O vírus foi o responsável por matar milhares de pessoas em Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande, a perda dessas vidas é tão grande que muitas famílias optaram por não comemorar o e o em 2021. Para elas, afinal, não há motivos para celebrar. 

É o caso de Ricardo Gabriel Espíndola, empresário de 54 anos. Nas últimas semanas, o Jornal Midiamax contou a história dele após ter contraído Covid-19 e ficado com 90% do pulmão comprometido. Apesar de todo o sufoco, ele conseguiu sobreviver. No entanto, a sua mãe não teve o mesmo destino. Ivone Cabral Espíndola morreu aos 81 anos justamente no dia do Ano Novo, em 31 de dezembro de 2020. Ricardo e a família, então, optaram por não fazer nenhum tipo de reunião.

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A família de Ricardo não celebrará fim de ano (Foto: Leonardo de França/Midiamax)

“Foi uma decisão do meu pai porque ele foi casado com a minha mãe por 60 anos e é o primeiro ano que ele passa sem ela. Ele acha que não é nem adequado e nem existe nenhuma vontade de confraternizar exatamente no dia. Primeiro no Natal, porque ela sempre gostou muito, sempre enfeitou a casa para o Natal. Segundo no Ano Novo, que foi o dia em que ela faleceu. Então, ele acha que é o mínimo de respeito que se tem pela perda de uma pessoa tão importante nas nossas vidas”, lamentou Ricardo.

Na hora de buscar algum consolo, o que resta, para os familiares, é torcer para que a dor diminua ao longo dos anos. “O tempo cura todas as feridas, mas nunca mais vai ser a mesma coisa porque a minha mãe era uma pessoa que nos dava esperança de dias melhores”.

Apesar de toda a tristeza, a fé em Cristo é o que ajuda Ricardo a seguir em frente. “A falta que a minha mãe faz é diária, todos os dias eu tomava café da manhã com a minha mãe para conversar com ela e ouvir os ensinamentos dela. O ensinamento maior que ela deixou é o amor de Cristo pela humanidade e é um ensinamento que, após a partida dela, eu absorvi na minha vida. Hoje, eu não tenho religião, mas amo Cristo, é ele realmente que nos leva à salvação através do amor. O grande legado da minha mãe é o amor ao próximo”.

Reunião, mas não celebração

Já Vanilton Soares dos Santos só vai fazer uma pequena reunião no Natal. Após ter perdido tanta gente para o vírus, ele afirma não ter animação para preparar um evento. O tapeceiro chegou a contrair a doença enquanto trabalhava, mas conseguiu sobreviver. Durante esse tempo, ele precisou se despedir de muita gente importante: duas tias, dois primos e os três melhores amigos que eram considerados irmãos.

“Esse ano, a nossa família vai fazer o Natal para poucas pessoas, sem aglomeração, e vai ser um Natal muito triste. Agora que a gente pode abraçar a família, a gente vai tentar abraçar porque a nossa família diminuiu bastante, nossa perda foi muito grande entre parentes e amigos. A gente não consegue ainda festejar do mesmo jeito que a gente conseguia”.

Sem muitas possibilidades para consolo, a família de Vanilton se reúne em um luto coletivo neste fim de ano. A esperança, então, é aguardar e torcer para que dias melhores venham em 2022. 

“Antes dessa pandemia era uma felicidade danada, e hoje a vida da gente ficou reclusa a muitas coisas. Perdemos muitas pessoas queridas, a população mudou, o ser humano em si se descobriu. Eu creio que esse ano que entra, tudo vai mudar”, diz Vanilton, confiante.

Cássia Leite, de 37 anos, também não tem clima nenhum para as festas de fim de ano. Ela perdeu a mãe, o pai e o irmão em menos de um mês em Campo Grande. Todos eles foram vítimas da Covid-19.

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Cássia sente falta da família reunida (Foto: Arquivo Pessoal)

Cássio Alexandre, o irmão mais velho, tinha um restaurante e a mãe, Inez Aparecida, trabalhava com ele no estabelecimento. O coronavírus levou o filho aos 40 anos e a mãe aos 61. Pouco tempo depois, faleceu o pai, João Carlos Leite, de 62 anos.

Cássio foi o primeiro, e faleceu em 21 de abril. Inez partiu no dia 29 do mesmo mês. Já o feirante João Carlos morreu no dia 26 de maio. Assim, Cássia precisou lidar com o luto tudo de uma vez.

Agora que a casa está mais vazia e sem a alegria dos parentes, ela contou ao Jornal Midiamax que já recusou vários convites para celebrar as festas de fim de ano. A única programação na agenda é se reunir em casa com o esposo, filho e irmão para a data não passar em branco. Porém, afirma que não decidiram ainda o que vão fazer porque não têm motivação nenhuma.

“Minha mãe fazia toda questão de estar em família. Já tive alguns convites que recusei. Acho que nunca mais será o mesmo. A falta é intensa, sem medida”, lamenta Cássia.

Esse fenômeno da reunião familiar, mas sem a celebração propriamente dita, é observado de perto pela psicóloga Leila Baena Gonçalves, que percebeu a demanda no consultório.

“Desde que a pandemia começou, houve uma mudança muito grande nos hábitos. O que eu percebo é que as pessoas não deixam de comemorar, mas a comemoração é diferente, a quantidade de pessoas mudou, ficou bem restrito a um grupo familiar pequeno. Os amigos já não estão mais tão participantes dessas comemorações. E são mais singelas, coisas mais simples e restritas”, afirma a especialista.

Em um processo constante de luto após tantas mortes — que aconteceram dentro e fora de casa — é observado que as pessoas estão, na verdade, angustiadas neste fim de ano.

“Com essas mortes pelo Covid, as pessoas estão nesse processo de luto. Tem o luto coletivo porque a pandemia se instalou no planeta todo, mas as pessoas ainda estão vivendo os seus lutos mais individuais. E muitos estão relutantes em entender esse processo de interiorização que é global […] as pessoas estão em angústia profunda”, afirma a psicóloga. 

Falando de luto com crianças 

Para muitas famílias que optaram por não celebrar o fim de ano em 2021, um dos maiores desafios é explicar para as crianças o motivo dessa decisão, que também vai influenciar na maneira como elas vão passar o Natal e Ano Novo.

De acordo com Leila, a sinceridade é o melhor caminho para abordar o luto com os pequenos, uma vez que eles precisam estar inseridos nesses assuntos desde cedo para entenderem como funciona o ciclo da vida. 

“O luto é um processo em que nós devemos inserir as crianças e os jovens desde cedo, explicando sobre as doenças, explicando que o corpo físico é limitado […] e a gente deixa livre para elas perguntarem o que quiserem”, afirmou.

Além disso, pais e responsáveis podem explicar sobre as mortes de acordo com suas próprias convicções, mas sempre abordando o assunto com naturalidade e, principalmente, tranquilidade.