O resgate dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não alterou a disposição do ex-ministro (PDT) de disputar novamente a Presidência em 2022 nem mudou seu plano de se tornar a opção de centro capaz de romper com a esperada polarização entre o bolsonarismo e o “lulopetismo”. “Eu não vou deixar o Lula ganhar essa na lambança ”

Terceiro colocado na eleição de 2018, Ciro afirma que trabalha para construir um projeto de País que pode ter uma empresária como vice – Luiza Trajano, a dona da Magazine Luza, é classificada por ele como uma “pessoa extraordinária” – e o marqueteiro João Santana, que atuou nas campanhas de Lula e Dilma Rousseff.

Em entrevista ao Estadão, ele voltou a defender o impeachment de Jair Bolsonaro. Para ele, diante do contexto atual, não é certo que o presidente “será um dos polos do segundo turno” na eleição do próximo ano.

• Ministro, o sr. é pré-candidato à Presidência? É irreversível?

Meu partido tem uma deliberação de que eu sou candidato e eu estou muito motivado para ser. E isso por uma circunstância: acho que a solução para a terra arrasada, sob os pontos de vista sanitário, social e econômico que o Bolsonaro vai deixar exige um novo projeto nacional de desenvolvimento, um novo desenho do diálogo nacional para sustentar as bases desse projeto, muita imaginação institucional para inovar e, neste sentido, acho que o lulopetismo é uma volta ilusória ao passado.

• A relação com o chamado lulopetismo continua intransponível?

Eu lutei pelo restabelecimento dos direitos políticos do Lula. Fui mal entendido quando disse que a condução coercitiva era arbitrária e que o Sérgio Moro estava semeando nulidades. Portanto, é um ato de civilidade declarar a suspeição do Moro e dizer que o Lula tem direito, como qualquer grande bandido – que não é o caso dele – ao devido processo legal. O Lula volta a ser um político para a gente examinar. Juridicamente, fez-se o melhor direito, mas não é que ele foi proclamado inocente, como ele, de novo, está mentindo. Politicamente, entretanto, não há como disfarçar que o Lula é o grande responsável pelo entranhamento orgânico da corrupção na vida brasileira. É inequívoco que o PT transformou a corrupção, a fisiologia, o das estruturas centrais do Estado em ferramenta central do modelo de poder que o Lula implantou.

• No segundo turno de 2018, o senhor fugiu da associação com o PT como o diabo foge da cruz…

Não fugi não, eu me senti moralmente obrigado a não sancionar mais essas contradições do PT. Acho que temos de ajudar o povo brasileiro a entender que temos dois terríveis desafios pela frente. O primeiro é derrotar o bolsonarismo boçal, corrupto, que está levando o Brasil a uma condição de terra arrasada. O Brasil está vivendo a pior crise da história. Então, essa é uma tarefa em que todo mundo tem que estar junto. Não vou escolher quem está e quem não está. Quem fez isso foi o Lula, lá atrás, quando me avistei com o Fernando Henrique Cardoso e assinamos manifestos pedindo a união do País contra o Bolsonaro e fomos pedir o impeachment. O Lula disse que não era “Maria vai com as outras”. A segunda missão, mais grave, é construir o futuro. E será que construir o futuro é um back to the past? Definitivamente não é. O lulopetismo, neste sentido, é parte do problema.

• Então a resposta é sim.

Na primeira tarefa estou junto da porta do inferno para trás. Agora, para construir o futuro, o lulopetismo é parte central do problema. Lula é candidato desde 1989. Ele não tem nenhuma responsabilidade por ter posto a Dilma? Bolsonaro derrubou a economia em 4,1% e está se desculpando porque está em uma pandemia. Alguma razão ele tem. A Dilma derrubou 3,2% sem pandemia! O era o braço direito desse modelo, devolveu R$ 100 milhões. Tudo bem, o Chico Buarque adora o Lula? Respeito os afetos do Chico Buarque, mas e o Palocci?

• Muitos acham que para bater Bolsonaro é preciso que a esquerda se una ao centro. Em que espectro político o sr. se encaixa?

Há duas tarefas: A primeira é derrotar Bolsonaro e, neste sentido, todos os democratas – pouco me importa se são de direita, de esquerda, de centro, se são de Marte, de Vênus, de Mercúrio -, todos temos a responsabilidade de criar um ambiente para isso. Segundo, é grande a necessidade estratégica deste momento. Eu não vou deixar o Lula ganhar essa na lambança. É construir o futuro e, infelizmente, neste sentido a largueza que sonho não é possível pelas nossas diferenças.

