os cubinhos de goiabada, um em cada bolinha, pressionando gentilmente para que eles fiquem firmes no doce. Leve para assar em forno 180ºC até dourar. Bom apetite!

OFF THE RECORD

OFF THE RECORD (fora do registro, em português) é a expressão utilizada pelos jornalistas para informações obtidas de forma não oficial, assim como a rotina de repórteres para além da reportagem. Afinal, o que gostamos de fazer quando estamos longe da rotina de trabalho? Esta é a OFF THE RECORD, uma pequena série do Jornal Midiamax, com textos escritos em primeira pessoa, sobre os hobbies dos repórteres que atuam na redação. Confira matérias já publicadas na série: