Uma geração inteira de rockeiros e demais frequentadores foram pegos de surpresa com a notícia de que o tradicional Bar Fly vai fechar as portas, no próximo domingo (10), após 19 anos de histórias. A decisão trouxe à tona inúmeras lembranças de quem fez do local, durante muito tempo, a sua segunda casa.

Foi no primeiro estúdio de ensaio comercial de , entre uma música e outra, que nasceu a vontade de montar um bar. Os amigos Demetrios de Oliveira Hernandes e Sergio Orue Filho, o Cabelo, juntaram o pouco dinheiro que tinham com a muita vontade de tocar e inauguraram, no dia 1 de setembro de 2.000, o Bar Fly.

Demetrios conta que, na época, não tinham muitos bares roqueiros na Capital e foi então que os amigos aproveitaram a oportunidade. A irmã, Ju Orue, e ex-esposa de Cabelo, Sandra Fernandez, também entraram na onda dos músicos e deram suporte para transformar o sonho em realidade.

Logo na escolha do nome já surgiu a primeira “treta”. Demetrios queria que o empreendimento se chamasse Bar Fly, em homenagem ao filme roteirizado por Charles Bukowski “Barfly – Condenados pelo vício”. Já Sandra preferia que o local fosse batizado de Arrebol. O embate foi resolvido no cara ou coroa disputado em uma moeda de 0,25 onde o músico levou a melhor.

“O nome também combinava com o fato do Cabelo ter a banda chamada Moscas de Bar e também porque ele ficava em uma sobreloja.”

O Fly foi montado despretensiosidade na Rua Mato Grosso, esquina com a Rua Bahia, e logo na inauguração já caiu no gosto do público. O que era para ser uma noite de música entre alguns amigos, acabou reunindo clientes além do que o improvisado “freezer” pudesse suportar.

“É uma data que eu nunca mais vou esquecer na minha vida porque a gente montou um bar sem recursos e nós achamos que não ia ter muita gente, mas no dia lotou. No meio da noite tivemos que sair para comprar cerveja, buscar troco. Montamos o local sem freezer, só com gelo no isopor”, lembra Demetrios.

A inauguração foi um sucesso e o Fly virou ponto de encontro dos rockeiros de Campo Grande. Todas as sextas, centenas de pessoas iam até o sobrado curtir os shows dos Bêbados Habilidosos, beber cerveja e bater papo sobre as coisas da vida.

Cabelo, Sandra e Ju assumiram sozinhos o bar quando, cerca de 1 ano após a abertura, Demetrios deixou a sociedade, mas continuou trabalhando no local. Foi então que o trio percebeu que o empreendimento precisava de mais espaço e se mudou para a Rua Pajuçara, onde permanece até hoje.

Com 19 anos de história, bar de rock mais tradicional de Campo Grande fecha as portas
Ju e Cabelo na época que comandavam o Fly / Arquivo Pessoal

Durante a administração da família, até 2006, o Fly virou a segunda casa de centenas de amigos. Cabelo garante que as histórias dariam um livro e algumas são até sobrenaturais.

“Eu morava no bar e estava fazendo comida depois de limpar o local quando eu e a Sandra vimos uma pessoa com camisa preta descer a escada e ir para o palco de baixo. Achei que era o Douglas, gafanhoto, um amigo que me ajudava. Como a pessoa demorou a voltar, eu subi e o Douglas estava sem camisa sentado na mesa de sinuca. Voltei e comentei com a Sandra. Um tempo depois a mesma ‘pessoa' voltou, subiu a escada e sumiu.”

O músico também lembra que o apoio dos amigos foi fundamental para o crescimento do Fly.

“As pessoas que passaram por lá, meus amigos que me ajudaram. Marquinho, Magrinho, Erick, Pedro, Douglas, João e Lu, Isa, Tino, Gra, Rose, Gisele, Talita, Sheila, Waguinho, Enrique, Luiz Bulhões e, claro, os moscas Jorge e Kundera.”

Enrique Gonçalves de Souza, ex Panela Eventos e atual sócio da Terror Rock Shop, perdeu as contas de quantas vezes se apresentou no Fly com as bandas Japura e Noise Project. Ele lembra que o grupo saía do ensaio, ia pro bar e só voltava para casa ao amanhecer.

“Vários músicos que atuam na noite atualmente começaram tocando no Bar Fly. Toda uma geração de pessoas foi influenciada pelo rock e blues dos shows que rolam. Isso reflete no número de público e bares existentes hoje na cidade.”

Um dos fatos curiosos, lembrado pelo administrador, foi o furto de um computador que captava o áudio da gravação de um DVD.

“Teve a gravação do DVD da Banda Impossíveis e infelizmente o notebook com a captação foi furtado. Conseguimos, através de denúncia, localizar a pessoa que furtou, mas ela tinha enterrado o equipamento no quintal. Tentaram recuperar os dados, mas não deu certo e foi necessário fazer outro evento para lançar o projeto.”

Nos últimos anos, o Bar sofreu mudanças e englobou outros ritmos musicais. O Fly virou palco de shows de rock, reggae, blues, pop e festas LGBT. Pelas redes sociais, frequentadores compartilharam os bons momentos que passaram pelo espaço.

“Nessa época o único bar que abriu as portas pra nós. Aquela molecada que queria tocar, dois guris e duas gurias magrelas e vocês abriram. Meu muito obrigado”, agradeceu Rod Rivers.

“Vai deixar saudades, foi a primeira casa noturna que eu frequentei, me sentia em casa quando era rolê LGBTQ+ . Depois virou mais rolê heterossexual, mas mesmo assim era maneiro, eu amava”, lamentou outro internauta.

“Lugar onde conheci meu amor, to triste”, lembrou Bianca Maciel.

Polêmicas

Diversas polêmicas circundaram o bar que foi expressivo no cenário do Rock campo-grandense. Um jovem de 17 anos morreu após, segundo a polícia, consumir nível exagerado de bebida alcoólica depois sair de uma festa open bar realizada no Bar Fly. Em outubro de 2018, um homem disparou tiros em direção ao estabelecimento e proferindo frases de homofobia.

Mais recentemente, no início de fevereiro de 2019, a proprietária do Bar Fly foi presa por fornecer bebidas alcoólicas para jovens segundo novo flagrante da polícia militar. Maria de Fátima Menas negou a informação de que tenha fornecido o produto adolescentes. No entanto, três garotos apreendidos disseram à polícia que conseguiram comprar as bebidas no bar.

Procurada pelo Jornal Midiamax para falar sobre a importância do Bar Fly para o cenário do Rock em Campo Grande, a proprietária atual do bar confirmou o fechamento, mas disse que prefere não se manifestar sobre a decisão, que garante ser ‘culpa da imprensa'.