• Nesse desafio de construir um projeto de futuro, como vê possíveis projetos eleitorais como os de Luciano Huck e Sérgio Moro?

Acho que o desafio de construir um projeto de País depende de um requisito de experiência que falta a ambos. Falta visão, compreensão, conhecimento do Brasil, traquejo político. E o Brasil não aguenta mais estagiário! Meu Deus do céu! Qual era a experiência anterior da Dilma na política? Até o Bolsonaro consegue 1/3 do Congresso para impedir o impeachment. A Dilma não foi capaz de reunir isso no primeiro ano do mandato. Além da tragédia econômica, foi um desastre político.

• A falta de experiência da qual o senhor fala vale para um eventual candidato a vice? O nome de Luiza Trajano tem sido colocado.

Não imaginem que eu teria a indelicadeza de convidar a Luiza Trajano em público. O que posso dizer é que a conheço e que ela é figura extraordinária. Não só porque é uma empresária de grande êxito, mas porque tem uma origem humilde, começou de baixo, respeita os trabalhadores, está preocupada com a vacinação do povo genuinamente. Admiro muito ela, mas não a convidaria pelo jornal.

• O sr. concorda que a entrada de Lula no jogo eleitoral estreita o espaço para candidaturas?

A preço de hoje, sem dúvida. Mas digo, sem medo de errar, que nada do que parece será. Por exemplo: todo mundo considera, a preço de hoje, que Bolsonaro será um dos polos do segundo turno. Eu discordo, não acho que é certo que ele esteja.

• O sr. conversa com o marqueteiro João Santana para comandar a campanha? A estratégia é criar um ‘Ciro paz e amor’ contra as críticas a seu temperamento?

É lisonjeiro para um homem com 63 anos de idade e 40 anos de vida pública que, a essa altura, a acusação que meus adversários fazem é sobre o meu temperamento. Claro que tenho de ouvir essas críticas porque tenho, enfim, que adaptar uma linguagem diante da expressão da minha indignação. Mas, sabendo do que sei, vou fazer o quê? Bancar o lorde inglês? Eu sou do interior do Ceará, fui educado na escola pública, meus pais passaram fome, fui governador, comandei a economia do Brasil…

• E o João Santana?

É um velho amigo. Respeito muito as opiniões dele e temos, sim, conversado. Não sei se sairá uma parceria, vamos ver.

• É iminente o fim da Lava Jato com a possível suspeição do Moro. Isso é bom ou ruim?

A Lava Jato foi enterrada pelo senhor Jair Messias Bolsonaro. No sentido de uma exemplaridade de combater a corrupção, isso é ruim. Mas, no sentido de restaurar os fluxos do Estado de direito democrático, está a destempo. Punir corrupção é uma coisa que tem de ser fria, sóbria, serena, severa, fora da política. O oposto do que Moro e sua banda de procuradores fizeram. Moro só semeou nulidades. E os grandes bandidos deste País sairão com o atestado, que o povo não é obrigado a saber do direito, como Lula está fazendo, se anunciando inocente. Tem nada de inocente.

• Lula é um grande bandido?

O que estou dizendo é que quando se comete nulidades na perseguição a um bandido, que não é o caso, você não está punindo o bandido. Não estou falando do Lula.

• Com Bolsonaro, os inquéritos da PF com base na Lei de Segurança Nacional cresceram 285%. O sr. é investigado, mas com base no Código Penal. Como avalia?

Vejo isso como uma coisa muito boa. O senhor Jair Messias está entrando em desespero porque pedir para abrir inquérito é um constrangimento ilegal que nenhum juiz vai dar, nenhum tribunal vai sancionar. Trata-se de uma tentativa de constranger, de censurar que está funcionando pelo oposto. Veja o meu caso. Estou pouco ligando.

• Como vê a crise federativa com governadores tendo de agir por conta própria, reunindo-se em consórcios para comprar vacina?

O PDT e eu é que assinamos a petição que levou o STF a determinar a autonomia dos entes federativos para concorrentemente ajudar a enfrentar a pandemia. E ai de nós se não tivéssemos feito isso porque lá atrás o governo anunciou que era uma gripezinha, estimulou aglomeração, evitou importar respiradores. Foi um desastre completo. E ainda age como charlatão prescrevendo remédios e canalhas como o (Eduardo) Pazuello só agravam o fenômeno. O que teria acontecido com o Brasil se os prefeitos e governadores não tivessem corrido atrás? Estaríamos contando 1 milhão de mortos. Agora, isso é uma loucura porque é, no limite, genocida.