‘Plot Twist’ é uma expressão em inglês que livremente traduzida significa ‘reviravolta’. Utilizada para descrever grande mudanças narrativas em roteiros de cinema e tevê, tornou-se um termo da moda, levando em conta o crescente hábito de assistir a séries. Curiosamente, o termo também encaixa com perfeição na história de Campo Grande, que hoje comemora seus 117 anos: há um ano a Capital viveu a maior reviravolta política desde sua fundação.

Esta é a quarta e última reportagem da série especial pelo aniversário da cidade, que trouxe desde os fatores de desenvolvimento da cidade, como personagens que relataram a própria relação com Campo Grande. Hoje, a matéria reapresenta ao leitor fatos ocorridos entre 25 e 26 de agosto de 2015, quando o campo-grandense estava com olhos vidrados nos jornais, tentando acompanhar, entender e assimilar a sucessão de fatos que por 48 horas transformaram a cidade num drama político para deixar Hollywood no chinelo.

Tudo começou no dia 25 de agosto. Logo cedo, um oficial de Justiça compareceu ao Paço Municipal. Ele trazia em mãos uma ordem de afastamento ao prefeito Gilmar Olarte (ex-PP, atual PROS), que atendia a um pedido do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), braço investigativo do MPMS (Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul). O afastamento de Olarte, mais tarde, seria conhecido como a primeiro ato da operação Coffee Break.

Essa operação, a propósito, investiga suposto esquema de corrupção para articular a cassação de Alcides Bernal (PP), cujo vice era Olarte. Bernal teve seu mandato cassado na Câmara Municipal, com os votos de 23 dos 29 vereadores, sob alegação de improbidade administrativa, conforme laudo do Tribunal de Contas. Entretanto, para o MPMS, a cassação teria sido motivada por interesses escusos, que articularam a compra dos votos que conduziram Olarte ao poder, em 13 de abril de 2014.

Na manhã do dia 25, entretanto, tudo era ainda mais nebuloso. A imprensa só conheceria detalhes da operação após uma coletiva. Naquela mesma manhã, a presença do oficial de Justiça causou silêncio, temores e incertezas no Paço Municipal. Olarte não compareceu ao prédio naquele dia e o anterior foi o último em que ele pode aproximar-se de lá. A ordem judicial, entregue ao então procurador do município, também determinava a proibição de entrar no Paço.

O mesmo aconteceu com o então presidente da Câmara, vereador Mário César (PMDB), que foi afastado do cargo e proibido de entrar na Casa de Leis. Naquela manhã, foram cumpridos 17 mandados de busca e apreensão, inclusive na casa de Olarte e do vereador. Nove políticos seriam ouvidos na sede do Grupo, entre eles, Paulo Siufi (PMDB), Carlão (PSB), Airton Saraiva (DEM), Edil Albuquerque (PMDB) e Mario Cesar. Um ex-vereador e três empresários também prestariam depoimento.

O esquema de corrupção que envolveu vereadores e empresários teria sido identificado pelo MPE após escutas telefônicas. Os diálogos estabelecidos com Olarte deixaram claro, para o órgão, a existência de um complô para depor Bernal.

Recondução

No mesmo dia, enquanto a notícia do afastamento de Olarte e Mário César, o vereador Flávio César (PTdoB) assumia interinamente o posto de presidente da Câmara, e mantinha-se na expectativa de ser empossado como o novo comandante do Executivo Municipal, uma vez que Bernal seguia cassado e Olarte, o vice eleito e prefeito empossado, estava afastado. A posse de Flávio seria sem cerimônia, apenas com uma publicação no Diário Oficial.

Mas, isso nem chegou a acontecer. Na tarde do dia 25, uma terça-feira, a Câmara Cível do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) decidiu, por dois votos a um, pelo retorno de Bernal ao posto de prefeito. Foi a segunda decisão obtida por ele para retomar a ocupação: a primeira foi concedida em 5 de maio de 2014 pelo juiz da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, David de Oliveira Gomes Filho. Todavia, a liminar foi cassada horas depois, pelo desembargador que estava de plantão, Vladimir Abreu da Silva. A decisão atual mantém Bernal no cargo até hoje.

