Acordou com 30 homens sobre ela e ainda foi julgada pelo tribunal da internet
Adolescente é estuprada por 30 e na internet há quem a culpe
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Adolescente é estuprada por 30 e na internet há quem a culpe
Uma jovem deitada numa cama, inerte, sem reação alguma. Enquanto isso, dezenas de homens revezavam-se sobre ela. Estupro. A jovem teve a genitália exposta a uma câmara que filmou o ato bárbaro – estava dilacerada e ensanguentada, tamanha a brutalidade da violência que sofreu. Um homem aproxima-se do corpo, sorri, mostra a língua, e ironiza: “Abrimos um novo túnel no Rio de Janeiro”.
A cena acima é um breve resumo das atrocidades cometidas contra uma jovem de cerca de 17 anos do Rio de Janeiro, que foi vítima de um estupro coletivo por mais de 30 homens. o crime aconteceu na sexta-feira da última semana (20), no Morro São João, zona oeste do Rio de Janeiro. Entretanto, somente a violência em si não foi o bastante para os criminosos: no início desta semana, um vídeo com as cenas repugnantes foi postado por um dos estupradores, sem pudor algum, nas redes sociais.
De acordo com uma reportagem do portal R7, o que motivou o crime foi vingança do ex-namorado, já que ele teria sido traído por ela. Além disso, aos 17, a jovem já é mãe de uma criança de três. Desde os 12, segundo relatos de familiares, é usuária de drogas e passa dias sem voltar em casa. Somados todos os fatos, as informações são suficientes para encontrar, na internet, depoimentos que justificam o estupro que ela sofreu. Pouco importa se o ex-namorado premeditou e convocou mais 29 amigos (ou 32, que seja) para o crime, se estavam armados com fuzis e se doparam a vítima e mantiveram-na refém por horas – conforme foi noticiado pelo canal Globo News. O discurso observado nas redes é de que a menina mereceu.
Segundo as reportagens que cobriram o fato, a adolescente foi encontrada desacordada e levada para casa de táxi por um conhecido. A partir daí, começou a via crucis, como o atendimento ginecológico, exames de corpo e delito e, principalmente, uma espécie de tribunal moral armado na internet: de um lado, mulheres que se solidalizaram com a violência sofrida pela adolescente. De um outro, centenas (milhares?) de pessoas, sobretudo homens, que buscavam naturalizar e encontrar justificativas para a agressão que a jovem sofreu.
Contra a maré
Esse é o retrato do que costuma-se chamar de ‘sociedade patriarcal’. Significa dizer que vivemos num modelo de organização em que todas as referências tomam a perspectiva do homem, prioritariamente e que machismo e misoginia se tornam elementos basilares de opressão. Daí, a banalização do assédio, das cantadas, da baixa remuneração de mulheres, e até do estupro. Afinal, o entendimento que fica diante do assédio contra uma mulher que saiu sozinha de casa trajando roupas decotadas é de que ela ‘pediu’ para levar cantada. É a naturalização de uma cultura do estupro, em suas várias instâncias.
A jovem de 17 anos está hospitalizada. Reclama frequentemente de dores na região abdominal e na genitália. Segundo o pai da vítima, a menina apenas teria ido a um baile e foi mantida presa lá. “Fizeram essa covardia. Bagunçaram minha filha. Quase mataram ela. Estava gemendo de dor. Ficou tão traumatizada que só conseguia chorar”, disse ao jornal O Globo. A avó da vítima, em entrevista à rádio CBN, também afirmou que ela desmaiou durante o estupro. “O vídeo é chocante, eu assisti. Ela está completamente desligada e vulnerável”.
O crime bárbaro já é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, após cerca de 800 denúncias chegarem à Ouvidoria do órgão. As informações mais recentes dão conta de que dois suspeitos de divulgarem o vídeo estão em custódia e que um dos estupradores foi reconhecido e terá prisão preventiva decretada. As denúncias, entretanto, só aconteceram depois que o crime ‘caiu’ na rede. Estaria fadado ao silêncio, digamos assim, se não fosse a capacidade de indignação de internautas, sobretudo mulheres que nadam contra uma maré de violências institucionalizadas.
Sororidade nas redes
Apesar das opiniões que criminalizam a vítima de estupro, o que também se observa é a sororidade – palavra usada para designar a solidariedade entre mulheres, uma espécie de pacto entre elas numa frente de combate ao machismo e à misoginia, mas também no acolhimento de vítimas de situações cotidianas, que oprimem o gênero feminino. É sinônimo de irmandade. É o sentimento que se observa desde a tarde de quarta-feira nas redes sociais, quando depoimentos de repúdio e, principalmente, as denúncias, tomaram corpo.
Estão em qualquer linha do tempo do Facebook, mas, sobretudo, em páginas do Facebook que se especializaram em engrossar o discurso feminista, que trabalham o empoderamento de mulheres e a resistência contra opressões. É um locus virtual de apoio mútuo em que a mulher é, de fato, protagonista e tem lugar de fala.
Nessas páginas, para além do absurdo de ser estuprada por 30 homens, internautas levantam a discussão sobre a naturalização de crimes desta natureza e de como barbáries assim são apenas o sintoma de uma sociedade doente. “Se quando você tem um relacionamento tem dias que você não quer sexo nem por um milagre, imagina 33 caras, TRINTA E TRÊS, te abusando! Só esperando o comentário dizendo que “se ela estivesse em casa, isso não teria acontecido”. Que morte horrível essa cultura do estupro”, publicou uma integrante da página ‘Empodere duas mulheres’, Amanda.
O comentário veio, acompanhado de outros (veja acima), e ganhou repercussão – um leitor do jornal O Globo, que destilou machismo em um comentário na mesma matéria que trazia o estupro precedido de um ‘suposto’, apesar das imagens irrefutáveis. “Aquele momento em que a dor é tão grande que eu não encontro palavras para descrever , como eu queria ajudar, como eu queria impedir , como eu queria que ela não passasse por essa dor , estamos com você garota, estamos juntas, sua dor é minha dor”, escreveu Laura, também da fanpage Empodere Duas Mulheres.
Desde seu surgimento, a página compartilha mensagens de empoderamento e promove campanhas. Ontem, aproveitou para pedir apoio nas denúncias e destacar a importância do feminismo e também deu um recado direto aos homens que afirmaram não ser como os estupradores. “Não adianta só dizer “eu não faço isso”. Tem que se posicionar contra o amigo que chama mulher de ‘vadia’. Tem que desconstruir o amigo no grupo de Whatsapp ao invés de compartilhar vídeos que são colocados na rede sem consentimento das mulheres. Tem que interromper o dono da piadinha machista no churrasco de domingo. Não é porque podia ser sua mãe, irmã ou namorada. É porque TODAS as mulheres são HUMANAS e não merecem serem tratadas como lixo, violentadas, estupradas ou mortas. Repassem!”, publicou a administração da página.
Milhares de usuárias também aderiram a um ‘Twitbbon’, uma espécie de máscara que é adicionada à foto do perfil nas redes sociais. “Eu luto pelo fim da cultura do estupro”, traz a mais nova campanha virtual (clique aqui para aderir) que deveria, no fim das contas, fazer parte de uma efetiva política de estado – permanente, perene, intocável e sempre fortalecida – para que não tenhamos, nunca mais, que ler ou reportar a violência desproporcional não de 30 homens contra uma menina, mas de uma ‘classe’ inteira de homens insensíveis (inservíveis?) culpabilizando uma jovem – uma menina – de apenas 17 anos pela violência que sofreu.
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