Cinco anos após se tornar piloto, Marcos conseguiu proporcionar voo panorâmico ao pai, de 76 anos

Um compromisso marcado para acertar uma dessas dívidas familiares, que não envolvia dinheiro – longe disso – mas o o cumprimento de promessa firmada entre filho e pai de que conheceriam o céu juntos. O dia chegou: sexta-feira, 30 de outubro de 2015. Do solo, o encontro ganhou altura e finalmente permitiu a visão do mundo sob um ângulo diferente. No alto, pai e filho descobriram a alegria do sonho realizado, escancarada nos sorrisos bobos que não podiam disfarçar.

Por trás dessa história, está oculto o passado comum do piloto de avião Marcos Leonardo Ramos Araújo, 40, e de seu pai, o feirante aposentado José Leonardo de Araújo, 76. Décadas atrás, enquanto Marcos alimentava o quase inalcançável sonho de ser pilotar aviões, José guardava a frustração de, por acaso do destino, ter perdido a rara oportunidade de ver o mundo do alto. Obstinado a realizar seu sonhos, Marcos afirmou ao pai que um dia passeariam juntos no céu. José concordou, meio que duvidando que uma família de origem tão humilde pudesse comportar um sonho daquele tamanho. Resolveu pagar pra ver.

Antes de ser piloto comercial, Marcos foi fotógrafo em , com muitas de suas fotos na história do jornalismo sul-mato-grossense. Mas não era isso que ele queria, tinha um sonho a alcançar. Assim, Marcos fez o que deu para conseguir sua licença de voo. “Desde pequeno, eu sempre dizia isso a meu pai, que eu ia ser piloto de avião e ele dizia que isso não era pra gente, era pra quem tinha dinheiro. Nós somos de origem bem humilde, meu pai era feirante e agora é aposentado. Mas depois de muito esforço consegui me formar piloto. Ele foi na formatura e me dizia: ‘eu não botava fé que você ia conseguir, mas você conseguiu'. Eu ria, mas aquilo era verdade. Foi a realização de um sonho impossível. Isso, para nós, foi muito marcante”, conta.

Da mudança de profissão ao cumprimento da promessa, entretanto, passaram-se cinco anos. Primeiro pelo receio de ‘principiante', da responsabilidade de, ainda inexperiente, levar o pai a um passeio de avião. Segundo, porque sempre pilotava aeronaves de clientes, com pouco espaço para convidados. “Quando você se forma, você tem uma certa insegurança de voar com os parentes. Quando adquiri mais autoconfiança e já trabalhava profissionalmente, comecei a maquinar uma oportunidade de cumprir esse acordo nosso. Eu dizia pra ele: ‘você vai voar comigo'. E ele ria”.

 

 

 

O grande dia

A oportunidade surgiu quando um dos clientes decidiu recentemente desfazer-se da aeronave. Como é de praxe, um piloto precisa fazer um diagnóstico de que o avião está tecnicamente apto para voo e pronto para ser negociado. Foi então que finalmente o acordo se efetuou. “Naquele dia, duas promessas se cumpriram, porque além do meu pai, também decolei com meu amigo Roberto Medina, que também é piloto. Há muito tempo a gente queria voar juntos. Deu tudo certo”, afirma Marcos.

E assim, na manhã do dia 30, Marcos conseguiu fazer o pai conhecer o céu pela primeira vez, em um voo panorâmico no qual o centro de Campo Grande e o Parque das Nações Indígenas foram destaque. “O pessoal falava que voar dava uma coisa ruim, um nó nas tripas, na subida e na descida. Mas eu não senti nada, eu juro! Só um ‘medinho' no começo, mas passou rápido. Achei maravilhoso. Diz que o cara não pode fazer elogio para o filho, mas eu achei que ele, por ser um piloto novo, foi ótimo. Tanto pra subir como pra aterrissar”, revela José.

Segundo José, há cerca de 50 anos houve oportunidade de voar, mas uma pessoa entrou na frente dele e desde então ele nunca teve outra chance. “Com essa idade toda eu ainda sou a pessoa mais esperançosa do mundo, porque quando eu tinha 18 anos, em Minas Gerais, trabalhava numa fazenda e o patrão disse pra gente andar no avião dele. O piloto pegava um, dava uma volta e pegava outra. Aí quando foi na minha vez, uma moça meia doida que era mulher do capataz começou a gritar que era a vez dela. Aí eu disse: ‘não, pode por a moça, depois eu ando com você'. Acabou que não voei por mais de 50 anos”, diz.

Somente com o filho realizando o sonho de ser piloto é que a viagem foi possível. “Para lhe ser sincero, eu nunca pensei que teria um filho piloto, e nem que ele fosse um piloto tão bom. Toda vida eu fui testemunha de que tinha um filho inteligente. Ele é como eu, só que é estudado. Mas é que pra gente isso é grande demais. Não é que eu duvidasse, mas é que é difícil. Tenho muito orgulho de ver que ele conseguiu realizar o sonho e de fazer o que gosta para viver. Ele faz bem, faz com amor”, afirma José.

Do feirante aposentado que voou pela primeira vez aos 76 anos ao ex-fotógrafo que virou piloto de avião, o que se aprende desta história é que o céu é o limite do sonhar. E quando isso acontece de forma tão… literal, é sinal de que muitas outras decolagens ainda podem acontecer, pelo menos para José. “Se tiver precisão, eu voo de novo, voo tranquilo. Já voei uma vez, né? Agora voo até mil”.