Herói, “raçudo”, símbolo do futebol sul-americano… Álvaro Pereira foi elogiado ao mostrar disposição na partida contra a Inglaterra, sua primeira na Copa do Mundo de 2014, após levar uma joelhada de Raheem Sterling na cabeça, cair desacordado no campo, recobrar a consciência em segundos e lutar contra as orientações da equipe médica do Uruguai para continuar dentro do jogo, que acabou com vitória uruguaia por 2 a 1.

Apesar do tratamento como exemplo de atleta por parte da imprensa, a atitude do lateral esquerdo do São Paulo pode se considerada como irresponsável e perigosa para a saúde do próprio, tudo isso por causa do fato do defensor uruguaio ter caído no gramado inconsciente, ainda que por pouco tempo, fato que ele mesmo admitiu em entrevista após o jogo.

“Lembro que senti o golpe e quando percebi estava no gramado. O importante é que tudo saiu bem, foi só um susto”, afirmou o jogador. Álvaro Pereira saiu ileso do lance, mas sua “raça” ou teimosia poderia ter resultado em sequelas mais graves, típicas de atletas que sofrem concussões, ferimentos mais comuns em esportes como o futebol americano e que resultam em danos cerebrais que podem incomodar o atleta futuramente, mesmo depois da aposentadoria.

Intrigado com a reação de jornalistas americanos, que estranharam e apontaram como absurdo o retorno do atleta ao gramado, o Terra entrou em contato com um neurologista para esclarecer o que deveria ter sido feito neste tipo de situação, considerando que Álvaro Pereira realmente perdeu a consciência por um breve momento após a colisão com Sterling.

“Se ele não perdeu a consciência ele pode continuar (a atividade física) sem problema nenhum. Se não, ele não pode nem sequer ter qualquer movimentação física. Pode ter dano cerebral. Com ele você pode ter complicações e proibir o esportista, que deve ser deitado em observação e para melhores cuidados fazer um exame de imagens”, explicou o doutor Lincoln de Macedo Leandro, neurocirurgião do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo, que se aprofundou no assunto ao detalhar as consequências da continuação da atividade física depois de um dano cerebral, ainda que leve:

“Quando o paciente perde a consciência é porque o cérebro foi agredido, tanto é que ele parou de funcionar. Se isso acontece ele continua ele pode ter um inchaço do cérebro, um edema, e isso pode fazer com que o quadro dele se agrave muitíssimo. Ele pode até romper pequenos vasos e de imediato não vai levar a um sangramento importante, mas pode agravar. Mesmo recobrado a consciência, ele tem que ir para o hospital”, continuou o doutor.

Álvaro Pereira deveria ter deixado o gramado e ser colocado em repouso, como aconteceu com Bruno Martins Indi, da Holanda, na última terça-feira, caso mais evidente de perda de consciência. O zagueiro holandês foi colocado na maca e deixou o Estádio Beira-Rio imediatamente a caminho do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, e não viajou com a delegação de volta para o Rio de Janeiro, ficando no hotel em que ela se hospedou na capital gaúcha para se recuperar.

“O ponto fundamental é a perda real de consciência. É como se o jogador tivesse sido nocauteado. Perdeu a consciência ele deve ser retirado imediatamente de jogo. O parâmetro é do boxe. Quando o lutador para de reagir, o árbitro imediatamente paralisa e dá o nocaute. Ele protege o profissional. O que ele usa sempre como referência é a consciência”, esclareceu o neurocirurgião, que afirmou que este tipo de situação deve ser tratada com mais seriedade no futebol, como é por esportes em que pancadas na cabeça são mais recorrentes.

O Terra entrou em contato com a Asociación Uruguaya de Fútbol para ouvir a posição da entidade sobre o caso, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria. Logo após o atendimento ao lateral esquerdo, o médico Alberto Pan, da seleção do Uruguai, pediu a substituição do jogador, que reagiu acintosamente ao sinalizando para o banco de reservas que não o tirassem do gramado. Álvaro Pereira pediu desculpas para o doutor em entrevista depois do jogo.