Enquanto Bernal, que estava em Brasília, comemorava o afastamento de Olarte e sua recondução ao cargo, no Paço Municipal o que se flagrou foi um verdadeiro corre-corre. Diversas pessoas foram vistas e fotografadas carregando caixas de arquivos, que deixaram o Paço Municipal num carro branco, o que alimentou na população as suspeitas de atos ilícitos durante a gestão turbulenta de Olarte, marcada por atrasos salariais, greves, queda vertiginosa de receita e precarização dos serviços municipais.

‘Sem prefeito’

Naquela terça-feira, o dia terminou estranho. E sem prefeito. Com Olarte afastado e a decisão por Bernal, Flávio Cesar não assumiu e Bernal precisava ser empossado. No dia seguinte, há exato um ano, a cidade completaria seus 116 anos. E pela primeira vez, ao menos que se tenha notícia, um prefeito não conduziria a Alvorada Festiva, que tradicionalmente dá início às comemorações do aniversário da cidade.

Dia 26 de agosto. O palco de autoridades da solenidade estava esvaziado de políticos. Por lá, entretanto, compareceu o antigo secretariado de Bernal. Dharleng Campos, que era responsável pela Sedesc (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico) e Ritva Vieira, então comandante da Agereg (Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Campo) marcaram presença no palanque, na expectativa de que Bernal conseguisse comparecer ao desfile. Parte dos moradores da cidade que apoiavam Bernal, assim como seu séquito, estiveram na Rua 14 de Julho, ponto tradicional dos desfiles cívicos.

E por volta das 8h45 da manhã, Alcides Bernal chegou ao desfile cívico do aniversário da Capital, que foi recebido com gritos e aplausos. A cena, de dar inveja aos filmes hollywoodianos, retratava a chegada de um herói, sem entrar em qualquer mérito sobre esse papel. Naquela manhã, Bernal teve status de celebridade, no nível ‘Luan Santana’. Um política em meio ao povo, que fazia de tudo para aproximar-se dele e abraçá-lo. O prefeito finalmente alcançou o palco, claramente descabelado, e sob aplausos cumprimentou os presentes. O desfile continuou e a banda seguiu tocando. De certa forma, houve prefeito no desfile.

Consequências

A posse que marcaria a recondução oficial de Bernal ao cargo de prefeito, entretanto, ocorreria somente no dia seguinte, 27 de agosto. Enquanto isso, o vereador Paulo Pedra (PDT), um dos poucos que permaneceu fiel ao progressista cassado, já articulava um posto como líder da Prefeitura na Câmara. Outros membros da Câmara anunciavam trégua “pelo bem da Capital”. E mesmo sem posse, Bernal já voltava a dar ordens.

Com um ano da maior reviravolta política de Campo Grande, Bernal continua no posto e colhe a sorte e o revés de sua administração, considerada controversa por parte da população. Mesmo assim, ele é candidato à reeleição pelo seu partido. Não houve, diferente do anunciado, trégua na Câmara e Bernal perderia, inclusive, o apoio do PT. Mais para a frente, Pedra tornar-se-ia titular da Segov (Secretaria Municipal de Governo e Relações Institucionais)… E também teria o mandato de vereador cassado por compra de votos, assim como outros vereadores. João Rocha (PSDB) assumiria a presidência da Casa de Leis. Gilmar Olarte e sua esposa, Andreia Olarte, ex-primeira-dama e ex-presidente de honra do FAC (Fundo de Apoio a Comunidade), foram e seguem presos preventivamente na Capital, suspeitos de lavagem de dinheiro durante o tempo em que estiveram à frente da Prefeitua.

Um ano após o ‘plot twist’, a disputa pelo poder municipal na Capital continua com o mesmo tempero, processo que corre até o dia 31 de dezembro. Até lá, muita água ainda passa por baixo da ponte.